Jorge Oliveira nem pensava em ser jornalista quando, em 1957, na Assembleia Legislativa de Alagoas, mais de 1.200 tiros foram disparados entre oposicionistas e aliados, com armas em punho na votação do impeachment do governador Muniz Falcão, numa sexta-feira 13. Décadas depois, o jornalista Oliveira teve contato com testemunhas do tiroteio, ouviu histórias de indivíduos dos dois lados e dedicou boa parte da vida tentando entender a atuação do ;Sindicato do crime; na Região Nordeste, escrevendo reportagens sobre o assunto para grandes jornais do país. Fotografias empoeiradas, dezenas de recortes de jornal e entrevistas reveladoras tornaram-se uma coisa só no livro Curral da morte, lançado 53 anos depois do impeachment de sangue em Alagoas.
Vencedor de dois prêmios Esso de Jornalismo, Jorge Oliveira deixou as redações de jornal há 20 anos e fez carreira na produção de documentários e no marketing político. Mas o faro de repórter continuou afiado e foi fundamental para cruzar a grande quantidade de informações colhida durante décadas. ;Continuo com olhar clínico de repórter. Quando fez 50 anos do impeachment, comecei a juntar tudo para fazer um livro. Pensei: não vou contar minhas histórias em mesa de bar, vou levá-las para o computador. Tenho responsabilidade, como cidadão e jornalista, de contar essa história;, afirma.
A violência daquela sexta-feira 13 teve saldo de um morto e dezenas de feridos. Nas duas décadas seguintes, a perversidade de pistoleiros a serviço de políticos gananciosos dizimou famílias inteiras, como a de Humberto Mendes, fatalmente ferido no início da troca de tiros. Na reconstrução dos fatos posteriores ao impeachment, Jorge Oliveira conversou com pessoas que resistiram à onda de revanchismo político e assassinatos. O histórico de intrigas políticas ainda está no imaginário coletivo dos alagoanos, a exemplo do escritor. ;O conteúdo do livro é trágico, difícil, muita coisa que ouvi estava na minha memória. Fico feliz de ter colocado no papel. Isso fica te formigando a cabeça. Quando escrevi `fim`, fiquei aliviado;, comenta o autor.
Curral da morte é apenas o terceiro livro de Jorge Oliveira. O primeiro, Eu não matei Delmiro Gouveia, de 1985, é um livro-reportagem que tenta desvendar o misterioso assassinato do pioneiro empreendedor cearense. Há quatro anos, sustentado pelas 14 campanhas políticas que dirigiu, lançou o manual Campanha política: como ganhar uma eleição. No próximo trabalho, Oliveira pretende escrever uma ficção inspirada em fatos reais sobre a ;máfia das caatingas;.
Leia trechos do livro Curral da morte
Naquela sexta-feira, 13 de setembro de 1957, quatro meses depois de aprovado o relatório do deputado Teotônio Vilela pedindo o impeachment de Muniz Falcão, o dia amanheceu ensolarado. A movimentação intensa em Maceió era incomum para uma véspera de fim de semana. A cidade acordara nervosa. Os cinemas locais mantinham em cartaz filmes que talvez prenunciassem a tragédia: no Royal, O último ato; no Lux, O maior espetáculo da Terra; no Ideal, Invasores diabólicos; no Rex, Osso, amor e papagaios; e no Cine Plaza, Quem sabe... sabe!
Na praça D. Pedro II, onde ainda se localiza a Assembleia Legislativa, aos poucos iam chegando os partidários do governador Muniz Falcão, os "turistas" ; como eram chamados os jagunços na época ;, os comunistas e os policiais militares que apoiavam os capangas oficiais, protegidos pelos deputados governistas.
O local estava repleto de policiais militares e do Exército. Ainda assim, eles não evitaram que os deputados aliados Abrahão Moura, Antônio Moreira, Claudenor Lima, Luiz Malta Gaia e o vice-líder Humberto Mendes, acompanhado do filho Valter, cruzassem a praça a praça em direção à Assembleia. A temperatura oscilava entre 35; e 37;C, mas os deputados, alheios ao calor infernal, carregavam, sob as longas capas de chuva amarelas, metralhadoras e pistolas de grosso calibre, armas restritas ao Exército e à Polícia Militar.
Os simpatizantes de Muniz chegaram cedo e posicionaram-se estrategicamente na praça. Os mais precavidos procuraram refúgio no imponente prédio da Catedral Metropolitana de Maceió, ao lado da Assembleia, de onde poderiam apreciar, sem serem notados e na companhia de Dom Adelmo Machado, o então arcebispo da capital, a chegada dos deputados e seus capangas. Dom Adelmo envolveu a Igreja nas negociações. Durante os quase duzentos dias que durou o entrevero entre os políticos de oposição, os empresários e o governo, ele conversou com todos, procurando uma saída pacífica para o impasse. O arcebispo desistiu quando ouviu um forte argumento para tirar o clero das negociações.
; Dom Adelmo ; confidenciou um deles, tenso e nervoso ;, aqui nenhum deputado tem dotes para um lugar no céu. Todos, mas todos mesmo, certamente já garantiram uma vaga cativa no inferno.
Para provar que falavam sério, dois deputados, Humberto Mendes e Oséas Cardoso, adversários ferrenhos, deram demonstrações do que aconteceria dali em diante.
Humberto Mendes não pediu proteção de ninguém. Queria ver o circo pegar fogo. Tinha as costas quentes ; era sogro do governador. Passou em uma funerária e pediu ao dono que reservasse 22 caixões, encomenda macabra que demonstrava a disposição do deputado para a luta.
Oséas, mais diplomático e ponderado, mandou um telegrama para o presidente Juscelino Kubitschek.
"Não fugirei da luta. No caso de me roubarem a vida, quero apenas pedir a Vossa Excelência, o presidente Juscelino Kubitschek, em quem votei para presidente, que se digne a oferecer todas as garantias possíveis ao Poder Legislativo, no sentido de ser votado o impeachment para se libertar Alagoas."