Nahima Maciel
postado em 31/05/2010 08:11
Quando Dionísio entrou em cena no teatro de lona montado no meio da Esplanada dos Ministérios, pouco depois das 18h30, a plateia já estava no clima da peça. A fila formada uma hora antes no gramado do lado de fora funcionou como esquenta. Bolsas com garrafas de vinho bebido no gargalo pareciam passes de entrada, uma forma de saudar o deus grego e se preparar para uma noite de "orgia" com as Bacantes em versão de José Celso Martinez Corrêa para o texto milenar de Eurípides.
A noite mais esperada das Dionisíacas - turnê que trouxe a Brasília quatro peças da Associação de Teatro Oficina Uzyna Uzona - foi também a mais orgiástica. Tradicionalmente, Bacantes acontece com a participação do público e este detalhe é parte fundamental da concepção de Zé Celso para o clássico grego. As cenas de festas e orgias coletivas admitem a participação do público e, na noite de sábado, uma boa leva já entrou no teatro pronta para atuar assim que solicitada. Houve até quem assistisse a peça inteira com os seios de fora. "Vi um monte de gente pelada e fiquei com vontade de tirar a roupa", explicou a ativista Daniele Bomtempo, 24 anos, que só não participou das oficinas ministradas por Zé Celso no Teatro Dulcina porque precisava organizar a Marcha da Maconha. "É liberdade de expressão", defende Daniele.
De fato, o nu é preponderante na versão de Zé Celso. Durante as seis horas de duração de Bacantes, o que acontece no tablado não permite a presença de menores de 16 anos. Moças oferecem os seios aos personagens, bacanais simulam sexo coletivo e um homem é retirado da plateia para ser despido e devorado pelas bacantes diante do público. "Não sabia que ia encontrar um bacanal e não vou mentir que não estou gostando. Mas não imaginava", confessou a pedagoga Daniela Marques, 30 anos.
Nos versos que narram a morte de Penteu, rei de Tebas, e o nascimento do mito de Dionísio, as adoradoras são figuras indispensáveis. Filho de Zeus com uma mortal, Dionísio tem as bacantes como suas primeiras seguidoras, embora sua origem divina seja questionada por muitos, inclusive o rei de Tebas.
A leitura de Zé Celso, no entanto, faz uma verdadeira antropofagia do mito. Carnaval e candomblé se juntam para contar a história grega. O happening - improviso na fronteira entre as artes cênicas e visuais - fica a cargo da participação do público. E nesse conjunto, quase tudo é permitido. Marcha de carnaval, MPB, bossa nova e o rock dos Mamonas Assassinas e dos Rolling Stones pontuam o longo musical.
A isso, junta-se o Zé Celso engajado, que pede uma Cuba Libre, coloca Fidel Castro em cena, clama pelo desarmamento nuclear e ainda faz uma alusão local à operação Caixa de Pandora. "Adorei. Acho que ele (Zé Celso) constrói um espaço de exceção na nossa vida urbana contemporânea. As pessoas ficam contagiadas, por mais que não tirem a roupa, saem excitadas", reparou Sheila Campos, professora de teatro grego.
Se boa parte da plateia aguentou firme as seis horas sentada em uma arquibancada nada confortável, houve quem decidisse sair antes mesmo do primeiro intervalo, decepcionado com os rumos tomados pelo espetáculo. "Não é o tipo de coisa que eu gosto. Sabia que seria diferente e queria saber qual a diferença. Vi e não gostei. Muito pesado", lamentou a padeira Terezinha Peroto, 51 anos, que foi à Esplanada levada por uma amiga. "Acho que (Zé Celso) ficou muito preso nos anos 1970. Mostrar gente pelada e achar que isso vai causar estranhamento não funciona mais. É datado", completou a amiga Fátima Aparecida dos Santos, 36.
Os relógios já indicavam quase uma hora da madrugada quando Dionísio se vingou daqueles que duvidavam de sua origem divina e cedeu o palco a 30 percussionistas do grupo feminino Batalá. O teatro improvisado virou espaço de festa com a plateia dançando ao lado dos atores e Zé Celso de corifeu, papel que exerceu durante toda a peça, ora vestido com uma túnica, ora de saia verde e camisa amarela e ornado com um colar de camisinhas infladas.