Quando os três irmãos de Araxá (MG) desembarcaram em Brasília, nos anos 1960, ficaram deslumbrados. ;As notícias que chegavam por lá eram que aqui era o Eldorado, o melhor lugar do Brasil. Anos depois, eu acredito que ainda é;, conta Hely Veríssimo, 62 anos. Junto com os irmãos Enildo, 64, e Elsy, 60, ele comprou, em 1968, a Pizzaria Dom Bosco, oito anos depois de ter sido aberta na 107/108 Sul, a primeira rua comercial a surgir na capital idealizada por Juscelino Kubitschek. A pizza de massa grossa, com bastante molho de tomate e queijo fez sucesso.
Como não existia molho pronto na época, eles copiaram a receita de um tio que já tinha uma pizzaria em Minas. ;Aqui, era ponto de encontro. Como havia poucas casas e pouca gente, todo mundo se reunia na hora do lanche;, lembra Hely. O tempo passou e a fórmula continuou a mesma. Para o empresário, o segredo do sucesso foi apostar em um só sabor. ;A pizza de muçarela não enjoa, dá para comer todos os dias, é igual a pão com manteiga. Eu como três pedaços todos dias com mate sem açúcar e não engordo. Tenho fregueses que vêm todos os dias na hora do lanche da tarde e estão fininhos;, brinca Hely. Depois de 50 anos, o negócio continua familiar, e as casas do Sudoeste e da Asa Norte são comandadas pelos filhos dos três irmãos.
Recheio farto
Outro mineiro que gravou seu nome na gastronomia local é Sebastião Gomes da Silva, que chegou a Brasília em 1958. E isso só aconteceu porque Sebastião e a mulher, Ivanildes, perderam o ônibus que os levaria para Belo Horizonte, em viagem de lua de mel. Com o tempo extra de espera, o casal provou os pastéis vendidos pelo ambulante Eugênio Apolônio. Sebastião adorou o produto e propôs sociedade na hora. Nascia ali a Pastelaria Viçosa. A massa artesanal e o recheio farto encantaram os brasilienses. Hoje, o negócio é comandado pela filha do casal, Patrícia Rosa. ;Começamos com uma portinha e hoje somos quase uma indústria de pastéis. É preciso ter muita fé e perseverança, e estamos sempre atualizando a Viçosa, sem perder a ideia de trabalhar com um produto popular;, explica a empresária.
Voltando ao mundo das massas, está na W3 Sul o restaurante italiano mais tradicional de Brasília, o Roma, comandado há 46 anos por Simon Pitel, 73 anos. O empresário saiu da Bélgica em fevereiro de 1958, pronto para seguir novos caminhos. Desembarcou no Rio de Janeiro e, um mês depois, já estava em Brasília, na chamada terra prometida. ;Tudo o que eu queria na vida era me aventurar;, confessa Simon, com um português ainda cheio de sotaque. O Roma, na 511 Sul, já existia. Pertencia a um italiano chamado Luigi Brandi, que, segundo os registros de abertura, inaugurou a casa em 15 de abril de 1960. ;Quatro anos depois, ofereceram o comércio e eu me entusiasmei. Foi coisa de impulso, sem pensar. Eu só fui aprender a trabalhar com o tempo;, admite Simon.
Nos anos 1970, a casa reinava no cenário gastronômico. ;Eu era majestade. Não há quem não tenha vivido no Plano Piloto nessa época que não tenha frequentado o restaurante. Todo mundo passou por aqui. Fernando Collor vinha quando tinha uns 20 anos, depois das noitadas. O Lula e o Fernando Henrique jantavam aqui antes de serem presidentes, e eu mandava muita comida para o Palácio do Planalto no tempo do Médici;, conta.
[SAIBAMAIS]A casa era conhecida pelas pizzas, a macarronada e a canja servida na madrugada. Sem falar no filé à parmegiana, que continua requisitadíssimo. Simon mantém há 30 anos grande parte da equipe, inclusive os cozinheiros. ;Para ter sucesso, é preciso ter um bom apoio e respeitar o freguês. O custo e o benefício devem ser iguais para as duas partes. Outra coisa: dono de restaurante vê, mas não enxerga. Tem muita coisa que aconteceu aqui que eu não posso contar;, provoca o empresário.
Aniversário
Ontem, o boteco mais conhecido de Brasília completou 44 anos de existência. O Beirute, fundado em 16 de abril de 1966, na 109 Sul, foi comandado por duas famílias até 1970, quando foi vendido para os irmãos cearenses Francisco e Bartolomeu Marinho, que eram garçons no local. ;Eles fizeram uma proposta e arrumaram um dívida considerável. A notícia correu na cidade e muitos jornalistas e intelectuais ficaram sensibilizados e resolveram ajudá-los;, conta Francisco Emílio, que hoje divide a administração do bar ; que ganhou filial na 107 Norte ; com o pai, Francisco, o tio e os primos.
O cardápio continuou árabe, mas ganhou um toque nordestino. O kibeirute, feito com queijo e servido com molho de maionese, e o kiberovo, servido com um ovo frito, fizeram sucesso. O filé à parmegiana é outro clássico. A última invenção da cozinha foi o escondidinho árabe, feito com queijo coalho e pimenta síria. ;Nesse aspecto somos como Brasília, uma mistura de tudo;, afirma o empresário. Como manter uma casa cheia depois de 40 anos? Francisco Emílio responde: ;Foi preciso um empenho gigante e dar muita atenção às mesas, à cozinha, ao atendimento no balcão para fazer o negócio dar certo;.
Outro local de muitos encontros e histórias está cravado há 35 anos no comecinho da Asa Sul, na comercial da 202. A apenas alguns minutos da Esplanada dos Ministérios, o restaurante Piantella virou reduto da liderança política nacional. ;Na época da ditadura, a oposição começou a frequentar a casa. Ulysses Guimarães costumava dizer que, se as cadeiras falassem, muitos sonhos não se tornariam realidade;, lembra o chef e empresário Marco Aurélio Costa, 60 anos. Os pratos sofisticados com inspiração na gastronomia francesa, italiana e brasileira que saem todos os dias da cozinha levam um tempero importantíssimo: tradição. ;É uma comida que, daqui a 35 anos, vai ter a mesma qualidade, é clássica. É preciso tratar bem os clientes, sem descuidar em momento algum. Quando você faz o que gosta, o resultado é o sucesso;, completa Marco Aurélio.
Pelo mesmo caminho
Algumas casas, apesar de não terem quase meio século de experiência na capital federal, trilham pelo mesmo caminho quando o assunto é tradição. O Carpe Diem surgiu em 1991, quando cinco amigos resolveram se reunir para montar um restaurante diferente. ;A gente queria um lugar que unisse o bar e o restaurante, algo que não existia na época;, conta o chef e arquiteto Fernando de La Rocque. O estabelecimento unia não só as duas vertentes como tinha ainda uma livraria, uma locadora de filmes, loja de CDs, delicatessen e até caixa eletrônico, tudo no mesmo espaço na 104 Sul.
;A cidade foi evoluindo e a gente foi se adaptando à nova realidade do mercado e ficamos com a ideia inicial. Conseguimos fidelizar clientes com um cardápio que atende Brasília, cheia de gente de outros estados e outros países;, explica Fernando. Além de investir na tradicional feijoada, o restaurante trouxe o conceito de buffet e do preparo na hora de saladas e massas, hoje muito difundido pela cidade. ;O cliente gosta de sentir que ele mesmo preparou aquele prato. E o melhor é que, se ele achar que não ficou bom, a culpa é dele;, brinca.
Mudança de planos
Em 1987, Francisco Ansiliero trocou Santa Catarina pelo Distrito Federal para trabalhar em um ministério. Em menos de um ano, no entanto, largou o funcionalismo público para abrir um restaurante. ;A minha ideia era abrir uma cantina italiana. Um amigo fez um levantamento de mercado e descobriu que o pessoal queria um restaurante com bacalhau, tambaqui e picanha, porque não tinha na cidade;, conta o chef. Francisco também investiu em algumas novidades. Trouxe uma variedade de azeites e um menu especial para crianças. A casa também foi a primeira a ter uma adega climatizada em Brasília.
Um cardápio simples e com qualidade transformou o bacalhau em lascas e a picanha com farofa de ovos em clássicos. ;O tempo é implacável. É ele que mostra o que é ouro e o que é cascalho, e não deixa chance para fazer aventura muito tempo. Vejo com muito otimismo a gastronomia daqui. Tenho convicção de que Brasília vai continuar evoluindo e dentro de não muito tempo será uma referência gourmet nacional;, analisa Francisco.
; Picanha na brasa com farofa de ovos do chef Francisco Ansiliero
Ingredientes
- 1 peça de picanha de 1.200g
- sal a gosto
- 75ml de óleo de girassol
- 75g de manteiga
- 40g de cebola bem picada
- 30g de cebolinha verde picadinha
- 4 ovos
- 1 xícara (chá) de farinha de mandioca artesanal
Preparo da carne
Limpe totalmente a picanha na parte oposta da gordura. Apare o excesso de gordura, se achar conveniente. Corte a picanha em pedaços da mesma espessura. O corte deve ser contra a fibra, pois a facilita a mastigação. Salgue a gosto e coloque a uma distância da brasa viva de forma que não queime, mas também não "chore" (se diz que a picanha chora quando o calor é pouco e o sumo da carne forma algo como gotículas de água). Neste caso, a carne ficará murcha e dura. A carne, mesmo quando bem passada, deve permanecer úmida e suculenta.
Preparo da farofa
Coloque o óleo de girassol para aquecer numa panela de ferro. Mantendo o fogo lato, coloque a cebola e a cebolinha. Mexa até murcharem. Acrescente a manteiga. Numa vasilha à parte, ponha os ovos com clara e gema e misture bem. Coloque sal a gosto, adicione-os à frigideira e mexa até ficarem bem passados. Acrescente a xícara de farinha e mexa bem. Acerte o ponto do sal e sirva imediatamente.