A xilogravura e a literatura de cordel são artes tipicamente nordestinas que trilham caminhos parecidos. Mais precisamente, há 102 anos. Em 1907, a gravura do cangaceiro Antônio Silvino apareceu em um trabalho poético de 48 páginas sobre a vida do fora da lei, em edição de Francisco das Chagas Baptista. Com mais de 5 mil folhetos de cordel e 500 xilogravuras, o colecionador baiano Jeová Franklin possui um ateliê repleto de peças raras da cultura popular brasileira. Seu artista favorito, o pernambucano José Francisco Borges, que assina como J. Borges, foi escolhido para dar início a uma série de livros que tentam resgatar uma arte ;quase extinta;, segundo ele. Em J. Borges ; Vinte historinhas para crianças, Franklin reedita 20 histórias de J. Borges em fac-símile e gravuras em versão original e coloridas pelo autor especialmente para a publicação.
A paixão de Franklin pela xilogravura na literatura de cordel nasceu nos anos 1980. Como jornalista, escreveu reportagens sobre o tema e conheceu grandes artistas nordestinos. Depois do mestrado na UnB e da aposentadoria, o repórter se tornou pesquisador e colecionador. Em 2007, publicou o livro-reportagem Xilogravura popular na literatura de cordel, pela editora LGE.
A justificativa de iniciar a série de livros com os maiores xilogravadores do país com J. Borges é a universalidade da obra do artista. ;Em sua maioria, eles são praticamente analfabetos, mas apresentam um estilo clássico, como o Borges. Em qualquer gravura, percebe-se a complexidade de cores, tamanhos e temas. As imagens capturam o cotidiano nordestino com sensibilidade e ainda narram histórias mágicas. E a gente não sabe de onde vem isso;, explica.
Os folhetos de cordel são guardados cuidadosamente em embalagens plásticas, divididas por autor. As xilogravuras ficam nas estantes, mas ainda sem classificação. ;É muita coisa para guardar e organizar!”, brinca o colecionador de 69 anos. A poesia ilustrada com xilogravuras, apesar de extensa produção, demorou a receber reconhecimento no Brasil. ;Infelizmente, só depois dos anos 1960, quando os europeus começaram a receber cópias para exposições;, lamenta.
Antes do diálogo com o cordel, a xilogravura, técnica que chegou ao país no período colonial, estampava tecidos, papéis de parede e outros suportes. No século 19, ilustrou obras literárias e jornais. Hoje, Franklin reconhece que a tecnologia e as técnicas digitais de edição de imagem enfraqueceram a tradição xilográfica. ;Quem mantém a coisa viva são os colecionadores, pesquisadores e os artistas que guardam suas matrizes;. O volume J. Borges ; Vinte historinhas para crianças, lançado pela nova editora Lunario, tenta adiar a extinção dessa arte popular.
Para saber mais
A xilogravura é basicamente um processo de gravação em relevo que tem a madeira como matriz e possibilita a reprodução da imagem gravada sobre papel ou outro suporte adequado. Para fazer uma xilogravura é preciso uma tábua ou compensado e uma ou mais ferramentas de corte (pequenos cinzéis), com as quais se cava a madeira de acordo com o desenho planejado. Essas áreas cavadas não receberão tinta e a imagem vista na madeira sairá espelhada na impressão; no caso de haver texto, gravam-se as letras ao contrário. Depois de gravada, a matriz recebe uma fina camada de tinta espalhada com a ajuda de um rolinho de borracha. Para fazer a impressão, basta posicionar uma folha de papel sobre a prancha entintada e fazer pressão manualmente, esfregando com uma colher ou mecanicamente, com a ajuda de uma prensa.
Veja trechos do livro sobre J. Borges