Jornal Correio Braziliense

Diversão e Arte

Atores performáticos se vestem de vampiros e saem à noite 'assustando' gente

O cenário do Landscape Pub não poderia ser mais apropriado para tão sinistro encontro. Localizado no alto de uma colina no Centro de Atividades do Lago Norte, a casa é rodeada por morcegos que habitam as árvores das redondezas e não cessam de dar voos rasantes. Luz mortiça e caixas de som liberando trilha sonora futurepop da banda alemã Blutengel deixaram o clima ;sobrenaturalmente; armado, quando, do meio da penumbra, a silhueta de um vampiro começa a se desenhar. Ele se aproxima e é cada vez mais amendrontador. A figura, com confiança, está pronta para abordar a vítima. Braços estendidos e...

;Olá, eu sou o Vlad!”, cumprimenta o ator Renato Barcelos num abraço amistoso. Mais simpático impossível. Barcelos tem 44 anos brasileiros (como gosta de denominar), mas contabiliza 440 anos de eternidade, ou cemitério, já que encarna o personagem Vlad Tepes (mais conhecido como conde Drácula), e Vlad já está com essa idade. Ele e o também ator Alvaro Neto, 24 de vida e 10 de carreira, estavam ali para preparar mais uma performance de teatro trash que os dois encenariam durante uma festa gótica na casa. Os dois fazem isso há cerca de três anos.

;A arte vem para educar, ensinar, protestar e a diversão é consequência de tudo isso. Às vezes, a gente faz teatro para incomodar mesmo, para perturbar. Desse incômodo, as pessoas podem tirar uma outra linha de raciocínio. Por que você não domina os seus medos?;, raciocina Neto. Ou então fazem uso da arte para alertar. ;Agora mesmo a gente está em época de eleições e é bom prestar atenção em quem votar. Nós usamos a figura do vampiro como um político que explora a nação que é a vítima;, enfatiza o ator. ;Ao mesmo tempo é uma terapia. Você pode tirar uma pessoa das ruas por meio da arte;, afirma Barcelos.

Estudante de artes cênicas da Faculdade de Artes Dulcina de Moraes, Neto escreve e dirige as peças vampirescas. Ele aproveita referências de Augusto Boal (teatro do invisível), Antonin Artaud (teatro da crueldade) e Bertold Brecht nos trabalhos que faz. O ator brasileiro José Mojica Marins (o eterno Zé do Caixão) e filmes como Drácula, de Bram Stoker e Entrevista com vampiro e personagens da editora Marvel Comics também servem como referência. ;É possível que sejamos os primeiros em Brasília a encenar teatro trash;, acredita o diretor.

Em geral, as peças são encenadas em festas góticas como a do último sábado. ;Apesar de eu não ser gótico, recebo com muito prazer esse tipo de público. Eles são pessoas doces e muito interessantes;, afirma o empresário Fagundes Vasconcellos, dono da casa que abriga uma festa desse tipo pelo menos uma vez por mês. Mas, é na rua que a dupla encontra o espaço cênico ideal para a empreitada. ;Uma vez estávamos num encontro gótico no Museu da República e faríamos uma performance. Era para tomar um vinho (o detalhe é que não bebo e nem fumo) e fingir que passava mal. Uma das meninas que correria para me socorrer deveria dar três tapinhas no meu rosto, nesse momento ela deveria se posicionar para a mordida. Eu me levantaria e diria: ;Quero mais;. Outra atriz me ofereceria o pescoço. Isso é o que era para acontecer;, explica Alvaro.

Mas tudo deu errado: ;Quando eu peguei no vinho, as pessoas começaram a correr na minha direção. Eu caí no chão e comecei a me debater. Chegou uma socorrista e disse que não era para ninguém encostar em mim. A atriz começou a pedir calma. Quando a senti perto de mim, não esperei os três tapinhas e dei a mordida com os dentões. Até ela se assustou, mas apesar do susto, ela foi rápida e também caiu no chão. Acho que essa parte da cena ficou melhor do que o que a gente tinha combinado. Quando eu me levanto e digo quero mais e seguro a segunda atriz, o pessoal começa a gritar ;solta a mão dela!’. Quando eu olho para o lado, um maluco pula no meu pescoço e me dá três socos no ouvido. Um outro doido chega rodando uma corrente, parecia até um cavaleiro medieval. Eu pensei que fosse morrer. Se eu morresse por causa da arte, talvez valesse a pena! Aí uma das atrizes gritou: ;Calma, galera, é uma encenação!’ e o pessoal se acalmou;, narra um vampiro que escapou de um apuro daqueles.

Vampiro emo
Em tempos de vampirinhos arrumadinhos invandindo o circuito cinematográfico com a saga Crepúsculo está difícil desvincular o trabalho dos rapazes da moda teen. ;Eu acho que o Edward é um vampiro emo;, responde Vlad. Sendo censurado por Alvaro. ;A gente não pode ter preconceito contra ninguém. Mas, essa série é completamente ilógica. Por que ele anda no sol? Como é que o sol não o queima? Nos perguntam se gostamos de Crepúsculo por causa do teatro trash e sempre respondo que a gente começou a fazer isso muito antes da série. Mas não chega a incomodar;, responde Neto. ;Nós somos confundidos com metaleiros, cosplays, motoqueiros; É bom deixar claro que não somos satanistas e não nos envolvemos com drogas. Nós dois somos cristãos;, esclarece Neto.

O produtor e diretor cinematográfico Roberto Vieira, da Astro Filmes, promete dar uma alavancada na carreira de Alvaro Neto e Roberto Barcelos com a produção do curta-metragem, orçado em R$ 2 milhões, Poder sobrenatural. ;Concentraremos 60% das filmagens em Pirenopólis, mas planejamos uma cena reunindo 70 vampiros em frente ao Congresso Nacional;, planeja Vieira. As filmagens estão marcadas para o início de agosto.

; MEMÓRIA
As várias sombras do gótico

O movimento gótico ou dark nasceu no Reino Unido no final dos anos 1970 como derivação do gênero pós-punk. Seus participantes se vestem com roupas escuras e são frequentemente taxados de exóticos e melancólicos. Dentro do gótico, existem subdivisões que vão desde os trad goth (os tradicionais), edwardiano, romantic goth, dandy, steampunk, cybergoth, perky goth e vitorianos como Alvaro Neto e Renato Barcelos. A cultura gótica abrange todas as artes e caracteriza-se pelos temas sombrios e pelo niilismo. Existem inúmeros exemplos de filmes, peças e canções que fazem parte do movimento.

Um exemplo citado pelos rapazes é a montagem alemã Tanz der vampire (Dança dos vampiros), ópera inicialmente dirigida pelo cineasta polonês Roman Polanski. No palco, os atores cantam uma versão de Total eclipse of the heart (Totale finsternis, em alemão) sucesso oitentista na voz de Bonnie Tyler escrito por Jim Steinman que também produziu a ópera. Os cenários são suntuosos e a produção é milionária. A montagem foi encenada pela primeira vez em 1997 e de lá para cá ganhou várias versões. Até hoje é apresentada em Stuttgart, naquele país.