Jornal Correio Braziliense

Diversão e Arte

Documentário de Lírio Ferreira reconstitui a trajetória do compositor cearense Humberto Teixeira

O músico, compositor e poeta pernambucano Lirinha, vocalista da banda Cordel do Fogo Encantado, é irredutível. Ninguém tira da cabeça dele que Bob Marley só inventou o reggae depois de ter escutado um baião de Luiz Gonzaga. A teoria, maluca, diga-se de passagem, pode ser conferida no documentário O homem que engarrafava nuvens, projeto de Lírio Ferreira (Baile perfumado) que resgata a trajetória do compositor cearense Humberto Teixeira, coautor de várias canções com Luiz Gonzaga. Produzido pela atriz e filha do artista, Denise Dummont, o filme foi um dos destaques da programação do FicBrasília 2009. Assim como Cartola - Música para os olhos (2006), outro trabalho de Ferreira concentrado na figura de importante nome da música brasileira, a nova empreitada vem cerceada por pequenas doses de lirismo, uma característica recorrente no trabalho do cineasta pernambucano. Tal tratamento não apenas dá leveza à narrativa, como permite a Ferreira explorar outros tópicos que vão além do tema abordado. De modo que, ao mesmo tempo em que legitima a importância do coautor de grandes sucessos como Juazeiro e Asa branca à música brasileira - rastreando inclusive suas origens, no interior cearense -, contextualiza o espectador do grande fenômeno que foi o baião nos anos 1940 e 1950, e da relevância do gênero musical numa época em que o samba havia perdido seu reinado. Também tem o mérito de conseguir aproximar afetivamente Denise Dummont do universo do pai, um homem amável, catalisador de grandes amizades, mas também contraditório e intolerante, a ponto de não permitir que a filha seguisse a carreira de artista. Estende seu leque temático ao mostrar o alcance atingido pela originalidade da dupla Gonzaga e Teixeira trazendo à tona figuras como Gilberto Gil e Chico Buarque, além do cantor e compositor norte-americano David Byrne e da cantora japonesa Miho Hatori, grandes admiradores do baião. É, no mínimo, uma aula de brasilidade. Três perguntas // Lírio Ferreira Foi um desafio resgatar a figura de Humberto Teixeira? O filme vai atrás da sombra mesmo desse homem. É um registro importante para Denise (Dummont, produtora e filha de Humberto Teixeira) resgatar a figura do pai e é importante também cinematograficamente narrar por um outro caminho, no caminho de quem estava na sombra. Então foi um desafio e muito bacana fazer este projeto porque o Humberto Teixeira foi uma pessoa bastante atuante que, além de fazer essas 400 músicas, foi deputado federal, sempre foi defensor da Lei do Direito Autoral, que levou caravanas de música popular brasileira para o Exterior, até para o Canal de Suez., mas poucos sabem disso. O filme parte da figura do compositor para discutir outros temas inerentes a época%u2026 É um projeto que fala muito sobre imigração. Humberto Teixeira e Luiz Gonzaga emigraram do Nordeste, depois é o baião que emigra, isso numa época pós-guerra em que os nordestinos emigraram muito atrás de novas oportunidades e foram para o São Paulo e Rio de Janeiro. Essas pessoas que estavam longe de casa queriam ouvir música de Luiz e Humberto Teixeira porque eram canções que falavam de saudade, falava da terra deles. Assim como no seu documentário anterior (Cartola), O homem que engarrafava nuvem traz uma certa dose de lirismo. Você poderia comentar essa opção? O cinema é uma arte que não precisa de muita verdade. Acho démodé essa discussão entre ficção pura e documentário puro. Acho interessante essa fronteira. Eduardo Coutinho, que é o maior documentarista do país, já brincou com esses dogmas. O dever do cineasta não é informar, a informação hoje é uma droga muito barata, a facilidade para chegar a uma informação hoje em dia é muito fácil. O dever do cineasta para mim é jogar um olhar diferente para o que está sendo filmado.