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Dossiê Rubicão: Ramiro Batista escreve ficção a partir da campanha pelas Diretas Já

Belo Horizonte ; O difícil desafio de partir de fatos reais para se criar ficção, expediente usado por Ramiro Batista para escrever O dossiê Rubicão, quando a morte assume o poder, que ele lança hoje no Palácio das Artes, foi enfrentado na medida certa. Jornalista experimentado em redações, ex-diretor de Comunicação institucional da Assembleia Legislativa de Minas Gerais, Ramiro escreveu um romance no mínimo curioso. Tendo como pano de fundo a luta pelas Diretas Já, que mobilizou o país em 1984, ele misturou, na tentativa de seduzir o leitor, ingredientes fortes da literatura contemporânea, como sexo, drogas, traições e investigações policiais. Junte-se a isso tudo a política, com seus jogos e artimanhas, e o resultado pode surpreender.

E ele conseguiu. Num ritmo ágil, como num thriller policial clássico, é contada, mesclada por várias outras, a história de Gustavo Guerra, jornalista jovem, cheio de ideais, que chega à redação de um jornal de São Paulo e se apaixona por uma fotógrafa, Camila Leão. Só que ela guarda um segredo: a cópia de um dossiê comprometedor, batizado Projeto FR ou Folha Rubicão. É um documento sobre uma possível reformulação do jornal, no qual também é feita uma análise da sucessão presidencial, que poderia levar Tancredo Neves à Presidência da República. Ou talvez não, já que pelo dossiê a oposição também trabalhava com a hipótese das eleições diretas não serem aprovadas e de tudo não passar de uma bem engendrada armação política. E essas informações eram desconfortáveis, tanto para a oposição como para o governo, porque denunciavam muitas falcatruas de ambos os lados.

Nesse meio tempo, o tórrido amor de Gustavo por Camila, misturado às obrigações profissionais, acaba levando-os ao Rio de Janeiro, onde seguem para cobrir um grande comício pelas eleições diretas, no qual deverão comparecer dezenas de milhares de pessoas, numa corrente de grande mobilização que tomava conta do país. Todos os líderes políticos da oposição ; Tancredo, Ulysses Guimarães, Leonel Brizola, Lula e muitos outros ; estariam lá. Alguns setores militares se sentem ameaçados. No meio dessa confusão, Camila desaparece em circunstâncias misteriosas e o corpo surge depois, numa praia do Recreio dos Bandeirantes, em área restrita à Marinha. Tudo levar a crer que foi coisa da linha dura, talvez queima de arquivo.

Direita e esquerda

A esse episódio segue-se uma série de ações militares que ameaçam de retrocesso à tentativa de abertura política. Gustavo Guerra, envolvido emocionalmente com o caso e também por dever profissional, começa a investigar as circunstâncias da morte de Camila. Pode sobrar para todo mundo, dos militares à oposição. Mas pode não ser nada disso. Como se não bastasse, o jornalista acaba descobrindo que Tancredo Neves tem uma doença grave.

;Criei essa ficção e construí o suspense a partir do advento das Diretas Já, para poder falar desse episódio que, a meu ver, é um dos mais traumáticos e ricos da história recente do Brasil;, diz Ramiro. Toda a história, na qual realidade e ficção caminham juntas, se passa no breve período que vai do fim de janeiro 1984, quando é realizado o primeiro grande comício pelas Diretas, na Praça da Sé, em São Paulo, até 15 de março de 1985, dia da posse de Tancredo Neves como presidente da República.

O mineiro não assumiria seu papel histórico, devido à sua morte, 38 dias depois, em São Paulo. De acordo com Ramiro Batista, que do início das pesquisas até a conclusão do livro gastou três anos de intenso trabalho, o principal esforço foi no sentido de que os fatos reais fluíssem dentro da história. ;A preocupação era a de que os acontecimentos reais não servissem de entrave, mas de alavanca para empurrar a trama;, completa.


O DOSSIÊ RUBICÃO ; QUANDO A MORTE ASSUME O PODER

De Ramiro Batista,Editora
Batel, 512 páginas, R$ 55.