Marcelo Nova é um tipo raro no rock brasileiro: irreverente, questionador, mordaz. Entre outros feitos, o músico baiano é um dos poucos de sua geração que não teve medo de envelhecer, não tentou eternizar a adolescência ou parou no tempo como se os anos 1980 nunca tivessem acabado. Isso, no entanto, não o impediu de fazer voltas eventuais com a banda que o tornou conhecido, o Camisa de Vênus(1). ;Nós temos reuniões esporádicas. E tem sido assim desde que nos separamos, em 1987. O Camisa é o meu autorama: eu acho divertido montar a pista, botar os carrinhos para correr, mas depois de uma semana perde a graça, entendeu?;, explica.
E continua: ;Eu tenho ótimas recordações com o Camisa, mas tentar perpetuar isso seria tolice. O Camisa é a minha banda de menino. Foi a minha primeira manifestação musical e eu tenho a perfeita noção do que ela representou tanto para mim quanto para muita gente no Brasil. Mas eu não posso ficar atrelado a algo que eu fiz quando era moleque. Essa coisa de banda de rock é para adolescente. Eu estou a caminho dos 60 anos. Eu tenho hoje mais discos solo do que com o Camisa de Vênus;. E é justamente em carreira solo que Marceleza, 58 anos, aterriza mais uma vez em Brasília.
Em cima do palco, Nova e banda (que conta com seu filho, Drake, em uma das guitarras) mostrarão músicas de toda sua trajetória. Para o cantor, não existe distinção entre composições feitas com sua antiga banda, em parceria com Raul Seixas (com quem lançou o disco A panela do diabo, em 1989), com outros músicos ou individualmente. São todas elas, afinal, canções de Marcelo Nova. ;A minha ideia é uma tentativa infrutífera, um paradoxo, de resumir três décadas de carreira em duas horas de show. Tocarei músicas antigas, outras mais recentes e músicas inéditas;, adianta.
E por falar em novidades, o músico está em estúdio preparando álbum novo (o 9;, se contabilizado seu trabalho com Raul). O disco deve ser lançado no começo do ano que vem. Marcelo diz não poder revelar muitos detalhes, mas conta que o CD fala essencialmente de suas relações com o sexo feminino. ;As mulheres, além de um deleite para os olhos e para a alma ; e não digo no sentido religioso ;, têm se constituído durante toda a minha vida em motivo de apreço. Elas são muito mais interessantes que nós homens, são muito mais complexas. Elas precisam de pôr do sol, flores, cartões de crédito, shopping center, viagens; e para nós basta uma bela bunda. Essa complexidade é boa para você se debruçar em cima;.
Rock e polêmica
Formado por Marcelo Nova no vocal, Karl Hummel e Gustavo Mullen nas guitarras, Robério Santana no baixo e Aldo Machado na bateria, o Camisa de Vênus fez suas primeiras apresentações em 1982. Com um nome polêmico (na época, sinônimo de preservativo), som calcado no punk rock, postura anticonformista e os textos ácidos de Nova, o quinteto escandalizou a ala conservadora de Salvador, voltada para a MPB. O sucesso não tardou a chegar. Até o fim da década, o Camisa lançou seis discos e emplacou sucessos como Bete morreu, Eu não matei Joana D`arc, Simca chambord, Silvia e Só o fim. Nova saiu da banda em 1987, mas faz reuniões esporádicas com o grupo desde então. Atualmente, o Camisa segue com outro vocalista.
MARCELO NOVA
Hoje, às 22h, no América Rock Club (QS 3, conjunto 13, loja 7), em Taguatinga Sul. Show com o cantor e compositor baiano. Ingressos: R$ 20 (antecipados), à venda no GTR Instituto de Guitarra (111 Sul) e na Malharia Juliana (CNB 8, Taguatinga). No local, a R$ 30. Não recomendado para menores de 18 anos.
Entrevista com Marcelo Nova
O que você achou do recente interesse pelos anos 1980?
As pessoas se agarram ao passado de uma maneira quase obsessiva. A ideia de que o passado era melhor é completamente equivocada, uma falácia. Isso me faz ver com clareza que essa busca está atrelada ao fato de essas pessoas viverem no presente uma vida medíocre, mais do que terem um passado brilhante. Nos anos 1980, as pessoas saiam, fumavam, se drogavam, bebiam e trepavam o tempo todo. Depois, se casaram com mulheres com que se arrependeram profundamente de terem casado. Vão de casa para o trabalho e do trabalho para casa. Não têm interesse cultural ou intelectual, ficam em casa vendo Copa do Mundo, gritando ;gol do Brasil!”. Não, o passado não era melhor. A vida sempre foi uma merda. O presente dessa gente é que parece que está muito ruim.
Mas essa ;febre; te trouxe mais shows?
Eu gosto de tocar, de estar na estrada. É a isso que me proponho ; e a cumprir um equilíbrio entre o homem e o lobo no decorrer da estrada. Se eu ficar muito tempo fora dela, eu começo a uivar pra Lua e isso não é bom. Eu não quis em nenhum momento da minha carreira incorrer no equívoco muito tentador de encontrar um nicho, montar um repertório de sucessos e ficar me repetindo o tempo todo.
O que tem rodado na sua vitrola?
Howlin;Wolf, Muddy Water, Lightnin; Hopkins; o caçula dessa lista é o Willie Nelson (risos). Esta coisa da estrada, de camarins e de hotéis faz com que você fique entorpecido pelo que dizem ao seu respeito ; e as tentações são inúmeras, menino! Então é bom botar os pés no chão. E nada melhor para você botar os pés no chão do que ouvir Howlin;Wolf e Muddy Water. Quando eu percebo que estou precisando botar os pés no chão, literalmente, é a eles que eu recorro, quase sempre.
A último show do Raul foi em Brasília, contigo, na turnê que vocês estavam fazendo juntos em 1989. Lembra de alguma coisa especial daquela data?
Não, nada específico. Era o nosso 50; show daquela turnê. Nós pretendíamos ir até dezembro. Evidentemente, depois ele ia voltar pra carreira dele e eu pra minha, porque não somos Xitãozinho e Xororó.
Você mesmo lançou o seu último disco, Galope do tempo (2007). Acha que o disco alcançou o seu público potencial?
Acho que não. Ele foi mal distribuído. E esse é o problema do independente. Eu consigo gravar o disco do jeito que eu quero, mas não consigo fazer ele chegar em Taguatinga, por exemplo. Mas tem algumas distribuidoras que estão se arvorando para resolver esse problema.
Você colocaria as suas músicas para download gratuito no seu site ou algo parecido?
Eu não ponho nada, não vou ficar facilitando a vida de ninguém. Isso de que o artistas precisa ir onde o povo está é idiotice. Não tenho esse tipo de preocupação. Quando o artista é talentoso, e eu sei que sou talentoso, as pessoas vão atrás. Johnny Winter, por exemplo, veio ao Brasil recentemente. Eu peguei um avião e fui vê-lo em Goiânia. Não fiquei esperando ele vir a São Paulo, tocar na frente da minha casa. Porque ele é talentoso e durante muito tempo ele me motivou. Eu é que fui ao encontro do artista. Para vê-lo a um metro de distância. Estamos procurando facilidades demais. E eu não quero jogar em time que está ganhando. Entre jogar no Real Madrid e jogar no Estrelinha de Pirapora, eu prefiro jogar no Estrelinha de Pirapora, porque eu enfio a bola pelas pernas do zagueiro do Real Madrid, dou um chapéu no goleiro e faço um gol de bunda ; o que satisfaz muito mais o meu espírito anárquico do que jogar no Real Madrid. Jogar no Real Madrid é fácil! É a coisa mais boba que tem, qual é a graça? Bom é ser ponta esquerda do Estrelinha de Pirapora.
Discografia do Camisa de Vênus
* Controle Total (compacto) - 1982
* Camisa de Vênus - 1983
* Batalhões de Estranhos - 1984
* Correndo o Risco - 1986
* Viva - 1986
* Duplo Sentido - 1987
* Liberou Geral - 1988
* Bota pra Fudê - 1990
* Plugado! - 1995
* Quem é você? - 1996