Diversão e Arte

Uma das estrelas do Festclown, o francês Julien Cottereau fechou o festival

postado em 05/04/2010 07:00
A história do mímico Julien Cottereau renderia uma comédia muda à la Chaplin, na qual um jovem atrapalhado se deixa levar pelo azar e o transforma em sucesso. O objetivo dele: conquistar uma bela atriz aproximando-se do pai da moça, um professor de teatro que ensinava números de palhaço. ;Quando entrei na escola de teatro, em 1993, estava perdido, numa fase confusa. E só conhecia um texto teatral, A gaivota, de Anton Tchekhov. Mas decidi que seria o melhor aluno daquele mestre da técnica clown para chegar perto da garota;, contou o artista, que esteve em Brasília durante fim de semana para participar do Festival Internacional de Palhaços do SESC, o Festclown.

Após 17 anos de palco, com passagem pelo Cirque du Soleil e detentor do prêmio Moli;re 2007 de ator revelação na França, Julien Cottereau não conseguiu conquistar a moça ; também, pudera, a musa era a idolatrada e, para ele, intocável atriz Juliette Binoche. Aos 40 anos de idade, em turnê desde 2007 com o espetáculo solo Imagine-toi (Imagine-se, em francês), ele define a trajetória de trapalhadas e sucesso como essencial para a construção de um personagem clown. ;No processo de criação de um espetáculo, a gente se descobre e cresce. Mas o melhor é reforçar as características que escondemos. Eu, na minha falta de preparação, usei isso para construir um personagem inocente. E hoje ele me leva a diversos lugares do mundo e transforma a vida de outras pessoas;, acredita.

Julien Cottereau estreou no Cirque de Soleil em 1994, durante a passagem do espetáculo Saltimbanco por Tóquio. No período, o artista era um jovem estudante da Escola Nacional Superior de Artes e Técnicas de Teatro (Ensatt), em Lyon, na França, e pupilo do diretor e ator Jean-Marie Binoche. Quando o mestre mímico René Bazinet, criador e então intérprete solo do número de clown de Saltimbanco, anunciou sua saída da turnê em virtude do estresse provocado pela rotina de shows, Claude Crespin, um dos diretores artísticos do espetáculo, pediu a Binoche que indicasse um ator para assumir o papel. ;Foi uma verdadeira situação de palhaço. Não recebi instruções de como fazer o espetáculo. Quando subi a palco, a plateia ria do meu desconcerto. Depois, com supervisão do Bazinet, melhorei a minha técnica;, contou o artista.

Realidade e ficção
Ontem, o personagem de Imagine-toi foi a estrela do encerramento do Festclown, festival que reuniu palhaços brasilienses e grupos internacionais durante quatro dias no Complexo Cultural Funarte, no Sesc Ceilândia e praças da cidade. Enquanto não se apresentavam, ele e outros personagens circulavam tranquilamente entre os palcos e espaços públicos, ora devidamente vestidos com seus figurinos coloridos, ora escondidos sob o semblante limpo dos atores que os interpretam.

Mas quem esconde quem? ;No momento que a pessoa se liberta da timidez e se assume como ridículo para interpretar o palhaço, ela toma o personagem também como sua característica. Creio que os dois caminhem juntos. Às vezes, você os diferencia, outras vezes, não;, conta Juscelino Moreira, 28 anos, que há seis leva seu palhaço, o Marreco, para hospitais e postos de saúde da cidade. Ele e outros iniciantes e iniciados na arte clown tiveram a oportunidade de aprender, nas oficinas ministradas durante o festival, um pouco da técnica de estrelas internacionais como Julien Cottereau, o italiano Leris Colombaioni e o argentino Chacovachi, além de assistir aos ídolos em ação. As salas da Funarte também receberam o grupo Gardi Hutter, da Suíça, o Momo Teatro Pantomina, do México, e o novo espetáculo Circo Teatro Udi Grudi.

No Clownbaré, circo de lona montado no gramado do Complexo Cultural da Funarte, os heróis da marmelada estavam bem próximos à plateia, num palco baixo e à distância de um toque. Logo à frente, uma roda de brincadeiras e acrobacias ao ar livre se formava nos momentos em que a chuva dava uma trégua.

Circulando por esse espaço democrático, era possível cruzar com artistas à paisana. Abordado sem figurino, o palhaço argentino Chacovachi deixou claro o orgulho em participar do festival. ;O grande mérito do evento é a troca entre artistas. O palhaço brasileiro, espiritual e sensível, tem muito a ensinar ao argentino, um palhaço maldoso e atrevido. Há 15 anos, tenho contato com a cena brasiliense e aprendo o tempo todo. Com o festival, isso se potencializa;, garantiu Chacovachi, que trouxe à cidade o espetáculo Cuidado! Um palhaço pode arruinar sua vida e dirigiu a companheira, a palhaça Maku Jarrak, em pequenos números apresentados no Clownbaré.

Como é o seu processo de criação?
O teatro é a arte da transformação para mim e o clown é a maneira que isso acontece. No processo de criação de um personagem, a gente aprende quem a gente é. É uma evolução. A gente se move no processo e usa a imaginação para chegar a quem a gente quer ser e o que a gente pode ser. Já a minha técnica vem da minha história, das coisas difíceis e afortunadas que me aconteceram, como a entrada na Escola Superior de Teatro, a participação no Cirque du Soleil e os desafios que enfrentei por causa disso.

Você se considera um mímico moderno?
O meu objetivo não é a modernidade. Contanto que as pessoas riam e viajem com a imaginação, meu objetivo está garantido. Se isso torna minha arte moderna é legal, mas se me disserem que saiu clássico, para mim está tudo bem. Eu uso sons com a mímica. Com isso, entra música deixa de ser apenas pantomina (mímica exclusivamente gestual), que é mais clássica.

O caráter inocente de seu personagem em Imagine-toi é uma forma de mostrar sua perspectiva de criação teatral, de ver o mundo com os olhos de uma criança?
Inocência é como um estado. O palhaço usa essa característica para realçar cores e detalhes. Inocência é a chave, porque nós precisamos dessa inocência na vida e essa faísca permite que nos comuniquemos com outras pessoas. Ela abre as portas para tudo e é uma forma de aprender. E a técnica clown é como a infância, da pessoa que vê tudo pela primeira vez. Como a criança, a gente quer ir até o limite no processo de conhecimento da gente e do mundo.

Todos podem ser palhaços?
Claro! As pessoas podem escolher por não ser. Mas todos têm um potencial, basta querer.

Tags

Os comentários não representam a opinião do jornal e são de responsabilidade do autor. As mensagens estão sujeitas a moderação prévia antes da publicação