Mila Petrillo se surpreende cada vez que abre uma das dezenas de caixas guardadas em uma casa num condomínio próximo ao Paranoá. A fotógrafa imagina lembrar-se de todas as imagens realizadas ao longo das quase três décadas de registro da cena cultural brasiliense, mas, vez ou outra, descobre registros esquecidos. Esse é um dos motivos pelos quais Mila quer digitalizar um acervo de 70 mil negativos. Passar do suporte analógico para o digital é a única maneira de preservar o maior banco de imagens da história do teatro e da dança na capital.
Mila começou a fotografar os palcos brasilienses em meados dos anos 1980. Contratada pelo Correio Braziliense, era a única responsável pelas imagens publicadas nas 12 páginas do então Caderno de Cultura. ;Na época não tinha foto de divulgação, a gente tinha que fazer. Cheguei a cumprir 18 pautas em um dia;, conta. A prática se estendia para além dos espetáculos. Mila fotografava, inclusive, os ensaios dos grupos de teatro, dança e bastidores de shows. Quando deixou o jornal, em 1990, havia se tornado referência em fotografia de espetáculos na cidade e passou a ser contratada por grupos e artistas que queriam o registro em imagem do processo criativo e da trajetória de suas peças.
A fotógrafa contabiliza mais de 400 mil negativos guardados nas dezenas de caixas empilhadas num dos quartos da casa de Everaldo Silva, o Preto, laboratorista de Mila quando ainda insistia na fotografia analógica. É um porto seguro para o acervo até o início do trabalho de digitalização. ;Devemos começar em dois ou três meses;, avisa Jorge Luiz, do Instituto de Produção Cultural Brasileira, idealizador do projeto.
A fotógrafa está ansiosa para começar o processo. Baseada em cálculo de quantas imagens costumava escolher de cada filme revelado, Mila chegou ao número de 70 mil negativos prontos para digitalização. Ela espera a liberação do dinheiro de uma emenda parlamentar para alugar uma sala e montar a estrutura necessária ao processo. A parte mais difícil, Mila explica, é conseguir o equipamento necessário, especialmente os scanners adequados para puxar as imagens dos negativos. ;Todo mundo que tinha que digitalizar já fez, não encontro mais o scanner;, conta. ;Resisti muito ao digital, sou taurina, e taurino só arranca a fórceps;, brinca.
Mão pesada
Há cinco anos Mila decidiu começar a experimentar as câmeras digitais. Na época, não ficava contente com os resultados, especialmente no que dizia respeito à densidade, textura e profundidade. Hoje ela admite que os equipamentos melhoraram e, de dois anos para cá, aceitou a nova tecnologia. ;Estou fotografando feito louca. Sempre tive a mão pesada;, revela, enquanto contempla as caixas que contêm os milhares de negativos. O plano da fotógrafa é disponibilizar as imagens em um site para que possam ser baixadas gratuitamente. ;Sou um pouco a guardiã de um período importante da cultura da cidade e do trabalho do terceiro setor ligado à infância e à adolescência;, avalia. Durante os últimos anos, o trabalho da fotógrafa se concentrou principalmente em acompanhar trabalhos sociais desenvolvidos por ONGs e instituições de assistência à infância. ;Muitas pessoas têm a história delas contada ali, desde pequeninas.;
Parte do acervo já foi doada ao museu Cine Memória, fundado pelo cineasta Vladimir Carvalho, mas os negativos das imagens realizadas ao longo de 20 anos durante o Festival de Brasília do Cinema Brasileiro ainda estão com a fotógrafa. ;Depois de digitalizar vai tudo para o museu;, avisa. Enquanto o projeto não se concretiza, Mila toca trabalhos paralelos. No ano passado, ela trocou uma casa em condomínio no Lago Sul por um sítio na área rural de Alto Paraíso. Só vem a Brasília para eventuais trabalhos e tem dedicado os últimos anos aos trabalhos sociais, embora ainda aceite, eventualmente, realizar ensaios para os artistas locais.