Jornal Correio Braziliense

Diversão e Arte

Escritora declara seu amor à cidade e destaca a importância da poesia para mudar a vida das pessoas

Da primeira vez que a poeta e atriz Elisa Lucinda pisou o solo de Brasília foi para dar passos de consagração. O prêmio de atriz revelação no Festival de Brasília do Cinema Brasileiro, em 1989, inspirou o primeiro texto dedicado à cidade, BSB, argumento do meu coração, e marcou o início de uma ligação umbilical com a capital de JK. Meu exibido amor, carta endereçada a um amante, na verdade, o céu de Brasília é sempre sacado da memória (com capacidade para armazenar milhares de poemas) e declamado por exigência da plateia. ;A cidade é muito inspiradora. Me dá vontade de escrever aqui;, declara a cronista semanal do caderno Diversão & Arte, do Correio Braziliense, atividade que exerce há cerca de nove meses. Os desdobramentos do escândalo de corrupção envolvendo o alto escalão do Governo do Distrito Federal inspiraram uma mensagem de solidariedade da mais nova cidadã honorária da cidade, título recebido na semana passada: ;Brasília não tema, sou sua mais valente filha que voltou para casa;.

;Não falem mal de Brasília;
PLANO PILOTO

;A cidade é muito inspiradora. Uma paisagem. Cheia de áreas livres, cheia de bosques. Para mim, é uma cidade verde, eu não acho que seja de concreto. O céu é aberto. Pertinho, sabe? A única crítica que eu faço é que o Plano Piloto não é para as cidades-satélites. As cidades servem Brasília, mas elas não desfrutam das mesmas regalias de quem vive aqui. Quem mora em cidade-satélite perde os benefícios que o Plano tem e quem mora aqui perde o novo, né? O novo trazido pela força trabalhadora e criativa sempre traz um bem para a cidade. Eu vejo o que acontece quando as pessoas conseguem furar essas barreiras. O mundo é muito melhor misturado.;

BRASILIENSES
;O espaço é inspirador, mas as pessoas também. Acho Brasília muito híbrida, ela é feita de bravos. Quem topou vir para cá, para uma cidade que estava começando a ser construída, foi gente visionária, ousada; e veio de vários Brasis. Tem gente do Acre, de Rondônia, do Nordeste. Então, é um povo novo e muito diferenciado do Brasil inteiro. Nasce um caldeirão étnico muito bom. Para mim, já nasce melhorado. É um povo sensível, inteligente, animado. Tudo de bom. E acho que Brasília não merece que se falem mal dela.;

CORRUPÇÃO
;Quando eu digo para as pessoas que vou a Brasília e elas torcem o nariz eu pergunto: ;Mas você conhece Brasília?. Então, por que você torceu o nariz?;. É uma generalização que Brasília não merece. Ofende muito a gente honesta daqui, machuca demais. É uma leviandade, mas é por causa das más companhias. Nós temos uma oportunidade boa de reescrever a história. Um movimento pró-ética e de dignidade da cidade tem crescido cada vez mais. Acho que os honestos estão menos tímidos. Eles foram convocados a demonstrar sua honestidade. A honestidade estava enrustida e ela está saindo do armário. O Brasil inteiro está de olho no que acontece aqui. Esse é um assunto em que Brasília tem de ser exemplar. Ela é a capital do país, a sala do país. Tem de ter comportamento exemplar. Eu acho que esse tempo já começou. São os filhos e os netos desses que estão aqui é que vão mostrar que pode ser diferente e vai ser diferente.;

CIDADÃ HONORÁRIA
;O título de cidadã honorária de Brasília é o clímax da minha relação com a cidade e tem mais, me autoriza a usar isso. Quando eu digo a palavra usar não é no sentido do supérfluo. Eu não quero título de conde. Conde não faz nada. O título regulariza minha situação com a cidade e eu vou usar isso, porque me sinto filha para defendê-la, para me colocar à disposição, para oferecer meu trabalho.;

POESIA
;Para mim a poesia é a conexão com a realidade. Ela é a tradutora. Tem uma lacuna entre a realidade e como essa realidade bate no peito de um ser humano. Quem faz essa tradução é o poeta. É um trabalho específico. Todo mundo passa pela formiga e nem nota. Viram, mas não viram. O poeta coloca: ;A formiga caminha com um naco de pão e etc, etc.;. As pessoas sempre me dizem que eu falo o que elas queriam dizer. E eu leio os outros poetas porque eles falam o que eu queria falar. Todo mundo leva chifre. Todo mundo perde pai e mãe. Todo mundo sofre de amor. Todo mundo tem suas mazelas. Mas só quem dá esse testemunho, e por escrito, é o poeta. Então, é muito importante. Para mim, é a coisa mais útil. Os poetas são tradutores dos processos humanos e a poesia é mais rápida que um livro de filosofia. Um verso pode matar a charada de um compêndio. Me lembro de um poema do Mário Quintana que diz: ;Morrer devia ser assim, um céu que pouco a pouco escurecesse e a gente nem soubesse que era o fim ;. Não preciso dizer mais nada.;

CONVERSA POÉTICA
;Eu proponho sim uma maneira de declamar poesia que é mais próxima da conversa. Proponho e vivo fazendo oficinas que ensinam as pessoas a declamar poesia de um modo coloquial. No Rio de Janeiro, tenho um projeto com as professoras das escolas públicas porque elas não sabem ler poesia, então fogem do assunto. Quando os alunos ouvem a professora declamar poesia daquele modo horrível (impostado, informal )acham que poesia é uma coisa que ninguém entende. É toda a cerimônia que, para mim, a poesia não precisa. Dispenso a cerimônia. A poesia existe para traduzir um assunto quente. Ela é a fotografia de palavras do momento. Todo o meu trabalho é esse. Eu quero fazer uma película de palavras, da minha obra. Esse trabalho populariza a poesia. O serviço do poeta é uma coisa muito esclarecedora para a raça humana.;

PROFISSÃO DE FÉ
;Eu não sobrevivo de poesia. Eu vivo de poesia e vivo bem. É diferente. Sobreviver é estar na linha do necessário. Não é o meu caso. A poesia já comprou casa para mim. Antigamente, eu achava que ela era boazinha comigo. Agora, eu entendo que não. Ela está correspondendo. Eu me dediquei toda a ela. A poesia, para mim, é esse sopro que humaniza o homem. Ela constrói cidadania, gera autoconhecimento e pode se usada como primeiros socorros para quem está em pré-surto. Você pode esclarecer sua visão com as informações que a poesia traz. Eu acredito nisso. Ela não atua como as pessoas pensam como uma nuvem, numa esfera subjetiva. Ela atua na subjetividade do cotidiano.;

INTERNET
;Ferramentas como o Facebook ou Twitter, às vezes, parecem um reality show. Eu não quero saber. Não sou voyer disso. Tem o ;internautês;, ou sei lá como é o nome daquela língua péssima, cheia de abreviaturas! Mas, por outro lado, acho que a gente voltou a escrever cartas (via rede) e isso é muito bom. Então, democratizou muito. Deu voz a muita gente. Eu não demonizo a internet, não. Rola muita poesia pela internet. Isso é muito importante.;

CRONISTA
;Eu sempre fui cronista e sempre sonhei em escrever para um jornal. Mas eu nunca publicava. Eu escrevia e deixava lá no meu computador. Então, eu fiz um livro chamado Crônicas do jornal de amanhã, que já está pronto. Eu sempre li Martha Medeiros, Luis Fernando Verissimo. Rubem Braga é meu mestre. Clarice, com a obra dela, autorizou que meus pensamentos mais malucos fossem colocados em cena.;

Ouça áudio da entrevista com Elisa Lucinda e mensagem de solidariedade a Brasília