Rio de Janeiro - Vladimir Carvalho interrompe a conversa com David, filho do artista gráfico norte-americano Eugene Feldman (1921-1975), e aponta para a tela do monitor instalado em uma das salas do Instituto Moreira Salles (IMS): "Olha ali o seu pai, você parece muito com ele". A viúva, Rosina, não tira os olhos da tela. Emociona-se com as imagens em 16mm, captadas pelo marido nas obras da capital em 1959 e reveladas 20 anos depois no curta-metragem Brasília segundo Feldman, do cineasta brasileiro. Vladimir prossegue com a identificação para os dois visitantes estrangeiros: "Esse é o Athos Bulcão, aquele é o Oscar Niemeyer. E olhem como o Feldman se interessava pelos detalhes dos trabalhadores. Os chapéus%u2026 ele gostou de filmar os chapéus dos candangos".
Parte das imagens originais de Feldman, entre elas as de um Juscelino Kubitschek lépido e faceiro no meio da poeira vermelha da cidade em construção, são exibidas ininterruptamente em um dos módulos da exposição As construções de Brasília, aberta na noite da última quinta-feira na sede do IMS, na Zona Sul do Rio. No mesmo espaço também pode ser visto o terceiro livro de Feldman, Doorway to Brasilia, que, assim como as filmagens, são decorrentes de sua amizade com o designer brasileiro Aloisio Magalhães (1927-1982). "Os trabalhos nasceram, principalmente, do estímulo de Aloisio, que sentia que o crescimento de uma 'cidade instantânea' no interior de seu país deveria ser documentado por um artista. Do meu lado, me senti atraído pela oportunidade de combinar fotografia e artes gráficas", explicou Feldman em depoimento disponível em seu site oficial.
A abertura da exposição no IMS foi a oportunidade para o primeiro encontro de Vladimir Carvalho com a família do artista norte-americano. "Nunca achei que poderia encontrá-los porque o meu contato com a obra se deu por meio do Aloisio Magalhães, que recebeu os rolos de filmes das mãos da viúva de Feldman e me repassou, em total confiança, para que eu as aproveitasse da forma mais conveniente. Foi maravilhoso", comemorou o cineasta. "Para nós, foi uma honra conhecê-lo", retribuiu Rosina.
Dois núcleos
Com o objetivo de promover "uma reflexão sobre os modos de ver e de representar a cidade em seus 50 anos", a montagem de As construções de Brasília é dividida em dois núcleos. O maior deles destaca as fotografias do francês Marcel Gautherot (1910-1996), do alemão Peter Scheier (1908- 1979) e do húngaro Thomaz Farkas, pertencentes ao acervo do instituto. As imagens, majoritariamente inéditas e todas em preto e branco, mostram a capital entre o fim dos anos 1950 e o início da década seguinte. São preciosas tanto do ponto de vista estético quanto histórico.
Congresso Nacional, Palácios da Alvorada e Planalto, Catedral, Brasília Palace Hotel, Núcleo Bandeirante, superquadras aparecem em registros de tirar o fôlego. A respeito da obra de Gautherot, o crítico de arte Lorenzo Mammì comenta, no ensaio "A construção da sombra", incluído em catálogo lançado com a exposição: "Não se tratava apenas de fazer fotografia de arquitetura, nem fotojornalismo: ali estava se construindo uma parte do imaginário nacional, uma nova identidade".
[SAIBAMAIS]Além das séries documentais, As construções de Brasília reúne conjunto de obras que, segundo a curadora Heloisa Espada, "não buscam traduzir diretamente Brasília e sua arquitetura, mas partem de um dado cultural, que é o status da cidade como emblema da nação". Assinados por nomes como Cildo Meireles, Luis Humberto, Orlando Brito e Emmanuel Nassar, os trabalhos ocupam a nova galeria do centro cultural, montada nos fundos da antiga residência do banqueiro Walther Moreira Salles, inaugurada em 1951, com paisagismo de Burle Marx. Como não há unidade do IMS no Distrito Federal, a exposição não deve chegar ao Planalto Central. Tantas preciosidades da história da nova capital brasileira, até julho, só poderão ser apreciadas na velha capital do país.
AS CONSTRUÇÕES DE BRASÍLIA
Exposição com fotografias de Marcel Gautherot, Peter Scheier, Thomaz Farkas e trabalhos de outros artistas. Em cartaz no Instituto Moreira Salles (Rua Marquês de São Vicente, 476, Gávea, Rio de Janeiro). De terça a sexta, das 13h às 20h; sábados e domingos, das 11h às 20h. Até 25 de julho. Entrada franca.
Quem está na exposição
» Almir Mavignier
» Aloísio Magalhães
» Caio Reisewitz
» Cildo Meireles
» Emmanuel Nassar
» Eugene Feldman
» Jac Leirner
» Luis Humberto
» Mary Vieira
» Marcel Gautherot
» Mauro Restliffe
» Orlando Brito
» Peter Scheier
» Regina Silveira
» Robert Polidori
» Thomaz Farkas
» Waldemar Cordeiro
O jornalista viajou a convite do IMS