Jornal Correio Braziliense

Diversão e Arte

Escritores Nick Hornby e Dave Eggers levam às telas a leveza da literatura pop

O futebol e a música pop são e sempre foram as paixões declaradas do inglês Nick Hornby. Mas, por muito tempo, o escritor de Alta fidelidade e Febre de bola disfarçou uma inspiração não menos arrebatadora: o cinema. Quando ingressou na Universidade de Cambridge, aquele adolescente fã de Rolling Stones mal disfarçava o tédio diante da gramática dos professores. Preferia matar aula e tomar lições em salas de projeção. Sozinho, passava tardes inteiras ; quatro, cinco horas ; assistindo a comédias dos anos 1950 e fitas de Martin Scorsese. Os mestres da narrativa cinematográfica o ensinaram o que nenhum senhor da literatura conseguiu. Com eles, aprendeu a contar histórias.

Esse amor quase secreto explica por que, aos 52 anos, um dos autores mais populares da Inglaterra resolveu arriscar-se como roteirista de filmes. É bem verdade que ele ainda trata o ofício como hobby. Mas os elogios colecionados pelo script de Educação, que rendeu ao autor uma indicação ao Oscar, podem atiçar novas aventuras no ramo. O cinema, pelo visto, agradece a colaboração de escritores(1) como Hornby. O longa-metragem de Lone Scherfig (indicado também às estatuetas de melhor filme e de atriz, para Carey Mulligan) mostra o interesse dos estúdios por roteiros com ares literários, que rejeitam o modelo industrial dos blockbusters.

Dave Eggers que o diga. Em 2009, o romancista norte-americano assistiu de uma luxuosa arquibancada à ótima repercussão de dois textos que lapidou para as telas: a comédia agridoce Por uma vida melhor, escrita com a esposa Vendela Vida, e a fantasia excêntrica Onde vivem os monstros. Para valorizar o début, cercou-se de nomes respeitados no ramo. No primeiro título, que acaba de chegar ao Brasil no mercado de DVD, quem adapta a trama é o diretor Sam Mendes, oscarizado por Beleza americana. No segundo, a arte final ficou por conta de Spike Jonze, de Quero ser John Malkovich.

Ao lidar com a máquina audiovisual, tanto Hornby como Eggers adotam uma estratégia para não serem devorados pelo show business: tratam o cinema com leveza e despretensão. A tática, por enquanto, refresca obras beneficiadas por atmosfera quase caseira. Em Educação, que estreia na próxima sexta-feira, os diálogos têm a agilidade e o bom humor que não faltam num típico lançamento de Hornby, cuja prosa já foi traduzida quatro vezes para as telas. Já Por uma vida melhor não nega o traço autobiográfico de um autor que foi indicado ao Pulitzer por um livro sobre episódios da própria vida, o best-seller Uma comovente obra de espantoso talento, de 2000.

Curiosamente, à exceção de Por uma vida melhor, os dois autores usam as técnicas da ficção para expandir e, por fim, transformar obras escritas por outrem. Educação tem como referência um ensaio autobiográfico da jornalista britânica Lynn Barber, publicado na revista Granta. Já Onde vivem os monstros preenche as lacunas do livro infantil de Maurice Sendak, narrado com apenas 10 sentenças. ;Descobri que, a partir do momento em que eu começava a compor os personagens, aquela história passou a ser também minha;, explicou Hornby ao jornal Telegraph. A interpretação de Eggers para a fábula, também com um quê pessoal, acabou virando livro: Os monstros, publicado recentemente pela Companhia das Letras.

Túnel do tempo
O intercâmbio vibrante entre imagens e letras permitiu todo tipo de liberdade criativa. No túnel dos anos 1960, Hornby narra as descobertas de uma adolescente britânica, prisioneira de uma vidinha nada excitante, com um certo punch de rock ;n; roll. ;É a história de um adolescente suburbano que olha para um mundo aparentemente mais exótico e quer um pedaço dele. Não foi isso o que aconteceu com Rolling Stones, com The Band?;, provoca o escritor, que estreou no cinema com o roteiro de Febre de bola, de 1997. A personagem é apresentada a uma Inglaterra boêmia quando se apaixona por um homem mais velho, interpretado por Peter Sarsgaard. Em Por uma vida melhor, um jovem casal desbrava a América (num carro velho) enquanto procura um lugar para morar.

Eggers e Vendela Vida criaram o roteiro no período em que trabalhavam em projetos de literatura. Era uma espécie de distração. Grávida do primeiro filho, ela se sensibilizava com as expectativas da maternidade e tomava notas dos comentários de pessoas conhecidas, que davam os conselhos mais esdrúxulos para o casal. Esse amontoado de rabiscos, acalentado pelas lembranças de filmes de Hal Ashby (Muito além do jardim) e Alexander Payne (Sideways), originou o texto, captado rapidamente pelo radar de Sam Mendes.

Mais radical foi a experiência de Onde vivem os monstros. Depois de um telefonema de Spike Jonze, Eggers topou o desafio. Detalhe: nunca havia escrito um roteiro. ;Eu e Spike brigamos por cada palavra que está no filme;, contou à Newsweek. Daí a diferença entre um ofício e outro: ;A colaboração não poderia ter sido mais intensa;, observou Eggers. Mais pragmático, Hornby definiu o desafio como ;um processo de ficção;. ;Foi tão difícil quanto escrever um romance;, comentou. Aos fãs do escritor, resta torcer para que, depois da cerimônia do Oscar, Hornby escreva um belo livro sobre Hollywood.

1 - Jornalismo e ação
Se Nick Hornby é o representante da literatura pop no Oscar 2009, Mark Boal representa um outro filão da indústria do cinema: o desejo de realismo. O roteirista iniciante usa a experiência como jornalista para imprimir veracidade à trama de Guerra ao terror, um dos favoritos à estatueta de melhor filme. O cotidiano de soldados especializados em desarmar bombas na Guerra do Iraque é narrado em tom de reportagem. Antes disso, um artigo publicado por Boal na revista Playboy foi usado como base para o drama No vale das sombras, de 2007, como Tommy Lee Jones.

EDUCAÇÃO
(An education, Grã-Bretanha, 2009). De Lone Scherfig. Escrito por Nick Hornby. Com Carey Mulligan, Peter Sarsgaard e Alfred Molina. Estreia prevista para 19 de fevereiro.

POR UMA VIDA MELHOR
(Away we go, EUA, 2009). De Sam Mendes. Escrito por Dave Eggers e Vendela Vida. Com John Krasinski, Maya Rudolph e Maggie Gyllenhaal. Lançamento em DVD.

Nick Hornby

; Nacionalidade: Inglês, nascido em Surrey
; Idade: 52 anos
; Principais livros: Febre de bola, de 1992; Alta fidelidade, de 1995; e Um grande garoto, de 1998
; Roteiros para cinema: os longas ingleses Febre de bola, de 1997, e Educação, de 2009.
; Atividades extracurriculares: escreveu artigos sobre música pop para a revista The New Yorker e sobre literatura para a The believer. É torcedor apaixonado do Arsenal (time de futebol londrino) e fã da banda americana de rock Marah.

;No cinema, há inúmeras razões para fazer ou não um filme. E nenhuma delas tem necessariamente a ver com o roteiro. Essa é a grande diferença;

Hornby, em entrevista ao Telegraph
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--> Dave Eggers
; Nacionalidade: Norte-americano, nascido em Massachusetts
; Idade: 39 anos
; Principais livros: Uma comovente obra de espantoso talento, de 2000; O que é o quê, de 2006; Os monstros, de 2009.
; Roteiros para cinema: Os longas americanos Por uma vida melhor, de 2009 (com Vendela Vida), e Onde vivem os monstros, de 2009.
; Atividades extracurriculares: Administra a editora independente McSweeney e um centro educativo para crianças, troca figurinhas com astros de rock (participou do álbum The information, do Beck) e escreve livros infantis na companhia do irmão adolescente, Toph
;O mundo do cinema pode devorar escritores, e William Faulkner e F. Scott Fitzgerald viveram casos não tão felizes no ramo. Por isso trato o processo com despretensão. Se quiserem alterar meus roteiros, tudo bem;
Eggers, em entrevista ao The A.V. Club
Trailer de Por uma vida melhor, filme roteirizado pelos escritores Nick Hornby e Dave Eggers