A arte na;f é feita de um conjunto de ingredientes que exclui qualquer intenção formal. Normalmente bastante colorida, esse tipo de pintura pode ser reconhecida a distância e, muitas vezes, segue padrões repetidos à exaustão. Mas há variedade aí dentro e é nela que o curador e colecionador Augusto Lutgards aposta ao reunir 45 obras de 33 artistas na;fs brasileiros na exposição Cores da terra, em cartaz na Galeria de Arte da Casa Thomas Jefferson.
Lutgards buscou no próprio acervo as pinturas destinadas à mostra, que tem intenção de fazer um pequeno panorama da produção brasileira recente. Entre nomes consagrados da arte na;f, como o de José Antônio da Silva e Waldomiro de Deus, o curador incluiu também novos pintores, revelações que pouco a pouco ganham destaque em grandes mostras e na Bienal de Arte Na;f de Piracicaba (SP), maior evento dedicado ao gênero no país.
Na Thomas, Lutgards mostra o trabalho de Carmézia Emiliano, uma índia macuxi de Roraima premiada duas vezes na bienal do interior de São Paulo. ;Tem artistas mais conhecidos que represento, como Clóvis Júnior, mas também estou trazendo alguns artistas novos e muito talentosos;, avisa o curador, também marchand e galerista, que aposta em talentos como o de Antônio Eustáquio, pintor de paredes nascido em Minas Gerais e hoje radicado no Espírito Santo.
Entre os destaques de Cores da terra está a série de 10 xilogravuras Pequena Bíblia, de Raimundo de Oliveira. A obra ficou conhecida depois da morte do autor, poucas horas após entregar as matrizes para serem impressas. Oliveira nunca assinou as xilos, que foram editadas pela Galeria Bonino e Petite Galerie e ganharam prefácio de Jorge Amado.
O mundo da arte na;f é tão vasto quanto desconhecido. Ignorado pela academia e frequentemente associado ao artesanato, esse estilo consiste em obras realizadas por artistas amadores, sem formação profissional. As preocupações formais não fazem parte da lista de inquietações desses artistas. ;A expressão arte na;f era a atribuída a pessoas que não tinham formação acadêmica e desconheciam perspectiva, pessoas que faziam pintura feita com cores reais. Mas hoje tem também artistas que abriram mão dessa condição (acadêmica) para fazer arte na;f;, diz Lutgards, que não acredita na descaracterização do gênero quando ele se torna uma opção.
No entanto, alguns críticos fecham o cerco e somente aceitam como na;f ; ingênuo ou espontâneo ; artistas cujas raízes passam longe da academia ou do mundo da cultura erudita. Olívio Tavares de Araújo, autor de textos sobre Antônio Poteiro, é mais radical. ;Já conheci muito comissário de avião que se dizia pintor na;f;, diz.
Pintores na;fs também costumam ter certas fórmulas de composição, figuras que se repetem estrategicamente, narrativas construídas segundo um padrão e temas recorrentes. São truques que acabam por se tornar maneiristas, mas não desvalorizam a obra. ;Há grandes pintores maneiristas que hoje têm ala no Museu do Louvre. Mas se a pessoa domina a fórmula apenas para ganhar dinheiro, logo ela sai do mercado;, diz Lurgards. Para avaliar a qualidade de uma pintura na;f, o curador aconselha observar a unidade da obra do pintor. Se o olho do público encontrar ali uma linguagem, um estilo, então pode confiar na autenticidade da obra.
CORES DA TERRA ; UM OLHAR SOBRE A ARTE NA;F BRASILEIRA
Exposição de 33 artistas. Curadoria: Augusto Lutgards. Abertura hoje, às 19h, na Galeria de Arte da Casa Thomas Jefferson (SEP Sul EQ 706/906 Conj B). Visitação até 26 de junho, de segunda a sexta, das 9h às 21h, e sábado, das 9h às 12h. Hoje, na abertura, haverá show de viola caipira com Marcos Mesquita.