Jornal Correio Braziliense

Diversão e Arte

5ª edição do Festival Quaresmada reúne no Conic bandas de rock femininas

Num clima nada carnavalesco, no meio do som pesado do 5º Festival Quaresmada, da noite do último sábado, a baixista Adriana (da banda Terror Revolucionário) esteve no que o colega Fellipe CDC chamou de "comissão de frente", no evento realizado no Conic. O posto, porém, não foi exclusivo: na série de shows, as integrantes do rock dominaram a cena dedicada à comemoração do iminente centenário do Dia Internacional da Mulher. "Queremos que as pessoas apreciem a música, não por sermos mulheres e nem que sejamos comparadas com os homens", comentou Ludmila Gaudad, vocalista do Estamira, uma das atrações da Quaresmada, com os grupos Kaus Anti-Repressor, Os Delatores, Bonecas de Trapo e Dog Savanna. Mulheres tocando rock foram o principal chamariz, descoberto via internet, para a presença da estudante Halem Gabriele, 22 anos, na plateia. "O conteúdo das músicas é libertário e revolucionário", observou Halem, com a amiga Thayssa Vanessi, 19, outra debutante na interação com o som underground. "São pessoas extravagantes, que a gente não vê no trabalho, por exemplo. O público tem ideias parecidas, e todos ficam à vontade, do jeito que são", comentou Thayssa, a postos para abastecer um blog de cultura mantido com Halem. Músico do time hardcore, Felipe Rodrigues (do Under the Ruins) curtiu o ambiente alternativo dos shows no Conic, "tudo sem violência e num local esquecido, sem revitalização". Depois de ouvir um refrão da banda do Setor P. Sul Os Delatores ("a única saída é anarquia já"), o filósofo desempregado Gustavo Oliveira, 26 anos, comemorava o entrosamento com o "esquemão tosco" dos shows: "A diversão está em tudo não ser tão bem ensaiado, e as bandas estão no mesmo nível do público. É uma experiência democrática". Na defesa de um "punk de subúrbio" da Kaus (de Águas Lindas de Goiás), a guitarrista e vocalista Geisa Azevedo, uma das reverenciadas na bateria de shows, avaliou a produção musical como "voltada tanto para a crítica ao sistema, como para as zoações do dia a dia". "A gente protesta contra quem pratica o mal", resumiu. Denúncia social Ora nas letras subentendidas da turma do Dog Savanna (com mix de roqueiros do Plano Piloto, Guará e Sobradinho), como na música Marfim, ora explícitas, como em trecho de Tudo mudou ("Governo novo / Tudo mudou / Você, que era nada / agora é ninguém", assinado pelo Terror Revolucionário), o manancial de denúncia social não foi esgotado no palco. "É legal porque tem letras revoltadas de meninas com raiva", comentou a estudante de enfermagem Aline Lins, 21 anos, ao falar do potencial Bonecas de Trapo. Moradora de Valparaíso, Aline arrastou a colega vendedora Raquel Martins, que aprovou o som. "As letras falam e dão incentivo para coisas legais", disse. Por vezes, donas de uma "provocadora postura sexista" (pelo que se gaba a baixista Cilene Tyler), o trio da Bonecas de Trapo exaltou, nos acordes, o "mau exemplo, péssimo exemplo" contido numa das letras. Tendo beleza como aliada, as primas Cilene, Raiane Gonoli (bateria) e a cunhada Deydi Silva (vocal) demonstraram o talento que "está no sangue", como sublinhou Cilene. Sem muita pretensão musical - "a gente toca só para curtir o som e liberar o estresse%u201D -, Cilene voltou ao tema indireto da expressão feminista do Quaresmada: "No palco, o assédio até existe, mas é só não se envolver". A postura ferrenha fez par com o metalcore - "de pegada mais forte, com músicas berradas", como definiu a baterista Kallyfa Lopes - emanado pela banda Estamira. Com trecho de Música de amor ("Do amor à dor") tatuado no antebraço, Kallyfa foi a prova de que o Quaresmada com "ruído rosa" não teve nada de "baladinha". O número 6 Número de bandas que participaram do 5º Festival Quaresmada Público do 5º Festival Quaresmada "O underground é a voz dos excluídos. As bandas, geralmente, vem do subúrbio, com a fúria de mostrar que estão vivas" - Marley Fernandes, vocalista do The Nois. "Gosto da conjunção de tudo: o som, as letras e a música. O rock é sinônimo de libertação e meio de expressão. Foi uma das maneiras de ficar mais parecido com meus amigos" - Bruniel Lopes, 17 anos, estudante do ensino médio, em Planaltina. "Pena que não deu para publicar no zine de divulgação (o Zine Oficial), a nossa história em quadrinhos, com a Chapeuzinho Roqueira que, a caminho da casa da vovozinha (para ouvir vinis), é interceptada pelo Lobo Mau, um antigo caso, que, voltado para política, fuma arruda na floresta" - Tomaz da Rocha, um dos organizadores do evento. "O som é de uma galera presença que tá dentro da onda de qualidade" - Raildo Rato, músico. "As mulheres dão toques diferentes nas bandas, normalmente, dominadas pelos homens" - Eliana Nazaré, 28 anos, estudante de psicologia. "O festival dá ênfase que nós (mulheres) existimos e tocamos" - Seven, guitarrista da Dog Savanna. "Nossa banda tem muitos CDs, até porque não vendemos quase nada. Acho que os CDs inclusive procriam nas nossas gavetas" - Fellipe CDC, vocalista da Terror Revolucionário. "A baterista Myrian trouxe uma coisa diferente para a nossa banda que é bem agressiva" - Gleison Charles, vocal e guitarra de Os Delatores. "Nossa contribuição é a de trazer mais meninas para a cena" - Adriana, da Terror Revolucionário.