Limoeiro do Norte (CE) ; pequena e quente Limoeiro do Norte, distante 300km de Fortaleza, foi pela quarta vez a capital dos mestres do mundo. Durante quatro dias da semana passada, representantes de saberes como dança, música e artesanato de matrizes indígenas, negras e europeias se reuniram para intercâmbio de técnicas e informações.
Num calor abrasante, a reportagem do Correio e alguns participantes do evento seguiram o trajeto Fortaleza-Limoeiro, localizada no Vale do Jaguaribe. A paisagem do trajeto mudava à medida que o ônibus ganhava a estrada. As grandes plantações de caju ocuparam a atenção dos paranaenses do grupo folclórico de fandango Pé de Ouro, estreando participação no encontro. ;Olha só, as casas não têm reboco;, diziam admirados. Uma chuvinha fina serviu para aliviar a temperatura. A água tem um significado especial quando cai do céu justamente em 19 de março, feriado do Dia de São José, santo padroeiro do Ceará. ;É sinal de bom inverno. Louvado seja!”, repetiam os cidadãos limoeirenses sobre o fenômeno climático, único capaz de aplacar o calor de 45;, comum na região. Louvados sejam os aparelhos de ar condicionado e os refrescos de cajarana que também ajudavam a deixar a sensação térmica mais agradável.
Quem esperava uma Limoeiro no lombo de um jumento ou espreguiçando numa cadeira de balanço, se decepcionou. Na cidade, os sertanejos se locomovem em motos Bizz e se comunicam por internet wireless. Os mais jovens desfilam tênis Nike Shox e participam de rodas de break, ao som do hip-hop. Nem por isso tratam com desrespeito as manifestações culturais populares. Todos os 120 mestres, homens e mulheres, mereceram uma sincera reverência tanto pela organização quanto pela população. Os mestres retribuem. Mesmo com o cansaço de horas de viagem, todos se esmeram para apresentar suas melhores performances.
Os mestres brasileiros são gente simples, acostumados à lida na roça. É o caso do rabequeiro cearense Antônio Hortêncio, 82 anos. Músico desde a adolescência, aprendeu sozinho o cuidado com a afinação e os reparos do violino dos sertões. ;Faz uns 15 anos que ele conseguiu trazer os documentos para Fortaleza e entrar nesse negócio de cultura;, destaca a esposa do seu Hortêncio, dona Belinha. Mas antes ele já não estava nesse negócio de cultura? ;Regularizado assim, não;, explica sobre a obtenção do registro de músico profissional.
A programação começava a partir das 9h, todos os dias, em roda de mestres, montada no câmpus da Universidade Federal do Ceará. Numa delas, o pernambucano Zé do Pife pede o auxílio de um zabumbeiro para sessão de forró de pé de serra sem ensaio prévio. Em instantes, uma animada roda é formada com pandeiro, zabumba, rabeca e triângulo. A palavra improviso salta à mente de quem pôde assistir ao encontro. Mas, talvez, espontaneidade sirva como melhor definição.
Há cinco anos, o cantor Siba, famoso como vocalista da banda Mestre Ambrósio (uma das representantes do movimento mangue beat, de Recife) morava em São Paulo quando tomou uma posição importante. ;Decidi me mudar para Nazaré da Mata (região interiorana da Mata Norte, em Pernambuco) e fazer um mergulho profundo pelas estéticas populares da Zona da Mata Norte, misturado a um som mais bruto do rock and roll;, desenvolve o cantor. Do projeto, nasceu a banda Siba e Fluoresta com artistas de Nazaré. A mescla de ritmos é utilizada em trabalho totalmente autoral de Siba. ;Não fazemos covers. Eu compus as canções e os arranjos;, revela o maestro. Os músicos da Mata Norte foram responsáveis por uma enorme roda de ciranda no encerramento do 5; Encontro de Mestres do Mundo, no sábado à noite.
Eles não foram os únicos. Renato Borghetti e Monarco e a Velha Guarda da Portela levantaram a plateia durante os dias de festa. Porém, hit mesmo fez o paulista de Lagoinha Amarildo Pereira. A canção de um verso só apresentada a todo instante de tão óbvia, faz rir: ;A véia que o trem matou, morreu;, era repetida em looping até virar refrão chiclete. ;Essa música é um clássico caipira de Canarinho e Passarinho. Ela está no meu repertório há uns 10 anos e eu canto para divertir o povo mesmo;, assume Pereira. Bom humor é isso aí! Ao fim da curta viagem de três dias pelas entranhas de um Brasil múltiplo, sobram apenas o cansaço e a sensação de que a sabedoria de todos os mestres do mundo não cabe em poucas linhas.
; Badia e Zé do Pife brilham
Do sertão para o Centro-Oeste em segundos. ;Brasília era um deserto, transformou numa cidade. Deixando a recordação, a lembrança do passado/ Revivendo o novo mundo com sua modernidade/ O povo está esquecendo as coisas da antiguidade/ O que passou, passou não tem mais utilidade/ O que resta no meu peito é a dor de uma saudade;, diz os versos da composição de Badia Medeiros. Morador de Formosa (GO), o mineiro natural de Unaí era o mestre representante de manifestações comuns no Centro-Oeste como moda de viola e danças catira, curraleira e lundu.
;O Brasil já foi muito grande. Hoje, ele é pequenininho;, constata Badia, sobre a grande quantidade de manifestações populares existentes no Brasil e que ele já conheceu graças aos encontros dos mestres do mundo. Ele é um dos responsáveis pela manutenção da cultura rural se equilibrando como músico, fazendeiro e professor para qualquer um que se interesse por sua arte. ;Ensino na minha casa mesmo. Pode ser criança, adulto, jovem, idosos;Quem quer consegue aprender;, esclarece Badia.
Nascido em São José do Egito, em Pernambuco, Zé do Pife é morador de Brasília desde 1993. ;Eu sou mais conhecido que bolacha de padaria lá na capital, mas nunca encontrei um menino bom assim lá em Brasília. Estou muito admirado com esse menino;, derrama-se o mestre sobre o garoto de 11 anos Alexandre Camelo Sawatani, aprendiz de pífano, que foi adquirido durante os dias de evento. Com algumas horas de ensaio, Sawatani dividiu palco com Zé do Pife. Se o pequeno estudante seguirá com os estudos, só o tempo dirá.
A repórter viajou a convite da produção do evento
Ouça a música Marcha dos Mestres, de Mestre Antônio Hortênsio & Conjunto Arte e Cultura de Rabeca