"Imagina eu, num pré-lançamento, a cidade (Rio de Janeiro) toda parada, eu histérica - uma mulher à beira de um ataque de nervos. O material do filme ainda em andamento e as pessoas envolvidas trabalhando em casa", desabafa a diretora Sandra Werneck, às vésperas da coletiva de divulgação do longa-metragem Sonhos roubados, marcada para a próxima segunda-feira, em São Paulo. Passada a tempestade, a diretora relaxa. Sabe que tem nas mãos "um filme aberto, com potencial, e que as pessoas gostam". Um dos nacionais mais procurados no Festival do Rio, no qual venceu o prêmio do júri popular e de melhor atriz para Nanda Costa (Soraia, de novela Viver a vida), Sonhos roubados estreia na capital em 23 de abril, com cópias reservadas ao Rio e São Paulo.
"O filme tem um peso, fala de questões delicadas, mas também explora a amizade e a adolescência, elementos inerentes a qualquer classe social", opina Sandra Werneck. Saído das páginas de tramas reais que dão corpo ao livro As meninas da esquina - Diários dos sonhos, dores e aventuras de seis adolescentes do Brasil (da jornalista formada pela Universidade de Brasília/UnB, Eliane Trindade), o roteiro, assinado por seis profissionais, alinhava as duras condições das amigas Jéssica (Nanda Costa), Daiane (Amanda Diniz) e Sabrina (Kika Farias), todas inseridas na periferia. "Pela emoção no texto, eu me aproximei muito do universo das personagens. Elas são as meninas que vão gerar a próxima geração. Se dermos atenção às várias dimensões dessas vidas, elas poderão exercer um papel decisivo no futuro", opina a cineasta.
Desviando do que seja piegas, Werneck conta que não consegue virar o rosto para a questão do adolescente brasileiro. "Faz parte da minha rotina: desde que comecei no cinema, fiz mais de 10 documentários, sempre com temas que estão em A guerra dos meninos, Damas da noite e Pena prisão. Trato da exploração do trabalho infantil, sobre grupos de extermínio. Sou muito preocupada com jovens menos favorecidos", explica.
Se as atrizes foram estimuladas, enquanto espectadoras do documentário Meninas (de Werneck) - "elas adoravam ver, já que tinham pessoas que poderiam ser personagens do longa" -, a diretora frisa parte vital do processo: "Meu barato é não dirigir o ator, mas deixar ele acontecer". Na dinâmica das atrizes, Amanda, que tem parentes no Vidigal, inseriu as colegas no cotidiano de laboratórios, alguns feitos em bailes funk. "Enquanto produzir foi muito difícil (houve apoio da Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres), em termos de set, esse foi meu melhor filme. A figuração foi toda da comunidade (dos bairros de Ramos e de Curicica), que deixou os atores bem à vontade. Teve uma hora que a gente não sabia direito o que era filme e o que era realidade", revela a diretora. Contando com música tema cantada por Maria Gadú, a diretora não segreda: "A música é outro filme, para mim, é um passo muito preparado. Nesse filme, quis colocar o que se ouvia na comunidade".
Autora-parceira
A troca de experiências na periferia foi trabalhada, na mesma medida da afinação com a autora Eliane Trindade, "uma grande parceira". Um curiosidade no colaborativo elenco é a repetição da dobradinha Nelson Xavier e Ângelo Antônio, que encabeça a bem-sucedida adaptação cinematográfica Chico Xavier. Desconfiada de que atores atraem bilheteria maior apenas no âmbito hollywoodiano, a diretora, ao menos, tem os méritos de romper a fluente bondade de Ângelo Antônio na ficção e de introduzir MV Bill (inicialmente um consultor), na interpretação, na pele de um presidiário. Ícone do cinema brasileiro, Nelson Xavier é um dos coletores de elogios, por parte de Werneck. "É aquele ator espetacular, e que está sempre disponível".
Orçado em R$ 3 milhões, Sonhos roubados demandou o apurado olhar feminino de Sandra Werneck, na opinião dela, reservado não apenas às mulheres. "Acho que um Pedro Almodóvar tem um olhar bastante feminino. Mas, acredito que as mulheres tenham um olhar mais detalhista. A gente consegue prestar atenção na folhinha da árvore que está atrás da personagem, no brinco que está torto na atriz", avalia. Ao mesmo tempo em que trata de gravidez precoce, de prostituição e de violência, a diretora refuta excessos. "O longa tem um diferencial: não é o traficante, o bandido, balas e socos. Na violência, não tem isso -, é um outro olhar. Quis falar de sentimentos, de delicadeza e do Brasil", conclui.