Jornal Correio Braziliense

Diversão e Arte

Com o lançamento de Zoo, Nestablo Ramos Neto se confirma como um dos mais ativos autores de quadrinhos de Brasília

No filme O planeta dos macacos, de 1968, o astronauta vivido por Charlton Heston se depara com um mundo no qual os humanos são tratados como animais e símios superdesenvolvidos dominam a Terra. O longa-metragem faz uma reflexão sobre o momento vivido pela humanidade naquele fim dos anos 1960 (a Guerra Fria, o medo de um conflito global e suas consequências). A inversão de papéis nunca saiu de moda e sempre funcionou para jogar luz sobre diversas questões. Afinal, nada como se sentir na pele do outro para enxergar as coisas de uma perspectiva diferente.

A partir dessa premissa surgiu a história em quadrinhos Zoo, de Nestablo Ramos Neto. Na HQ, os humanos são matéria-prima para os mais diversos produtos, servem como animais de tração, bichos de estimação e cobaias de experimentos científicos. O título marca a estreia de um autor de Brasília por uma editora especializada em quadrinhos, a paulistana HQM. Dentro da recente produção brasiliense nessa área, é também a primeira obra bancada por uma editora e não auto financiada.

;Zoo nasceu em 1998, depois de eu assistir a uma reportagem sobre uma famosa modelo brasileira sendo fotografada usando roupas feitas de peles de animais, mesmo dizendo que nunca faria isso. Achei uma tremenda sacanagem e pensei: como seria se fosse o contrário?;, lembra o desenhista. Nos anos seguintes, Nestablo foi desenvolvendo o roteiro e mudando aspectos do desenho até chegar ao resultado final, que une doses de aventura, humor e romance.

Na trama, um grupo de animais antropomórficos milita contra a exploração humana. O protagonista é Sims, um fotógrafo chimpanzé atormentado por visões de um outro mundo, no qual são eles, os animais, as vítimas de exploração (qualquer semelhança com a realidade não é mera coincidência). Para Nestablo, além de uma boa história, o tema possibilita o exercício da comunicação em prol de uma causa: ;Não sou um ativista extremista ou algo do tipo. Mas o sofrimento que os animais passam debaixo de nossos olhos é inacreditável. Quando comecei o livro, fui pesquisar sobre o assunto e conheci pessoas que dedicam suas vidas a ajudar esses animais. Acabei ajudando também e ajudo até hoje, não tem como ficar passivo diante disso. Me considero um comunicador e quero usar minha arte, meu trabalho para ajudar na conscientização. Acho que todo artista deveria pensar assim;.

Trajetória

Se em Zoo Nestablo apresenta um bom domínio das técnicas das histórias em quadrinhos (roteiro, desenhos, arte-final e cores), isso é fruto de anos de prática. Atualmente, ele é um dos mais antigos quadrinistas de Brasília em atividade. Aos 36 anos, esse carioca criado na capital federal desde criança tem um currículo vasto, que inclui trabalhos para a Disney, publicações pela editora Escala (um título próprio de terror e suspense chamada Carcereiros e HQs sobre a banda Iron Maiden), e aquela que talvez seja a sua mais popular criação, a série Zona Zen.

Publicada entre 2004 e 2008 na revista brasiliense semanal (e gratuita) Tablado, Zona Zen só foi interrompida por conta da quantidade de trabalho que o desenhista acumulou. As histórias mostram um personagem masculino e sensível e seus problemas de relacionamento. ;Eu queria mostrar que não são só as mulheres que passam por esses desafios, que os homens também têm dificuldades de se relacionar;, conta o autor. ;No entanto, o leque foi se abrindo e as histórias começaram a abordar todo tipo de relacionamento, mas o foco sempre foi romântico. A princípio, Zona Zen era voltada ao público adolescente e adulto, mas como a revista é aberta a todos, muitas crianças tiveram acesso e liam junto com os pais. A participação do público foram fundamentais no direcionamento das histórias. Foi fantástico!” Por conta desse trabalho, Nestablo foi indicado ao Prêmio HQMIX como roteirista revelação em 2007.

Favoritos

Como todo desenhista, Nestablo curte quadrinhos e desenhos animados desde a infância. Sua formação é autodidata. ;Meus pais me incentivaram comprando livros de desenho e revistas em quadrinhos. Em Brasília, naquela época, não existiam cursos para essa área, aprendi fazendo;, conta. Sobre seus artistas favoritos e os que mais o influenciaram, ele cita Alex Raymond, criador do Flash Gordon; Hergé, o pai do Tintim, o desenhista de mangás Ryoichi Ikegami (de Crying Freeman e Mai, a garota sensitiva), Bruce Timm, conhecido por seu trabalho na série animada do Batman e os brasileiros Ziraldo; e Jô Oliveira.

Atualmente, Nestablo trabalha na continuação de Zoo (com previsão de lançamento para dezembro) e outros projetos para a editora HQM. ;Estamos discutindo a possibilidade de lançar uma coletânea da Zona Zen. Outro projeto que estou desenvolvendo em parceria com eles é uma revista em quadrinhos, em estilo mangá, sobre corrida de carros chamada Pole Position. Os carros de corrida são todos gerados por computador, em 3D. Será algo bem diferente dentro do nosso mercado;, adianta.

Mesmo com todos esses projetos engatilhados, Nestablo ainda não vive de sua produção de HQs. Os quadrinhos são sua paixão, mas seu ganha-pão é como designer gráfico. ;Qual artista não deseja viver se sua arte? É o sonho de qualquer um, mas a realidade, infelizmente, é bem diferente;, pondera. Mesmo diante das adversidades, ele parece incansável. ;Luto para ver essa arte cada vez mais reconhecida e admirada. É a minha vida!”, afirma.

ZOO
De Nestablo Ramos Neto. 136 páginas. HQM Editora. R$ 34,90

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