Ricardo Daehn
postado em 28/06/2010 08:36
Nem Louis Malle, muito menos François Truffaut - ambos significativos no período dos "gloriosos 30 anos", que se estenderam até 1975 e assentaram a infância do futuro cineasta Laurent Tirard - influenciaram esse diretor francês na construção daquele longa que, enfocando uma trupe de desordeiras crianças, se tornou a maior bilheteria francesa de 2009: O pequeno Nicolau. "Me influenciei muito por Jacques Tati, Steven Spielberg e Tim Burton. Gosto de filmes feitos num ambiente, por absoluto, ficcional. Neles, fica patente o teor de conto de fadas. No mundo do Nicolau, nada se desencaminha e tudo dará certo. Truffaut e Malle faziam filmes obscuros, realistas", observa Tirard, ao comentar a produção prevista para entrar em cartaz no Brasil, a partir da próxima sexta-feira.
Estudioso de cinema - é dele o livro de entrevistas Grandes diretores de cinema (Nova Fronteira) -, o também jornalista Laurent, aos 43 anos, depois de conduzir o discreto longa As aventuras de Molière (2007), emplacou um público de 5,5milhões de franceses (além de polpudas bilheterias em díspares países como Coreia do Sul e Polônia), com a adaptação para o cinema do universo criado, há 50 anos, pelo cartunista Jean-Jacques Sempé. "O filme é universal, mas todo o crédito se deve ao livro. Mesmo se a infância de Sempé transcorreu nos anos de 1930, ainda hoje as crianças têm conexão imediata com o que ele escreveu", diz Tirard, que incrementou o enredo com muito de si. "O potencial de incluir aspectos pessoais, escondidos por toda parte, me motivou. No filme, os pais do protagonista têm muito dos meus, já que quase não existem no livro", explica.
Com o papel especialmente escrito para ela, "numa exceção" na carreira de Tirard, Valérie Lemercier dá vida à divertida mãe, uma desastrada alpinista social, na trama. "Queria uma atriz suficientemente louca para encaminhar a personagem para direções selvagens", conta o diretor formado pela Universidade de Nova York. Na visão de Sempé - que já confessou que, quando era criança, "os estragos eram a única distração" dele -, a galeria de crianças enfocadas "recebe um monte de golpes, mas não sente nenhuma dor".
Tipos irresponsáveis
Nascidos próximos ao ano de 1958, no qual floresceu o clássico de Tati, Meu tio, tipos irresponsáveis como o desligado Clotaire (Victor Carles) e o fofoqueiro Agnan (Damien Ferdel) se misturam a referências como a literatura de Charles Perrault (particularmente, O Pequeno Polegar) e às idiossincrasias e às traquinagens que rondam Nicolau (Maxime Godart). "Ele é observador, o narrador que nos leva pela mão ao mundo dele. 'Via o Nicolau do livro como alguém mais ativo', é o que ouço demais. Porém quis ele assim como me lembro ainda da infância, próximo de mim: alguém que observava, interpretava e imaginava por demais", avalia o cineasta.
Depois testar 800 crianças, a opção fundamental foi o pré-requisito de que nunca tivessem atuado, para o molde de interpretação pretendido. "Eles foram escolhidos pelos rostos, pela falta de temor frente à câmera e pela personalidade de cada um. Foi como conduzir uma peça, numa alquimia estranha feita de amor e autoridade. Fui um instrutor, uma vez que não poderia dar liberdade completa às crianças, pois não saberiam o que fazer com isso. Segui o que se faz com filhos: oferecer um equilíbrio entre autoconfiança e concentração", explica Laurent Tirard.
Sem se apropriar da "energia crua das crianças", o cineasta faz lembrar o ar paternal representado por Kad Merad, na fita, dono da cena preferida de Tirard: quando o instinto afetivo do pai se intensifica e ele anima, com uma sessão de inesperadas caretas, o filho Nicolau. Tendo assegurado emprego para o próprio filho (Virgile Tirard) na produção, o realizador contou com certa indiferença, no crivo crítico do menino. "Crianças são engraçadas: fazem o filme, assistem, mas preferem mesmo é ir brincar entre elas. Acho isso muito saudável: a vida continua para todos eles", conclui.