Jornal Correio Braziliense

Diversão e Arte

Estreia hoje no Centro Cultural Banco do Brasil peça que homenageia a atriz Dercy Gonçalves

No começo dos anos 30, a jovem artista Dolores Gonçalves Costa ficou impressionada com a elegância de Darcy Vargas, a então primeira dama do Brasil. Foi então que Dolores resolveu se "apropriar" de certa forma do nome da mulher de Getúlio para se tornar a primeira dama do teatro de improviso brasileiro: Dercy Gonçalves. Uma mulher autêntica, revolucionária, escrachada, sem papas na língua, mas sobretudo, uma das grandes atrizes e comediantes desse país e que terá um pouco da sua vida e trajetória artística contada e encenada hoje à noite nos palcos do Centro Cultural Banco do Brasil, em Brasília.

O projeto Mitos do Teatro Brasileiro, que estreou em maio homenageando Dulcina de Moraes, dessa vez terá Dercy Gonçalves como foco. Como se fosse um "documentário ao vivo", a iniciativa intercala cenas inéditas criadas pelo jornalista e dramaturgo Sérgio Maggio, a partir da pesquisa biográfica de cada homenageado, com testemunhos de artistas que conviveram com a personalidade. No palco estarão os atores Jones Schneider e Adriana Nunes (Cia. de Comédia Os Melhores do Mundo), além da participação das atrizes e ex-vedetes Carmem Verônica e Íris Bruzzi e da escola de samba Acadêmicos da Asa Norte.

"O mais interessante desse projeto é que ele ajuda a entender, compreender e ter toda uma visão mais ampla não só da vida desses homenageados, como também do teatro brasileiro. Além de ser uma iniciativa que leva entretenimento, tem um cunho educativo. É como se fosse uma aula em que você aprende e se emociona. É uma ode ao teatro brasileiro", comenta Jones.

A apresentação percorrerá toda a trajetória da diva desde os tempos em que ela vivia em Santa Maria Madalena, no interior fluminense, o começo da vida artística na trupe de Maria Castro, a ida para a Casa de Caboclo (casa de espetáculos no Rio de Janeiro), a passagem pela Praça Tiradentes, reduto do Teatro de Revista no Brasil, a vida nos palcos, no cinema, a criação de sua companhia teatral e os tempos de vedete. Além das intervenções cênicas com Jones e Adriana e os depoimentos de Carmem e Íris, serão exibidos vídeos, entrevistas e o trecho de um dos filmes de Dercy, A grande vedete.

Imagem marcante
O Correio acompanhou um dos últimos ensaios da dupla de atores, coincidentemente realizado no dia do aniversário de Dercy, 23 de junho. A atriz Adriana Nunes tratou de evocar a presença da comediante, que morreu em 2008, aos 101 anos, e logo passou a soltar palavrões. "A imagem que a maioria das pessoas tem dela é essa. De ser desbocada, debochada, de só falar palavrões. A lembrança dela mais velha é bem marcante. Tanto é que Dercy sempre foi bastante imitada pelos humoristas. Mas ela é muito mais do que isso. Toda a sua trajetória rica e sua contribuição para o teatro e para a comédia está meio escondida, então é sempre bom resgatar. Por isso, esse projeto é tão interessante", opina Adriana.

Já Jones Schneider, que também é o responsável pela curadoria e a direção do projeto, conta que já conhecia todo esse aspecto da personalidade de Dercy Gonçalves de ser ousada e revolucionária, e o que mais chamou a atenção na sua trajetória foi o exemplo que ela deixou tanto como mulher como artista. "Dercy teve uma linguagem própria que foi difícil de acompanhar. Ela fazia do que jeito que queria. Ela abriu muitas portas em vários aspectos. O teatro e os artistas devem muito a ela. Sem dúvida, uma das maiores personalidades desse país", destaca.

Irreverência
Dolores Gonçalves Costa nasceu na cidade de Santa Maria Madalena (RJ), no dia 23 de junho de 1907, filha do alfaiate Manoel Gonçalves Costa e da lavadeira Margarida Gonçalves Costa (a comediante tinha dúvidas sobre a data, e dizia que seu pai a registrara com atraso e que ela na verdade teria nascido em 1905). Foi uma atriz e comediante oriunda do teatro de revista e ficou famosa por suas participações na produção cinematográfica brasileira das décadas de 1950 e 1960. Era notória também por suas entrevistas irreverentes, o seu bom humor e uso constante de palavrões. Morreu em julho de 2008, em decorrência de complicações de uma pneumonia.

Três perguntas para Carmem Verônica

O que chamava mais atenção na personalidade de Dercy Gonçalves?
Ela era realmente uma pessoa única, impressionante, foi precursora de uma série de coisas para nós atores comediantes. Eu nunca trabalhei com ela, mas a gente convivia. Ela tinha uma energia, uma força. Não era caricata, mas muito engraçada. Era uma comediante nata. Eu gostaria de chegar aos 100 anos como ela chegou, com o espírito alegre, pra cima, com muito amor à vida e sem rancor. E não é porque ela morreu que estou dizendo isso.

O que a gente pode esperar desse encontro entre você e a Íris Bruzzi , que é sua grande amiga, e ainda por cima para falar sobre Dercy Gonçalves?
Não é tão fácil falar sobre ela, porque a vida da Dercy é praticamente um livro aberto contado por ela mesma. O público praticamente conhece tudo sobre a Dercy. Foi um privilégio ter convivido com ela, consegui absorver muito dessa grande personalidade. Fiquei lisonjeada de ter sido convidada para esse projeto e ainda mais com a Íris. Sem dúvida vai ser bem interessante e a gente tem boas histórias para lembrar.

Como foi ter sido eleita uma das Certinhas do Lalau ( lista criada pelo jornalista Sérgio Porto, o Stanislaw Ponte Preta, que elegia as maiores beldades do país)?
Eu fui hour concours nessa lista durante 10 anos. O Sérgio sempre foi um grande amigo da minha família, do meu marido. Uma pessoa fantástica que fazia de tudo. Ele era um grande conhecedor de samba, de humor. Uma figura bem interessante. Mas esse aspecto da beleza é engraçado né. Foi muito bom ter feito parte dessa lista, mas uma coisa que aprendi, ao longo desses anos, é que a bunda cai, mas o talento fica.

Três perguntas para Íris Bruzzi

Qual é a sua grande lembrança da Dercy?
Dercy era uma grande amiga do meu ex-marido Walter Pinto (produtor e autor de teatro brasileiro, responsável pela renovação do teatro de revista). Ela era uma pessoa maravilhosa, muito divertida. Tem um episódio que eu sempre me lembro dela é que quando a gente trabalhava na extinta TV Excelsior, e íamos receber o pagamento, tínhamos que ficar na fila para receber. Se a Dercy tivesse na fila e na nossa frente, como ela tinha o maior salário, a gente brincava que ela ia ficar com todo o dinheiro e não ia sobrar nada para o resto.

Qual foi a principal contribuição dela para o teatro?
Ela é a mestra de todos nós comediantes, uma mestra na arte do improviso. O ator tem que mergulhar fundo no que faz e esse ensinamento nós devemos à Dercy. Foi a nossa grande comediante e ninguém chega aos pés dela nesse sentido.

Como era fazer teatro de revista, já que você foi um dos grandes nomes do gênero no país?
O Walter, meu ex-marido, um dos criadores do teatro de revista, primava muito pela qualidade e eu tenho orgulho de ter participado disso. Sempre fui muito CDF no meu trabalho, tinha e ainda tenho muito disciplina e isso eu devo ao teatro de revista. Era uma escola maravilhosa.

Mitos do Teatro Brasileiro - Dercy Gonçalves
Hoje, às 19h30, no Centro Cultural Banco do Brasil Brasília (SCES, Trecho 2, Lote 22), com a participação dos atores Jones Schneider e Adriana Nunes. Debatedores: Carmem Verônica e Íris Bruzzi. Ingressos: Entrada franca. As senhas serão distribuídas na bilheteria com uma hora de antecedência. Telefone: (61) 3310-7087. Não recomendado para menores de 12 anos. O CCBB disponibiliza ônibus gratuito saindo do Teatro Nacional a partir das 11h.