Jornal Correio Braziliense

Diversão e Arte

Figurinistas da cidade reclamam da falta de cursos e defendem mais profissionalismo no mercado local

;Os figurinos são pontes entre o ator e o olhar do espectador. São linhas, formas, cores e significados que têm a função de ligar ator à plateia, dando pistas sobre aquele que o veste, manifestando até mesmo, externamente, formas internas de um personagem;. Descreve o especialista Fausto Viana a respeito desse elemento que compreende o processo cênico no site www.revistapesquisa.fapesp.br. Essa definição ilustra a participação desse ;ator; criado pelas mãos dos figurinistas, cujo trabalho consiste não apenas em fazer uma peça de roupa ou vestimenta. O papel do figurinista em um determinado espetáculo é saber interpretar e transmitir visualmente, por meio de trajes, o que os atores vão portar, pois o figurino possui uma carga, um depoimento, uma lista de mensagens implícitas visíveis e subliminares sobre todo o panorama de uma peça teatral.

Em Brasília, existem integrantes de um grupo fantástico de figurinistas escondido atrás das coxias dos teatros que são responsáveis por esse trabalho. O Correio conversou com essa turma na Casa d; Itália, ou melhor, com esses resolvedores de problemas, como são conhecidos nos bastidores. Durante o papo, além de falarem sobre o amor ao trabalho, foram bem enfáticos apontando alguns problemas enfrentados no dia a dia da profissão. As primeiras a puxarem a fila foram Sônia Paiva (1) e Maria Carmen que chamam atenção ao fato de a cidade não oferecer cursos que capacitem tais profissionais.

;A única escapatória dos alunos é recorrer às cadeiras oferecidas nos cursos de moda, que é outro segmento, e nos cursos de artes cênicas oferecidos por duas faculdades;, ressalta Carmen (2). Sônia observa que a formação de um figurinista beira o amadorismo. ;Eu sempre esbarro na seguinte questão: as pessoas chegam em mim sem a mínima noção de valores dos materiais a serem gastos, elas fazem um orçamento, por exemplo, de R$ 1 mil e querendo um milhão de coisas, eu logo digo, milagres eu ainda não faço;, brinca ela.

Guto Viscardi reforça o argumento das colegas: ;Atualmente, fora do circuito universitário, a Casa d;Itália e o espaço Mosaico são os únicos lugares que oferecem curso livres na cidade. Marcus Barozzi (3) diz que essa falha deve ser preenchidas de outras maneiras. ;Acredito que um bom começo são os cursos voltados para moda, em que se pode estudar aulas de corte e costura e tecnologia têxtil, além dos cursos de teatro para entender esse universo. Infelizmente, não temos curso de formação específica, por isso devemos ter o discernimento para beber em outras fontes sem medo;, pondera.

Cada profissional possui particularidades no momento de compor os trabalhos, mas eles são unânimes ao afirmar que a percepção ; a mesma usada pelos atores na hora de ler o texto ; é o norte que servirá para guiá-los na hora de criar seus ;personagens;. ;Meu processo de criação é profundamente imagético, uma palavra do texto, uma ação do ator, algo que a encenação propõe na primeira frase, me fazem criar imagens mentais que me levam a iniciar a minha pesquisa;, revela Guto (4).

Já Sônia utiliza um método aprendido quando começou a carreira na TV Globo e que utiliza com os alunos na Universidade de Brasília (UnB). ;Crio um caderno onde faço todas as observações, das conversas estabelecidas com o diretor e atores, fotografias dos ensaios, desenhos das roupas, pedaços de tecidos; Até as datas que as roupas foram para as provas e os ajustes feitos entram no diário. ;Nada escapa do meu caderninho;, destaca.

O processo de criação da figurinista Cyntia Carla (5) nasce a partir das propostas e necessidades dos diretores. A inspiração para a realização do trabalho surge também por meio das pesquisas feitas nas lojas de tecidos, de R$ 1,99 e até em ferro velho. Marcus Barozzi reforça que a criação de seus trajes para o teatro são realizados com o diálogo estabelecido com os diretores e atores. O figurinista também cita a obra (texto) como outra ferramenta que o auxilia durante o processo de criação. ;Misturo tudo e tento expressar a vontade de toda a equipe;, resume.

Maria Carmen parte do mesmo caminho que Barozzi, porém não abre mão da criação coletiva e complementa que gosta de acompanhar os ensaios para ver a movimentação dos atores. ;A roupa tem de vestir o personagem interpretado pelo ator, e não o contrário, e para que isso aconteça eu preciso ser levada pelo texto, permitir o sonho e também conhecer o sonho do ator;, complementa.

Segundo Cyntia Carla, o mercado de trabalho na cidade a cada ano está melhorando, mas ressalta que não é um tipo de emprego encontrado no jornais. ;Quem quiser entrar na profissão eu sugiro arregaçar as mangas e procurar cursos e conhecer as pessoas ligadas ao setor;, aconselha. Além do circuito de artes cênicas e dança, o cinema, a publicidade e o ramo de eventos alavacam o mercado brasiliense.

1 - Professora
Os primeiros trabalhos de Sônia Paiva aconteceram na TV Globo, em 1982, onde trabalhou nas minisséries Moinhos de ventos (1983), Anarquistas, graças a Deus(1984) Grande sertão veredas (1985), entre outros trabalhos. Atualmente, leciona a disciplina de indumentária no curso de artes cênicas, na Universidade de Brasília (UnB).

2 - Premiada
Primeiramente, Maria Carmen atuou como cenógrafa, mas o novo amor (figurino) surgiu quando foi trabalhar com o grupo Teatro Jovem, em 1970. O amor foi tão forte que Maria Carmen coleciona dois mimos: um prêmio Moli;re e um Mambembe conquistados no ano de 1979, pelas peças O fado e a Sina de mateus e catirina, sob a direção Cecil Thiré, além de outras indicações e premiações.

3 - Shakespeare
A entrada de Marcus Barozzi na profissão aconteceu por um acidente. Uma amiga o levou para conhecer a companhia Néia e Nando. No dia, faltou um ator e Marcus foi convidado para substituí-lo e acabou ficando no grupo. O segmento de figurino o chamou atenção, logo foi assumindo a tarefa. Em 2001 estreou profissionalmente com o espetáculo Aquela peça de Shakespeare, com a direção James Fensterseifer.

4 - Parceria
Formado no curso de artes cênicas pela Universidade de Brasília, Guto Viscardi deu o pontapé inicial com a artista multimídia Sônia Paiva, trabalhando no ateliê dela. Em 2009, em parceria com o figurinista João Lopes, faturaram a mostra teatro Sesc DF com espetáculo Pela metade, sob direção James Fensterseifer.

5 - Artesanato
O trabalho com o artesanato executado pela mãe influenciou Cyntia Carla a procurar a carreira. No curso de artes cênicas na UnB, o contato com a profissão foi ganhando mais força à medida que assumia a função nas peças encenadas na universidade. O último trabalho foi o espetáculo Comédia dos erros, de William Shakespeare.

; Livros

Vestindo os Nus (de Rosane Muniz. SENAC RIO, 328 páginas)
R$ 45,00

Série de entrevistas figuras relacionados ao setor. Rosane começa pelos críticos (nesse caso, como porta-vozes do público), que vêem os figurinos já prontos, e usados pelo elenco, percebendo a intervenção positiva das roupas no espetáculo como um todo destacando Gianne Rattp e Karma Murtinho.

Entre tramas, rendas e fuxicos (de Lilian Arruda e Mariana Baltar. Globo, 400 páginas)
R$ 58,00

A obra conta com mais de 200 fotos de cena e de personagens, além de uma rica seleção de croquis, projetos originais de figurinos, pedidos de costura e imagens de materiais cedidos por profissionais que atuam ou atuaram na criação de indumentárias para a ficção.

O Figurino teatral e as renovações do século XX (de Fausto Viana. Estação das letras, 296 páginas)
R$ 67,00

Resgata o trabalho de criação de trajes cênicos de sete encenadores do século XX que de alguma maneira contribuíram para a renovação dos padrões de interpretação teatral. Os encenadores são - Adolphe Appia, Edward Gordon Craig, Konstantin Stanislavski, Max Reinhardt, Antonin Artaud, Bertolt Brecht e Ariane Mnouchkine.

A Evolução da Indumentária: subsídios para criação de figurino (de Marie Louise Nery. Senac, 304 páginas)
R$ 38,20

Marie Louise Nery apresenta os principais traços da evolução dos costumes, desde a pré-história até o fim do século XX, com informações sobre as roupas de época e sua relação com o contexto em que eram produzidas.