Jornal Correio Braziliense

Diversão e Arte

Leia trecho de Eu, aos pedaços - Memórias, livro de Carlos Heitor Cony

Emquete Volta e meia somos chamados a dar entrevistas e a responder a enquetes. Há uma falta de assunto generalizada na praça, e, além do assunto, falta importância. Para tapar as duas faltas, qualquer cretino serve para responder ou perguntar qualquer cosia. E assim é que, há tempos, uma revista de nome Chuvisco pretendeu que eu respondesse a uma proustiana. Proustiana é uma bolação do próprio e anda muito em voga entre aqueles que nunca leram Prsout. Resume-se a uma série de perguntas razoavelmente estúpidas e indignas de terem saído da cabeça ilustre que nos deu Swann. Escombros de junho Essas músicas juninas doem aqui dentro, fundo e irreparavelmente. Já expurguei minha modesta discoteca dos discos antigos, mas evitar quem há de? A gente passa pelas ruas e há sempre a vitrola berrando as canções de outros tempos e outras saudades. Cai, cai, balão, Não deixa o vento te levar%u2026 A música é triste, feita pelo homem triste que acabou se matando, o Assis Valente, autor daquela canção de Natal que também é a coisa mais triste dos natais. Mas deixemos o Natal, que longe está, e enfrentemos com mão crispada este junho sem balões e sem fogueiras, este junho de apartamento e compromissos. Mágica besta O mundo era meio esquisito: não se podia chupar manga após ter bebido leite. Tomar chocolate quente era um ritual, precisava-se beber três goles d?água, antes ou após. Quando a tarde morria e as luzes se acendiam, todos se cumprimentavam com um boa-noite, e aí tomava-se bênção aos pais e os pais abençoavam os filhos. O vento encantado era o hálito do Demônio. Dizia-se que Napoleão nunca temera inimigo algum, mas borrava-se de medo quando recebia um vento encantado. No fundo, tudo isso era um pouco mágico. Durante um simples dia acontecia uma porção de coisas inexplicáveis. Por volta de meio-dia, em nossa rua sempre vinha uma leprosa pedir esmola, diziam que ela não existia, era uma miragem que tentava a caridade de todos. Todos a temiam e pingavam em sua sacola o tostão que exorcizava a sua doença e aliviava a sua pobreza.