Jornal Correio Braziliense

Diversão e Arte

No embalo da Copa do Mundo, editoras lançam uma seleção de livros sobre futebol

O botafoguense Marconi Scarinci, boleiro desde criancinha, confessa sem fazer firula: ;Eu me tornei um bom leitor por causa do futebol;. E não há por que duvidar dele. O produtor cultural de 49 anos divide-se entre duas paixões: os campos e os livros esportivos. Dois encontros arrebatadores. Tanto que, hoje, Marconi mantém um acervo de 200 obras sobre o tema. Em época de Copa do Mundo, o colecionador desbrava as livrarias à procura de novidades. ;Desde os anos 1990, aumentou o número de publicações do gênero. Mas nem todas são interessantes. Tem muita recauchutagem;, alerta.

Apesar dos percalços, é uma colheita proveitosa. ;O futebol reflete muito os momentos do país em que vivemos, e os livros nos ajudam a entender isso. Os jogadores têm a ginga, são geniais. Já os dirigentes nem sempre correspondem às expectativas;, compara. Nas livrarias e megastores da cidade, o Mundial é pretexto para uma onda futebolística. São guias para a Copa da África, obras de ficção, ensaios fotográficos, textos acadêmicos e rankings sobre craques da Seleção. Mas, para o torcedor, nem tudo é motivo de entusiasmo: acompanhar os principais lançamentos exige investimento alto e muito tempo livre entre os jogos.

Para simplificar as estratégias dos boleiros, as editoras miram plateias diferentes. Com capas coloridíssimas e texto leve, a série Gol de letras, da Rocco, dialoga com a garotada. Marconi recomenda a edição de luxo de Craques do futebol (de Bernard Morlino), publicada pela Larousse, com fotografias que atiçam qualquer expert no assunto. ;O torcedor raramente sabe a história do time, ou dos jogadores. E são histórias maravilhosas;, observa o produtor, que, formado em filosofia, pretende destinar os livros do acervo particular a um museu de futebol ou ao Botafogo.

Nessa escalação literária, nem todos são craques. O Correio selecionou títulos que vão além dos esquemas táticos mais corriqueiros (veja quadro abaixo). É o caso de Recados da bola (Cosac Naify), uma grande aula sobre a história do futebol canarinho ; conduzida por 12 mestres dos campos e proferida em linguagem coloquial, sem firulas. E do divertido A Copa que interessa (Dublinense), que vê o torneio pelas lentes de quem não se entusiasma muito com o assunto.

Primeiro, os experts. Recados da bola, organizada pelo jornalista carioca Jorge Vasconcellos, rende um debate de bambas. A conversa tem origem no futebol, mas não se contenta com a movimentação nos gramados. Os ídolos também comentam sobre política, costumes, bastidores e as diferenças entre o futebol de hoje e o de ontem. ;São jogadores que lutaram muito, que tiveram de refletir muito a respeito da arte de jogar bola. E, muito importante, tinham o interesse e o olhar aberto para o que o estrangeiro tinha de melhor;, observa o jornalista, que torce para o Flamengo.

Na liga do humor, A Copa que interessa é o mais indicado a quem não leva o campeonato muito a sério. Melhor dizendo: aos bravos torcedores de ocasião que, mesmo entediados com os dribles, querem ter assunto para a conversa de bar. O autor, o gremista Eduardo Menezes, admite que acompanha o esporte ;meio por cima;. Mas a falta de intimidade não impediu o publicitário de criar um guia inusitado sobre o lado mais curioso (e pouco atlético) da Copa.

As curiosidades sobre cada país participante do torneio são narradas com graça e alguma ironia. No capítulo sobre o Brasil, o autor reclama da mania da torcida de inventar desculpas furadas para as derrotas. ;É claro que é possível aprender muito com a Copa;, afirma Eduardo, a sério. ;A forma como as seleções jogam, as manias de cada time; Tudo isso é um reflexo de cultura dos países;, afirma. Em outros casos, a diversão começa após os 45 do segundo tempo. ;Copa não é só estatística;, avisa. Um passeio nas livrarias da cidade mostra que Eduardo está cheio da razão: Copa é tudo, inclusive futebol.

; TRECHO DO LIVRO A COPA QUE INTERESSA, DE EDUARDO MENEZES

BRASIL

"Em 2006, perdemos para a França, em um jogo no qual nosso time não produziu nada. Culpamos a fase de preparação e o pouco controle que a comissão técnica tinha sobre a rotina dos jogadores, deixando que eles fossem para a balada em ritmo alucinado, como se estivessem no carnaval de Salvador, e não na véspera de uma Copa do Mundo em uma localidade encravada nos Alpes suíços. O excesso de festas impediu a festa dentro de campo, e saímos fora logo nas quartas-de-final.

Essa história nos mostra que somos tão bons para achar desculpas ou culpados pelos nossos fracassos quanto somos habilidosos com a bola nos pés. Pode ser um juiz, o comportamento de uma atleta, podem ser os comunistas, goleiros peruanos ou vilões argentinos, sempre haverá uma explicação, por mais fantasiosa que ela seja.

Está mais do que na hora de parar de arrumar bodes expiatórios e aceitar que muitas vezes os adversários são melhores e que merecem a vitória. Pode não ser da nossa natureza, mas é da natureza do futebol."

TRECHO DO LIVRO RECADOS DA BOLA, ORGANIZADO POR JORGE VASCONCELLOS


"Aquela derrota na final contra o Uruguai, em 50, foi muito triste. Nós, jogadores brasileiros, entusiasmados, não soubemos ganhar a partida. Mas não jogamos mal. Nossa Seleção era boa, tinha condições de ser campeã. Infelizmente, enfrentamos um adversário perigoso, que até hoje nos complica. O uruguaios têm um futebol idêntico ao nosso, mas na hora da decisão, eles criam vontade, mais coragem, mais; às vezes, nem sei explicar", Ademir Menezes

; ENTREVISTA // JORGE VASCONCELLOS, organizador do livro Recados da bola

O livro é formado por 12 conversas com mestres do futebol. Qual foi o critério usado para selecionar os trechos dos bate-papos?

A seleção dos trechos dos depoimentos que estão no livro foi feita gradativamente, com inúmeras "penteadas" nas transcrições das falas. O formato final foi, portanto, ganhando corpo aos poucos, sendo descartadas gorduras e redundâncias. Um dos vários trabalhos primorosos da editora Cosac Naify foi o que seus profissionais fizeram nos textos, mantendo a oralidade original dos entrevistados, sem abir mão de desenvolvê-los claros e fluentes, como se espera de uma obra impressa.

Muitos dos jogadores que estão no livro falam pela primeira vez sobre uma série de assuntos relacionados à carreira e ao futebol brasileiro? Foi difícil conduzir essas conversas?


As entrevistas foram realizadas, todas elas, sem exceção, de modo extremamente agradável, sem vestígios, pelo menos para mim, de atitudes defensivas ou de qualquer outra natureza. Isso não quer dizer que cada entrevistado tenha preterido de suas características pessoais, emocionais etc. Jair Rosa Pinto, por exemplo, exalava o tempo todo sua forte personalidade. Mais "suaves", mas nem por isso menos marcantes, foram Zito, Djalma Santos, Didi, Sócrates, Nilton Santos. Sem medo de errar, diria que todos os doze entrevistados falaram muito à vontade, sem rodeios, meticulosamente.

Um dos temas que aparecem nas conversas é a comparação entre a "era de ouro" do futebol brasileiro e os dias de hoje. Quais são, na sua opinião, as lições que os craques deixam para as novas gerações?


O Brasil é uma potência do futebol, muito provavelmente a maior do planeta. Esse status começou a ser construído, claramente, a partir da década de 50 do século passado. Mas o desejo de alcançar o Olimpo do futebol vinha já desde a década de 30, mais especificamente, creio, a partir da segunda metade dos anos 30.

Para o olhar atento, o que se tem em "Recados da Bola" é a construção, a pesquisa, o foco permanente desses grandes jogadores mirando a excelência nos gramados de todo o mundo. Eles lutaram muito, tiveram de refletir muito a respeito da arte de jogar bola. E, muito importante, tinham o interesse e o olhar aberto para o que o estrangeiro tinha de melhor. Diante de vários países, o Brasil, no ambiente do futebol, em boa parte da primeira metade do século anterior, encontrava-se em um patamar inferior, às vezes, muito inferior.

Esses jogadores foram e são grandes homens e grandes expoentes do futebol de todas as épocas, em todo o mundo. Perderam grandes batalhas, como as Copas de 50 e 82, nas quais nossas seleções eram consideradas francas favoritas. Mas venceram outras cinco. Os "recados" estão todos em seus depoimentos, e são inúmeros: liderança, inteligência, sagacidade, respeito, personalidade e, como não poderia deixar de ser, excelência indiscutível com a bola nos pés (ou nas mãos, caso de Barbosa).

O que a Seleção que está na África do Sul tem a aprender com os mestres?

Que é ela, constituída de onze jogadores, além dos reservas, claro, que defende em campo a tradição que o futebol brasileiro criou e aperfeiçoou, ou seja, de vitórias e jogadas maravilhosas. É ela, com seus guerreiros e versáteis esgrimistas da camisa amarela, que tem a responsabilidade de levar a campo o que os mestres retratados no livro legaram a ela. Essa seleção, e qualquer outra em qualquer época, jamais deve esquecer que é ela que entra em campo, é ela que ganha, empata ou perde, que a protagonista do espetáculo é ela. Jogadores de seleção brasileira, e mesmo em seus clubes de origem, não devem abrir mão desse valor, dessa condição, dessa responsabilidade.