Gilberto Gil passou ao largo de questões políticas no show que marcou seu retorno aos palcos brasilienses, quase dois anos depois de deixar o Ministério da Cultura. No Bandadois, que chamou de "uma camareta popular", o cantor e compositor baiano se ateve apenas à parte artística, fazendo um passeio por sua longa e vitoriosa trajetória musical, de onde extraiu clássicos e canções menos conhecidas - mas igualmente importantes - do grande público.
Aplaudido desde a entrada em cena, na noite de sábado, no Auditório Máster do Centro de Convenções Ulysses Guimarães, o eterno tropicalista contou com a companhia do filho e violonista Bem Gil e do violoncelista Jaques Morelenbaum. Ambos contribuíram, decisivamente, para que, ao longo de quase duas horas, fosse construída a sonoridade sofisticada de um espetáculo intimista e envolvente.
Bandadois, CD e DVD gravado em outubro, em São Paulo, serviram de base para o roteiro do show, ao qual foram incorporadas músicas que não fazem parte do projeto, mas são marcantes na obra de Gil. Ele abriu com a bela Flora - feita, há algum tempo, para a mulher -, num raro momento solo. Logo em seguida, antes de chamar os músicos ao palco, saudou Brasília, parabenizando-a pelos 50 anos.
Esotérico, cantada depois, levou os fãs mais antigos à época do Doces bárbaros, show que em 1976 reuniu Gilberto Gil, Caetano Celoso, Gal Costa e Maria Bethânia, no vizinho Ginásio Nilson Nelson. Em Saudade da Bahia (Dorival Caymmi) e Super-homem, à voz bem trabalhada de Gil somou-se um tímido coro da plateia. Aqui e ali, Gil exercitou seu lado discursivo ao falar do processo de criação de determinadas músicas.
Foi assim, por exemplo, antes de interpretar Rouxinol, feita em parceria com Jorge Mautner. "Esta música que vou cantar agora foi gravada no meu único disco feito em Los Angeles, nos Estados Unidos, produzido por Sérgio Mendes. Vou mostrar as duas versões, a original e a em inglês, que fiz mal e porcamente, intitulada Nightingale, que, aliás, deu título ao álbum."
Chiclete com banana (de Almira Castilho e Gordurinha) proporcionou a Gil, além de uma inesquecível interpretação, trazer à tona um dado histórico: "Com a gravação dessa música, um cabra paraibano chamado Jacskon do Pandeiro lançou um subgênero do samba, que viria a ser chamado samba rock", contou. As inéditas Das duas uma, feita a pedido da filha Maria, e Quatros coisas (outra composta para Flora Gil) vieram na sequência.
Influência africana
No bloco seguinte, ligado à cultura nordestina, foram reunidas músicas de autoria de Dominguinhos, Lamento sertanejo e Tenho sede. "Lamento sertanejo foi composta inicialmente no acordeom, como um tema instrumental. Aí, quando nos encontramos, na época do Refazenda, Dominguinhos, como vocês conhecem bem, um extraordinário compositor e instrumentista, discípulo de Luiz Gonzaga, me pediu para fazer uma letra", explicou.
Gil revisitou, também, o Tropicalismo e trouxe de lá Panis et circenses, manifesto do movimento que compôs em parceira com Caetano Veloso, gravado originalmente pelos Mutantes. Do Banda larga cordel, CD de 2008, apresentou a bem estruturada La renaissence africaine, com letra em francês, e emendou fazendo a lado B BabáAlapalá, que o levou a outro comentário: "Caetano (Veloso) e outros pensadores ao abordarem a questão africana têm dito que a África tem dado uma inestimável contribuição pra a civilização ocidental, especialmente nas Américas. A influência da África na Bahia nem precisa comentar. Vou cantar uma canção que fiz para a família de Xangô, o grande rei, o grande orixá de origem africana, muito vivo, ainda, entre nós".
O público de 3 mil pessoas que vinha dando demonstrações de entusiasmo e carinho pelo artista durante todo o espetáculo, com aplausos calorosos, gritos, assobios e expressões elogiosas, como "maravilhoso", ficou ainda mais aceso ao ouvir Andar com fé, uma ode à positividade, e a aguardadíssima Expresso 2222 (marco do retorno de Gil ao Brasil, pós-exílio), na qual ele exibe o seu reconhecido virtuosismo musical. Nesse número, já no final do show, Bem ataca de percussionista.
Ao voltar para o bis, Gil foi ao fundo do baú e de lá voltou com Amor até o fim e Vira mundo, canções da fase inicial de sua carreira. Em Vira mundo, reviveu o jovem e combativo compositor e intérprete, ao dar ênfase ao refrão: "%u2026Mas inda viro este mundão/ Em festa, trabalho e pão". E deixou o palco, com largos sorrisos, fazendo declaração de amor a Brasília.
Ao receber, à porta do camarim, fãs e amigos, como o cineasta André Luis Oliveira, o artista plástico e escritor Bené Fonteles e o poeta Luis Turiba, reafirmou ao Correio seu apoio à candidatura da senadora Marina Silva à Presidência da República. "A história de vida, a postura e posicionamento de Marina em relação a questões importantes para o Brasil e o mundo, como a da defesa do meio ambiente, me levam a apoiá-la e a estar com ela nas próximas eleições."