Jornal Correio Braziliense

Diversão e Arte

Guitarrista da Nação Zumbi, Lúcio Maia lança o segundo álbum do Maquinado e prepara mais dois discos de projetos paralelos

Há pelo menos duas razões para Lúcio Maia abrir com a faixa Zumbi o segundo disco do Maquinado, projeto solo que desenvolve paralelamente à função de guitarrista da banda Nação Zumbi. A primeira: ele gosta de Jorge Ben desde que se entende por gente. A mãe adorava, ouvia sempre em casa. É sua principal influência na música, seu Jimi Hendrix brasileiro. A segunda: a vontade de falar de nossos verdadeiros heróis, que não eram brancos nem europeus e ;ficaram encobertos por uma camada de preconceito;. ;Zumbi dos Palmares foi um dos primeiros revolucionários das Américas e isso não é mencionado. Nossa história sempre foi mal contada, há muitos engodos e más referências. Na escola a gente aprende que os portugueses, a família real, foram heróis, mas eles foram uma péssima influência para o Brasil, roubaram quase tudo o que a gente tinha;, reclama Lúcio, que fez uma releitura (1) de Zumbi, a música de Jorge, muito diferente da original. ;Versão tem que vir com a característica de quem faz. A graça é deixar do meu jeito;, argumenta. À sua maneira, ele também escreveu a faixa seguinte, Dandara, em homenagem à companheira do herói negro que se suicidou em 1694 para não voltar à condição de escrava. Virou de cabeça pra baixo Super-homem plus, de Fred 04 (Mundo Livre S/A), e compôs, produziu, tocou e cantou quase todas as faixas de Mundialmente anônimo ; O magnético sangramento da existência, o novo CD do Maquinado. Se o primeiro, Homem binário, lançado há três anos, era mais um álbum de produtor, cheio de participações especiais e batidas eletrônicas, o de agora é um disco mais ;orgânico; de um excelente guitarrista que domina produção, ouve tudo sem preconceito, e já se sente mais à vontade para escrever e cantar. ;É uma nova fase;, confirma. ;Fiz os vocais com calma. Não estou aqui para dizer que vou sair ileso ou dominando a área. Foi um primeiro passo, pretendo evoluir bastante ainda.; Das 10 faixas, duas são instrumentais: SP e Recado ao Pio, extensivo ao Lucas, sua resposta a Um recado para Lúcio Maia (de Pio Lobato) e Um recado para o Pio Lobato (de Lucas Santtana). Das oito cantadas, apenas uma, Tropeços tropicais, tem outro vocal: o de Lurdez Luz, do Mamelo Sound System. No estúdio, onde passou dois meses (depois de seis preparando o álbum), Lúcio tocou guitarra (o instrumento ganhou mais peso do que no disco anterior), violão e teclados, cuidou das programações e dos samples. Os baixos ficaram com Rian Batista e Régis Damasceno (que também compareceu com a guitarra e o violão); o trompete, com Guilherme Mendonça, o Guizado. Outros caminhos Nascido há 39 anos no Recife, Lúcio ganhou a primeira guitarra aos 14. Aos 22, já tinha assinado contrato com multinacional para fazer três discos com a Nação Zumbi. A ideia de ter um projeto solo, em que pudesse dar vazão a ideias que não cabem na banda, ele diz que vem de muito tempo. ;Vários artistas têm a ambição de fazer alguma coisa sozinho. E eu sempre penso em abrir janelas, buscar outros caminhos, novos horizontes;, comenta. ;Procuro escutar música desta forma: de olhos fechados e coração aberto. Sem barreiras. O mundo inteiro tem música pra oferecer.; E foi assim, misturando suas variadas referências ; rock, samba-rock, hip-hop, dub, batidas afro-caribenhas etc., e Jorge Ben acima de tudo ; que ele chegou ao Maquinado. O título do disco de estreia, Homem binário, brinca com as máquinas (e seus códigos binários) e os exercícios mecânicos do dia a dia (a marcha trocada, o pé na embreagem, coisas que a cabeça não computa). O do segundo, Mundialmente anônimo, é o que ele diz ser a condição atual de todos nós. ;A internet trouxe uma falsa ideia de que você é uma pessoa popular, querida, especial dentro do seu universo. Mas no universo mundial você não é ninguém, é apenas mais um grão de areia. Daí concluí que somos mundialmente anônimos, que fazemos parte do magnético sangramento da existência.; Animado com a nova fase, ele até vê vantagens em ter feito tudo sozinho, inclusive lançado o CD pelo próprio selo, o Opium Records (o outro saiu pela Trama). ;Se eu tivesse gravadora querendo me lançar, talvez eu topasse. Mas estou achando melhor sozinho porque tenho feito negociatas que não poderia fazer se estivesse numa gravadora, como lançar lá fora e ter parceria com vários produtores, sem dar exclusividade a ninguém. É uma liberdade que dá trabalho, mas se a pessoa for organizada como eu sou, dá para administrar numa boa.; 1 - Releituras No site , é possível baixar gratuitamente três versões (bem diferentes das originais) que Lúcio Maia gravou, mas não incluiu nos álbuns do Maquinado: Are you experienced, de Jimi Hendrix; Running away, de Bob Marley; e Computer love, do Kraftwerk. ; Os filhos da Nação Há uma cena que não sai da memória de quem esteve no festival Abril Pro Rock de 1997. Na hora em que os tambores da Nação Zumbi foram colocados no palco do Centro de Convenções de Olinda, para a primeira apresentação da banda desde a morte de Chico Science, a plateia ficou em silêncio. Fazia dois meses que o cantor havia morrido, pertinho dali, num acidente de automóvel. No centro do palco, dessa vez, estava Max Cavalera. E como foi bonito vê-lo ali, com aqueless músicos todos, entre a guitarra de Lúcio Maia e o baixo de Dengue. O público, enlouquecido, rodava camisetas com a mão, cantava junto, pulava o mais alto que conseguia. De arrepiar. Já vai longe o tempo em que a Nação Zumbi parecia ter que provar que sobreviveria sem o carismático Chico. Com Jorge Du Peixe no vocal, a banda acabou se firmando como uma das melhores do país. Faz shows excelentes e, mesmo sem interessar a grandes gravadoras (e isso ainda importa?), lança álbuns aqui e ali. Este ano vem mais um. ;A ideia é partir para o estúdio e fazer o disco da Nação logo depois que todos os projetos estiverem engatilhados;, diz Lúcio. São quatro, por enquanto, os projetos paralelos dos integrantes da Nação. E todos terão álbuns gravados em 2010. Lúcio Maia participa de três. Além de lançar este segundo CD do Maquinado, grava o disco do Los Sebosos Postizos ; banda em que faz versões de Jorge Ben ao lado de Bactéria, do Mundo Livre, e dos companheiros de Nação Pupillo, Jorge Du Peixe e Dengue ;, e o álbum de estreia do Almas, que divide com Pupillo, Dengue, Seu Jorge e Antonio Pinto, fazendo releituras de nomes como Noriel Vilela e Tim Maia. O quarto projeto é o 3 Na Massa, trio formado por Dengue, Pupillo e Rica Amabis (Instituto). E alguém ainda duvida da força da Nação? Ouça a música Zumbi