Jornal Correio Braziliense

Diversão e Arte

Lenda do contrabaixo, Ron Carter se apresenta hoje, dentro do projeto Alma brasileira, no CCBB

A história do contrabaixo no jazz se confunde com a história de Ron Carter, 73 anos. O músico americano não chega a ser um pioneiro, mas suas contribuições para o instrumento, além de sua extensa lista de gravações, fazem dele, ainda hoje, a principal referência viva do contrabaixo no jazz. Ron se apresenta hoje em Brasília dentro do projeto Alma brasileira, no Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB). No palco, ele será acompanhado pelo guitarrista Russell Malone e pelo pianista Mulgrew Miller. Poucos jazzistas americanos têm uma relação tão próxima com a música brasileira quanto Ron Carter. O contrabaixista já participou de discos de Tom Jobim, Hermeto Pascoal, Luís Bonfá, Eumir Deodado, Astrud Gilberto e Milton Nascimento - com quem, ele contou, em entrevista por telefone ao Correio, fez sua gravação brasileira favorita, uma das faixas do disco Angelus, de 1993 -, entre diversos outros. A cantora baiana radicada em Brasília Rosa Passos gravou com Carter o disco Entre amigos, lançado em 2003. "Eu nem sei o que dizer, foi um dos momentos mais mágicos da minha vida", lembra Rosa. "Fiquei lisonjeada quando soube que ele participaria de um disco meu. A presença dele me abriu muitas portas no mercado internacional. Aprendi muito com ele. Mais do que um grande músico, Ron é um cavalheiro, um homem extremamente elegante e reservado, de poucas palavras. Quando vou me apresentar nos Estados Unidos, ele sempre faz questão de aparecer no camarim para falar comigo", conta a cantora. Listar todas as gravações de Carter é tarefa complicada. Ele diz não saber exatamente de quantas participou. "O mais provável é algo em torno de 2 mil", afirma. Mas, pela quantidade, é fácil esbarrar com seu requisitado contrabaixo em discos de importantes nomes do jazz. Horace Silver, McCoy Tyner, George Benson, Billy Cobham, Eric Dolphy, Bill Frisell, Coleman Hawkins, Milt Jackson e Wes Montgomery são apenas alguns dos jazzistas que contaram com seu talento. Ah, e Miles Davis também. Ron Carter fez parte daquele que muitos consideram o melhor quinteto de jazz da história, o grupo de Miles entre 1963 e 1968, que contava ainda com as feras Herbie Hancock (piano), Wayne Shorter (saxofone) e Tony Williams (bateria). Referência "Ele contribui para o fortalecimento dos solistas de jazz, com um caráter bem fluido e expressivo", comenta o contrabaixista Antoine Espagno, integrante do Affinity Jazz Trio. "É uma sumidade do jazz, uma referência enorme para outros baixistas. Aprendi muito do walking bass, a linha de jazz do baixo, ouvindo os discos dele", conta o baixista Hamilton Pinheiro, membro do Galinha Caipira Completa e do Duo 13. "Para mim, ele é um mestre, uma grande influência na minha vida", diz o baixista Oswaldo Amorim. "Antes do Ron Carter, os baixistas de jazz eram muito percussivos. Já ele, usa muito a técnica do glissando e trouxe uma coisa mais solta, ainda que precisa, para o jazz. Ele contribuiu também para a linguagem do instrumento com os double stops, que significa usar duas notas ou mais ao mesmo tempo", ensina Amorim. O baixista brasileiro explica que, apesar de tanta técnica, Carter, ao vivo, não é de explicitar seu lado virtuoso: "Ele consegue tocar de uma maneira superbela e incrivelmente melódica. Ele toca para a música, não pra impressionar. Ele alia o virtuosismo à simplicidade. Com isso, consegue atingir tanto o músico que quer ouvir uma coisa mais elaborada quanto o leigo que quer apenas ouvir boa música". Entrevista - Ron Carter Qual foi a sua maior realização na música? O que gosto é que as pessoas sempre me chamam para ajudá-las, para encarar seus projetos, trabalhar melhor. Gostei de ter encontrado tantas pessoas maravilhosas ao longo dos anos. Gosto de ter passando tanto tempo aprendendo a tocar baixo. Quem é a sua maior influência? Meu pai. Ele e minha mãe criaram oito filhos, passando por tempo difíceis. Ele manteve a família feliz, religiosa e produtiva. Ele tocava ukelele, mas não era um músico. Quanto à influência musical eu não tenho certeza. Eu gosto muito do que o J. J. Johnson fez com o trombone, o jeito que ele o fez soar, muito diferente do que seus colegas faziam na época. Quais são as suas melhores lembranças de quando tocou com Miles Davis? O que aprendeu naquela época? Sempre nos divertíamos, toda noite era um evento para nós, uma chance de fazer a música pela qual estávamos apaixonados. Toda noite podíamos fazer boa música e arriscar coisas novas. Você tocou baixo elétrico por algum tempo, mas logo voltou para o acústico. Por quê? Não tive tanta chance de tocar o baixo elétrico tão bem quanto toco o contrabaixo. Um dos dois precisava ser sacrificado, então fiquei com o baixo acústico. Se lembra qual foi seu primeiro contato com a música brasileira? Certa vez, ouvi no rádio uma gravação do (saxofonista) Stan Getz. A melodia era ótima e eu percebi umas influências que me lembravam o bebop americano. A harmonia na música brasileira é diferente do que os americanos costumavam ouvir. A melodia é mais fácil de lembrar. Eu estive no Brasil há uns 15 anos. Ouvi no rádio uma canção de Milton Nascimento que eu participei. Passei esses anos tentando lembrar o nome da música, mas não tive sorte. Essa foi a minha primeira gravação com um artista brasileiro feita no Brasil. Isso foi quando estive no país pela primeira vez, com (o baterista) Tony Williams, para tocar em um festival de jazz. A minha primeira impressão sobre música brasileira, vendo os músicos tocarem, foi como eles tocam com facilidade ritmos complicados. Qual será o repertório do show? Ainda estou pensando. Gosto de mudar em cada show. Devo tocar coisas de meus discos recentes, como It%u2019s the time (2007). Ainda estamos decidindo, vamos ver como as coisas saem. Arriscaria um palpite sobre o futuro do jazz? Não acompanho mais o cenário como antigamente. Mas o jazz sempre estará aí, seja no Brasil, em Boston ou na Bósnia. Sempre estará aí, para sempre. Que recomendação você daria para quem quer tocar baixo? Consiga um professor! (risos) ALMA BRASILEIRA RON CARTER Hoje, às 13h (entrada franca) e às 21h, no CCBB Brasília (SCES Tc. 2 Conj. 22). Shows com o baixista norte-americano Ron Carter pelo projeto Alma brasileira. Ingressos: R$ 15 e R$ 7,50 (meia). Informações: 3310-7087. Classificação indicativa livre.