Regina Bandeira
Especial para o Correio
A beleza e a técnica do legendário balé russo ganharam um toque ainda mais nobre em Brasília. Um grupo de jovens talentos de baixa renda tem acesso ao ensino da melhor escola do mundo graças ao projeto de inclusão social do Instituto Cultural Ballet Brazil. ;Estamos bebendo da fonte. É um sonho não precisarmos ir para Moscou ou Paris para termos acesso a todo esse aprendizado;, ressalta a bailarina Flávia Tavares, 37 anos, diretora do instituto.
A ONG existe há 8 anos, mas pouca gente sabe que a instituição contrata bailarinos russos para ensinar a mais rigorosa técnica de dança clássica a gente de classes sociais diferentes, adultos e crianças. ;Descobrimos e incentivamos talentos. Aqui não fazemos distinção. Quem pode, paga o curso. Mas pessoas sem condições, desde que aprovadas em nossos testes, são muito bem aceitas;, afirma Maria do Carmo Schobbenhauss, uma das três gestoras do instituto. Ela conta que cinco ex-bolsistas já dançam profissionalmente em companhias europeias.
Foi atrás do sonho de ser bailarina que Lorrane Souza Coimbra, 8 anos, conseguiu uma bolsa de estudos na escola de balé. Como quase todas as meninas, Lorrane queria dançar sobre as sapatilhas. A mãe, Maria Lúcia de Souza, bem que tentou realizar o desejo da filha, mas as instituições disponíveis eram caras demais para a copeira, moradora do Recanto das Emas. Aprovada no teste do Instituto Cultural Ballet Brazil, no ano passado, Lorrane agora projeta até uma carreira internacional. A mãe já se dá por satisfeita com os resultados atuais. ;Ela está menos rebelde, mais responsável e mais feliz;, confessa Maria Lúcia.
Atualmente, a ONG oferece bolsas integral ou parcial a 65 dos cerda de 100 alunos. Mais do que reconhecimento internacional, Maria do Carmo cita o amadurecimento como o melhor presente que sua escola pode oferecer aos alunos. ;Na convivência, eles melhoram. Os pagantes perdem o ar de orgulho, os bolsistas, a excessiva humildade;, analisa.
As professoras estrangeiras não fazem concessões para os bolsistas. São exigentes e apontam a disciplina como o quesito mais difícil para o aluno. ;No Brasil, as crianças podem tudo;, reclama Olga Dolganova, uma das mais admiradas e temidas mestras. A experiente bailarina admite, no entanto, estar satisfeita com os resultados no país. ;É gratificante ver o efeito desse trabalho. Sei que o rigor que impomos a esses jovens terá efeitos por toda a vida. Fazer certo, todo dia. Esse é o maior desafio; o nosso padrão;, conclui.
Xô, preconceito!
Dividindo com os bailarinos profissionais o mesmo palco, o bolsista Carlos Eduardo de Souza, 25 anos, também pretende brilhar. Fã de Led Zeppelin, Deep Purple e Black Sabbath, o jovem morador de Santa Maria quase abandonou a arte por medo da discriminação. ;Muitas vezes me incomodou achar que as pessoas não enxergam o balé como uma dança masculina;, admite. Superado o preconceito, munido de sapatilha, collant e disciplina, Carlos tem hoje a rara sorte de aprender, em pleno Planalto Central, a técnica russa.
[SAIBAMAIS]
Tiago José dias Afonso, 15 anos, morador do Guará II, só faz balé por conta da instituição. Os pais não queriam por preconceito e não havia como ele estudar. ;Tive que parar. Retomei graças àbolsa;. No próximo fim de semana, ele vai subir ao palco da Sala Villa-Lobos do Teatro Nacional Claudio Santoro, para dançar Coppelia(1). ;Sonho ter a plateia aos meus pés;, conta Tiago, que contracena com os bailarinos russos bailarinos Tatiana Predeina e Alexey Safronov. ;Será uma rara oportunidade de assistirmos um espetáculo internacional efetivamente apresentado neste padrão. Esses bailarinos russos estão entre os melhores do mundo, fazendo carreiras brilhantes lá fora;, destaca Nadejda Alexandrova, ex-solista do Teatro Tchaikovsky.
Mistura boa
A história do casal que briga por ciúme de uma bela boneca será encenada por todos os alunos da escola ; bolsistas e pagantes ; e pelos bailarinos russos convidados especialmente para a montagem.
COPPELIA
Sexta e sábado, às 20h, na Sala Villa Lobos do Teatro Nacional Claudio Santoro. Ingressos: R$ 80 e R$ 40 (meia). Classificação indicativa livre.
COMO CONSEGUIR UMA BOLSA
; Para ter acesso à bolsa de estudo, é preciso que o aluno tenha de 7 a 20 anos e comprove renda não condizente com a mensalidade. Uma avaliação física, que consiste em uma aula normal, avaliará as reais condições físicas do aluno. Serão analisados os pés, os joelhos e a coluna do futuro bolsista. Os pré-selecionados também passam por uma entrevista a fim de se verificar a sensibilidade e o interesse do candidato para com a dança. Passado no teste, o aluno deve assinar um contrato se comprometendo a não desistir do curso. O curso profissionalizante tem duração de 9 anos. Informações: 3346-4233 ou 8417-0318. Há ainda o site http://www.balletbrazil.org.br. O Instituto Cultural Ballet Brazil fica na L2 Sul, Qd. 616, Lt. 114.
Para saber mais
Da Itália para o mundo
O balé surgiu na Itália no fim do século 15, mas foi se tornar referência após ser levado para França pela italiana Catarina de Médicis para a cerimônia de seu casamento com Henrique II. Entusiasmada pelo estilo, ela criou o Ballet Cômico da Rainha, onde cada apresentação durava cerca de cinco horas.
Na Rússia dos czares, o balé foi bem patrocinado e se tornou referência naquela arte. As companhias do balé Imperial em diversas cidades russas, como Moscou e São Petersburgo, ganharam fama e levaram da França os mais experientes bailarinos e coreógrafos.
O primeiro espetáculo de balé clássico no Brasil foi montado em 1813, no Rio de Janeiro. No entanto, somente um século depois, a dança clássica se consolidou com a vinda de profissionais de companhias russas para o país. Dentre os talentos brasileiros que se destacaram no ballet estão Dalal Achcar, Márcia Haydée, Tatiana Leskova e Ana Botafogo.