Playboys e alternativos, atualmente, são apenas duas das ;tribos; que, mesmo sem se misturarem, povoam pacificamente a heterogênea cena noturna brasiliense. Houve tempo, porém, que eram inimigos ferrenhos, viviam às turras, com ações ; da parte dos primeiros ;, marcadas pela violência explícita. Quem viveu intensamente a segunda metade da década de 1980 em Brasília tem histórias para contar, principalmente, do Gilbertinho, o point dos roqueiros daquela época.
Localizado na QI 11, quadra comercial do Lago Sul que hoje tem como referência principal o Deck Brasil (uma espécie de shopping aberto), o Gilbertinho, no período de maior efervecência, entre 1985 e 1986, era um conglomerado de bares, em torno de uma pracinha. Ali se encontravam punks, metaleiros, darks e outros representantes das diferentes facções do rock brasiliense oitentista.
O Gilbertinho funcionava como contraponto do Centro Comercial Gilberto Salomão, que, naquele momento, vivia uma fase de grande agitação, motivada pela inauguração da discoteca Zoom, o maior e mais importante espaço para dança surgido na história da cidade, onde os playboys marcavam presença ostensiva, exibindo roupas de grife e carrões incrementados.
Por seu lado, os roqueiros, com suas calças rasgadas e camisetas artesanais, seguindo o lema punk ;faça você mesmo;, ocupavam festivamente o Gilbertinho. Iam ali para encontrar a turma, conversar sobre música e cinema, embriagar-se e, eventualmente, paquerar. Ah, sim, estavam sempre preparados para o confronto com os rivais ; por vezes violentíssimos.
;Certa noite de sábado, em 1985, estávamos lá reunidos, bebendo, trocando ideias, quando fomos surpreendidos por um boy que, de arma em punho, ameaçava todos nós. Foi um corre-corre na tentativa de sair do alvo daquele rapaz insano. Eu e duas amigas nos protegemos atrás de três carros. Um deles foi atingido por uma bala;, recorda-se Carmem Teresa Manfredini, vocalista da banda Tantra, que há alguns meses está morando no Rio de Janeiro. ;Depois contei o ocorrido ao meu irmão (Renato Russo), que ficou horrorizado com tamanha violência;, acrescenta.
Naquele ano, Renato, assíduo frequentador do Gilbertinho, já estava morando no Rio. Por isso mesmo, o local foi o primeiro a receber, em 1999, a primeira placa demarcando lugares que o band leader da Legião Urbana costumava marcar presença. Na placa foi transcrita frase extraída do clássico Índios: ;A mais bela tribo, dos mais belos índios;, numa explícita alusão aos amigos roqueiros. Outras depois foram instaladas no Gilberto Salomão (próximo ao local onde existiu o Só Kana, em que ele chegou a tocar), 303 Sul (quadra em que morou com a família); Parque da Cidade (cenário da música Eduardo e Mônica) e Teatro Rolla Pedra, em Taguatinga.
Contemporâneo de Renato, de quem era amigo, Philippe Seabra é outro remanescente daquelas noitadas, digamos, movimentadas do Gilbertinho. O vocalista e guitarrista da Plebe Rude também lembra de uma tentativa de agressão que por pouco se perpetrava contra ele. ;Uma vez, um playboy chegou ao Gilbertinho procurando por ;um tal Philippe;. Ao se aproximar de uma mesa, quase gritando, quis saber quem era Philippe. O Loro Jones (ex-guitarrista do Capital Inicial) o encarou e respondeu ironicamente ;todos aqui são Philippe;, deixando-o furioso. Aí o Renato (Russo) interviu e falou: ;Em vez de bater no Philippe, por que você não bate no sistema?;, ouvindo como resposta, ;então seu nome é sistema;. Felizmente, a agressão não foi consumada.;
Agitos na Le Club
Violência à parte, o Gilbertinho era uma festa. Depois de ;enchem a cara; sentados em mesas espalhadas à porta do Rainbow, Vice e Versa e outros barzinhos, o povo se jogava na Le Club, boate de Oswaldo Gessner, sucursal New Aquarius (hoje Espaço Galeria), existente no Conic. ;Na época, eu tinha um programa, com o Cristovão e o Luis Carlos Jr. (atualmente, na África do Sul, como principal narrador da Sport TV), na Transamérica, chamado New Rock. Era amigo do pessoas das bandas e me juntava a eles no Gilbertinho. Fiz várias festas na Le Club, tocando punk rock inglês;, conta o professor de engenharia da computação Ricardo Queiroz, que era conhecido pela galera como Chico Bóia.
Quem igualmente frequentava o Gilbertinho era João Vicente Costa, ex-vocalista da banda 5 Generais, ex-DJ e produtor JVC, dono de pizzaria no Lago Sul. ;Naquele tempo estudava arquitetura na UnB e tinha como colega o Balé, baterista do Escola de Escândalo. As festinhas da Le Club eram imperdíveis. Pena que a boate durou pouco;.
Outro que se lembra dos agitos na Le Club é o fotógrafo Tadeu Prado. Ele, Nicolau El Moor, Ricardo Junqueira e Edgar César, o Gão, foram responsáveis por muitas das imagens das bandas do rock candango nos anos 1980, mas, por incrível que pareça, quase nenhum deles fez registro de cenas do Gilbertinho. ;Mesmo encontrando no local todos os personagens que fizeram a história do rock de Brasília, ali nos víamos como mais um deles, por isso, não fotografávamos. As fotos que produzíamos das bandas eram em shows, ou para divulgação. No Le Club não dava, porque lá todo mundo já chegava bêbado; (risos).