Você já ouviu um galope à beira-mar? E que tal um mourão agalopado? Ou um sete linhas? Talvez um mote heptassílabo? Ok, ok, mas certamente você já se deparou com uma sextilha; certo? Essa terminologia pode não lhe ser familiar, mas faz parte do vocabulário de qualquer cantador que se preze. Todas elas são modalidades do repente (1), tradição folclórica brasileira perpetrada e divulgada graças a artistas como Chico de Assis e João Santana. 
Especialistas no assunto, eles são referência no Distrito Federal. A melhor maneira de apreciar o trabalho deles é ao vivo, mas em disco eles mostram igual competência ; como comprova Cantando as coisas da vida, segundo CD gravado pelos dois. O show de lançamento, realizado em 2 de junho no Teatro dos Bancários, chega hoje à Casa do Cantador, em Ceilândia. ;Existem mais de 40 modalidades de repente. No disco, cantamos 10 delas, muitas consideradas em desuso, como o perguntado alagoano;, conta Chico de Assis, 47 anos. ;O disco tem repente, forró e canção, mas tudo no estilo da cantoria;, acrescenta João Santana, 31 anos. Com textos inteligentes, sentimentais, bem-humorados ou sérios, se preciso, e domínio tanto da métrica do canto quanto do toque da viola (com sete cordas cada uma), eles fazem de Cantando as coisas da vida uma amostra de que essa tradição não está presa ao passado. Trajetória Ao longo da década, Chico de Assis e João Santana fizeram o nome da dupla participando de diversos eventos culturais e institucionais. Nos primeiros, mostram composições que comentam diversos assuntos, especialmente questões sociais; nos segundos, escrevem sobre temáticas específicas (para músicas e cordéis), de acordo com a solicitação do contratante ; atentos aos principais tópicos em evidência nos meios de comunicação, eles desenvolvem com relativa facilidade versos sobre o assunto desejado. Os dois participaram também de filmes, como a premiada animação O lobisomem e o coronel (2002). Segundo João, eles aprenderam a linguagem do ;projetês;. ;Com isso, nós aprovamos o nosso segundo disco no edital da Petrobras Cultural, em 2007. Mas o dinheiro só saiu em 2009;, conta. 
Brasiliense, filho de mãe piauiense e de pai goiano, o engenheiro ambiental João Santana começou a ouvir cantorias com os discos da família. Em casa, ensaiava seus repentes. Em 1999, depois de assistir a um festival na Casa do Cantador ; no qual fez uma pequena participação ; ficou sabendo pelos organizadores que Chico de Assis estava sem parceiro para compor uma dupla. Depois de um ano de preparação, os dois começaram a se apresentar juntos. Potiguar nascido na pequena Alexandria, Francisco de Assis Silva ouve cantorias desde a infância. Aos 15, se apresentou pela primeira vez. Aos 19, já era profissional. Como cantador, morou em diversos estados nordestinos, teve programas de rádio, se apresentou várias vezes em São Paulo. Morador de Ceilândia há 16 anos, Chico chegou ao DF para trabalhar na campanha de Cristovam Buarque. Durante o mandato do ex-governador, foi diretor da Casa do Cantador. Formado em licenciatura em artes cênicas, Chico nunca exerceu a profissão, mas trabalha com o caráter lúdico e educativo tanto do repente quanto da literatura de cordel em oficinas para crianças e adolescentes. Aliás, Chico é o presidente da Associação dos Cantadores Repentistas e Escritores Populares do Distrito Federal e Entorno (Acrespo). Profissão Popular, especialmente na Região Nordeste, o repente tem origem secular, remetendo aos trovadores medievais. Com o êxodo rural, explica Chico, muitos cantadores foram para os grandes centros. O resultado foi tanto a popularização, quanto a vulgarização do repente. ;As pessoas confundem a cantoria com o cantador de praia e restaurante, aquele que te aborda e só para de tocar quando você lhe dá algum dinheiro. Pensam que o repentista é um mártir de rua. E não é assim;, observa João. ;A cantoria não é uma arte de rua. O cantador não canta na rua. E desde quando isso era apenas uma manifestação rural é assim. As apresentações são sempre feitas em algum local onde as pessoas se reúnem para assistir aos repentistas;, esclarece Chico. Vale lembrar que, no ano passado, a profissão de repentista foi regulamentada. Levar para as pessoas um maior entendimento sobre o que é a cantoria e o repente é um sonho da dupla. ;A minha ambição é mostrar a grandeza desta arte. Eu gostaria de fazer um projeto com livro, site e documentário contando a história da cantoria. Até hoje, nenhum documentário foi suficientemente esclarecedor;, observa João Santana. ;Eu gostaria muito que existissem políticas públicas para divulgar essas artes. O meu sonho é ver o cantador vivendo com dignidade e cidadania, tanto como pai de família quanto como artista;, almeja Chico de Assis. 1 - Coco, cantoria e trova O nome repente surgiu por conta do improviso que envolve esta tradição cultural (as frases são criadas ;de repente;). O repente acompanhado de pandeiro é chamado de coco de embolada. A cantoria é o repente cantado com acompanhamento da viola. No sul do Brasil, existe ainda a trova, que usa violão e acordeon. CHICO DE ASSIS E JOÃO SANTANA Hoje, às 20h, na Casa do Cantador (QNN 32 Área Especial, Ceilândia Sul). Show de lançamento do disco Cantando as coisas da vida. Acesso livre. Ouça a música Realidades do mundo Chico de Assis e João Santana