Primeiro foi a canção, depois o musical, e por último o filme. Léo o Bia transformou-se numa espécie de talismã na obra de Oswaldo Montenegro. Mesmo afirmando que o longa-metragem, acolhido com entusiasmo pelo público e crítica ao ser exibido recentemente no Cine PE (festival de cinema de Recife), é autobiográfico, o agora cineasta usou como título o nome do seu primeiro sucesso ; inspirado na história de um casal de amigos, que conheceu em Brasília na adolescência.
Ainda sem data marcada para estrear no circuito comercial, o filme, classificado entre os 70 inscritos na mostra pernambucana, é adaptação da peça, vista por mais de 500 mil pessoas. Montenegro o dedicou à sua eterna musa, a flautista Madalena Salles, companheira da longa jornada, que teve início nos palcos nos palcos candangos, na segunda metade da década de 1970.
O sucesso do musical foi determinante para o menestrel pensar em levar Léo e Bia às telonas. ;É um filme com espírito de teatro, um Dogville brasileiro;, elogiou a cinéfila Jane Andrade, estabelecendo comparação com a fita do dinamarquês Lars von Trier. A ideia inicial era fazer as locações na capital, mas filmagens acabaram sendo realizadas num estúdio no Bairro de Santa Teresa, no Rio de Janeiro, no qual Montenegro criou as suas estética e linguagem cinematográfica, ao produzir cenários, lugares e sensações, sem a utilização de utensílios.
No Cine PE, Paloma Duarte (que faz Marina, uma das protagonistas) conquistou a premiação de melhor atriz. Léo e Bia são vividos pelos jovens Emílio Dantas e Fernanda Nobre. Outro prêmio foi atribuído à trilha sonora, com músicas de Montenegro, interpretadas por cantores como Ney Matogrosso, Zé Ramalho, Zélia Duncan e Sandra de Sá.
A história narrada no filme ocorre no ano de 1973, em plena ditadura militar, e retrata o sentimento da época, sob o olhar de um grupo de sete jovens amigos que, com paixão, sob a liderança de Léo (na vida real Oswaldo Montenegro, filho de militar ligado ao regime), fazia da arte uma ferramenta de contestação. Vivia-se um momento marcado pelo fim da utopia hippie e no ar pairava a ideia ;o sonho acabou;.
;Posicionada não só diante da sociedade, como também diante de seus monstros e medos pessoais, essa arte era reveladora para o grupo, à medida que eles representavam no palco suas próprias vidas;, explica o diretor. ;Esses jovens a que assistimos no filme, e que existiram na vida real, representavam aqueles que acreditavam no sonho, e acreditavam que, agindo coletivamente, era possível modificar o mundo;, acrescenta. Ainda de acordo com Montenegro, Léo e Bia é uma homenagem à amizade e à luta de sete adolescentes para viver seus sonhos ;além de apesar de tudo;.
Essa turma ; Madalena Sales, José Alexandre e Mongol, entre outos ;, que fazia teatro engajado, discutia filosofia, conversava sobre política e tomava porres homéricos estava reunida no musical João sem nome, o primeiro dos 18 escritos pelo autor, em seus 35 anos de carreira. Dirigida por Hugo Rodas, a peça de temática nordestina falava da ânsia de quem queria ir embora para a cidade grande e da ilusão que existe nisso.
A música
LÉO E BIA
(Oswaldo Montenegro)
No centro de um planalto vazio
Como se fosse em qualquer lugar
Como se a vida fosse um perigo
Como se houvesse faca no ar
Como se fosse urgente e preciso
Como é preciso desabafar
Qualquer maneira de amar valia
E Léo e Bia souberam amar
Como se não fosse tão longe
Brasília de Belém do Pará
Como castelos nascem dos sonhos
Pra no real achar seu lugar
Como se faz com todo cuidado
A pipa que precisa voar
Cuidar de amor exige mestria
E Léo e Bia souberam amar
Seis perguntas - Oswaldo Montenegro
Costumo falar que Léo e Bia são primos-irmãos de Eduardo e Mônica, que viveram no imaginário de Renato Russo. Faz sentido?
Faz total sentido. A cidade de Brasília abriga sentimentos comuns numa arquitetura estranha. Cabe a nós, compositores, personalizar essa visão, achar no espaço entre o concreto, a vida humana, dentro da sua ótica mais simples.
Tomando Léo e Bia como referência, onde música, teatro e cinema se entrelaçam em seu processo criativo?
Hoje em dia as artes se entrelaçam para todo mundo. Nada mais é impermeável. É como se houvesse, na era da globalização, uma volta à ideia renascentista, em que tudo tem a ver com tudo. Sete notas musicais, sete cores, doze semitons, doze cores intermediárias e assim por diante.
O filme foi visto pela crítica como uma forma nova de fazer cinema. Você se imagina um inovador nessa área?
Fiquei muito feliz com essa visão elogiosa da crítica. Léo e Bia tem uma maneira própria de contar a história. Os prêmios e esse tipo de elogio não me cabem analisar e sim comemorar.
Como foi para você, um cineasta estreante, ter acolhida calorosa do público ; que assistiu ao filme no festival de Recife ; e receber críticas elogiosas?
Foi um susto bom, por ser um filme realizado sem nenhum objeto, numa única locação. Não tinha nenhum a ideia de como seria recebido.
Quando você começou a elaborar o roteiro de Léo e Bia, me parece que a ideia inicial era ter Brasília como cenário. Por que descartou essa possibilidade?
A visão externa de Brasília, sua arquitetura, todo mundo já conhece. Botei a câmera por dentro dela e de seus habitantes.
Em seus musicais, você sempre teve cantores/atores/dançarinos brasilienses no elenco. Em Léo e Bia (o filme) há candangos no elenco?
Sim. Françoise Furton era minha amiga de adolescência, estudamos juntos no pré-vestibular. Cantando comigo na trilha, tivemos Zélia Duncan e Ney Matogrosso, que vieram de Brasília. E tocando, Madalena Salles, que também veio do cerrado.