Jornal Correio Braziliense

Diversão e Arte

Metal forte

Os 40 anos de som pesado são contados em livro de Ian Christe. Mais do que um gênero de rock, o heavy metal é um estilo de vida que une pais e filhos

O primeiro disco do Black Sabbath foi lançado em 13 de fevereiro de 1970. Uma sexta-feira. A data não poderia ser mais simbólica, tanto para a banda inglesa, que a partir de então se tornaria uma das mais populares do planeta, como, principalmente, para o mundo do rock (em particular, para o do rock pesado). Não que o vocalista Ozzy Osbourne, o guitarrista Tony Iommi, o baixista Geezer Butler e o baterista Bill Ward soubessem disso na época, mas com o disco estavam dando o pontapé inicial para uma revolução chamada metal ; termo usado para designar não apenas o nascente heavy metal, mas tudo o que surgiu dele nos anos seguintes. Mais do que uma nova música, mais pesada do que tudo feito no rock até então, o heavy metal (termo popularizado pelo jornalista americano Lester Bangs na década de 1970) representou também uma nova postura, um novo visual, um novo paradigma dentro do universo do rock. A prova da perenidade do metal é fácil de perceber. Quarenta anos depois de Black Sabbath, o álbum homônimo do quarteto britânico, os fiéis headbangers (;batedores de cabeça; ; metaleiro é um termo considerado pejorativo por muitos) estão por todos os cantos do globo ; facilmente reconhecidos com seus cabelos compridos e roupas pretas. E por mais que, para os leigos, o metal se resuma a músicas barulhentas tocadas por músicos assustadores, as quatro décadas do gênero mostram que esse pensamento é reducionista e preconceituoso. O jornalista suíço Ian Christe sabe muito bem disso e conta a trajetória do metal no livro Heavy metal ; A história completa, recém-editado no Brasil pela ARX. O autor destrincha toda a saga iniciada pelo Black Sabbath, passando pela New Wave of British Heavy Metal (NWOBHM), o surgimento do thrash, do death, do black e das outras vertentes do metal. O livro é recheado com entrevistas com os principais protagonistas do movimento e detalhes curiosos. Por isso e pela falta de outras publicações dedicadas ao tema no Brasil, o título é recomendado para todos os interessados no assunto. Pena, no entanto, que a edição brasileira sofra com muitos descuidos. A começar pela capa, bem pouco heavy metal. Mas o problema principal é a tradução dura (por vezes, o texto parece traduzido com um tradutor de internet), que deixa a leitura pouco confortável. Também pesa contra o trabalho de Christe o exagero no uso de adjetivos e uma aparente indiferença (seria preconceito? Ignorância?) com outros estilos do rock, tão importantes para o metal quanto as próprias bandas que ele julga clássicas. O pior de tudo é que foi esquecido algo primordial: contar as raízes do metal. Ele até cita algumas bandas pioneiras no som pesado, mas dedica pouco tempo para explicar seu DNA. Em família Para Welbert Rabelo, 39 anos, produtor do bloco Metal Attack, do programa de rádio Cult 22, a fidelidade dos fãs do metal se deve ao preconceito que o estilo sempre sofreu. ;É uma fidelidade que não se vê com outros tipos de som. E por ser uma minoria, essas pessoas acabam se unindo;, avalia. ;Definitivamente, não é um gênero que vá acabar;, afirma Fábio Cota, 36 anos, o Marreco ; guitarrista de várias bandas da cidade e organizador do Marreco;s Fest, o maior e principal evento de metal do Centro-Oeste (e cuja 9; edição foi realizada no último fim de semana). Para ele, o fato de o metal não estar em evidência na mídia faz com que os interessados se dediquem a ele com mais afinco, tenham vontade de garimpar informações, discos, novidades. ;Na verdade, isso acontece com qualquer cena. As pessoas vão atrás, trocam figurinhas. Quem gosta de algum estilo musical específico acaba se juntando no mesmo time, na mesma tribo;, continua. Para Marreco, quem se liga no metal por conta da música e não por algum interesse passageiro leva isso para a vida. ;Quem gosta por causa do som não se cansa nunca.; Nildo Porfírio, 44 anos, acompanha o movimento em Brasília há 30 anos. Na época, o ponto de encontro dos metaleiros da capital era o Cine Centro São Francisco, na 102/103 Sul. Hoje em dia, o vocalista e baixista da veterana banda de death metal Embalmed Souls dedica seu tempo aos ensaios com o grupo ; que completa duas décadas neste ano ; e a frequentar alguns shows. ;Eu gosto de prestigiar as bandas de Brasília, sem observar o que as pessoas fazem ou deixam de fazer;, conta o músico. De Brasília, Nildo destaca as bandas Dark Avenger, Death Slam, Valhalla e Nauseous Surgery. ;A amizade entre essas bandas é que torna o metal forte;, constata. O bancário Fernando Pedro de Sousa, 40 anos, fã das bandas Kabula, Khallice, Violator e Parafernália, entre outras, acha que o fato de o metal seguir uma onda contrária a modismos é que o mantém vivo e com fiéis seguidores. ;O metal tem seu público e esse público não se deixa levar por isso (modismos). Talvez isso faça com que não perca suas características.; Quanto à mistura de headbangers vista em shows ; pais e filhos, por exemplo ;, ele credita justamente à fidelidade dos seguidores. ;Levei meu filho de 12 anos, Pedro Gabriel, ao show do Iron Maiden e ele achou o máximo, começou a ouvir os discos. Então, é fato que as pessoas têm que conhecer para gostar.; ;Foi muito massa, só os caras no palco tocando heavy metal, sem nenhum enfeite;, conta o garoto, entusiasmado. Apesar da pouca idade, ele avisa: ;Foi o melhor show da minha vida!”. A relação de Pedro com o Iron Maiden começou quando o pai, Fernando, pôs o som da banda britânica para tocar no carro. Por isso, o menino ; que vai a festivais como o Porão do Rock e também é fã da Pitty ; conhecia praticamente todo o repertório daquela noite. De amigo para amigo, de pai para filho. O metal envelhece, mas não enferruja.
Confira o vídeo Brasília Magical Jorney, feito em homenagem aos 50 anos da capital e com a participação de 35 integrantes de bandas de metal da cidade
SERVIÇO Arx Saraiva/Reprodução HEAVY METAL ; A HISTÓRIA COMPLETA De Ian Christe. Editora ARX, 496 páginas. R$ 49,90.