Jornal Correio Braziliense

Diversão e Arte

Sob o sol da Flórida, o Surfer Blood dá de ombros para a farofada e cria um túnel secreto para os anos 1990

Quem visita o site do Surfer Blood é logo avisado: nesta banda, ninguém surfa. As praias da Flórida simplesmente não estão no mapa desse quarteto, que faz o possível para negar o colorido kitsch dos cartões-postais. O estado, que atrai cerca de 60 milhões de forasteiros por ano, é vendido aos turistas como um exótico playground a céu aberto, habitado por gente morena (tostada ao sol que frita o litoral) e personagens de contos de fadas, confinados no parque da Disney. A vida nesse oásis de plástico pode não parecer muito propícia ao rock 'n' roll. Daí a necessidade de evitar interpretações equivocadas: onde os estrangeiros enxergam água fresca, o Surfer Blood vê uma garagem abafada. E, claro, sangue. A adolescência de JP Pitts, TJ Schwarz, Thomas Fekete e Brian Black - todos na faixa dos 20 e poucos anos - não teve o clima praiano e arejado de um documentário sobre ratos de areia. Se traduzida para o cinema, daria em um misto de A vingança dos nerds com Escola de rock. Desde cedo, os meninos branquelos aprenderam a tomar raiva (e uma distância segura) dos fortões que desfilavam bíceps sarados no calçadão da West Palm Beach. Preferiam a segurança do lar, onde consumiam doses reforçadas de suplemento musical importados dos anos 1990. Discos do Pavement e do Yo La Tengo valeram por um ano inteiro de álgebra e gramática. Nessas sessões de "educação a distância", aprenderam a arranhar instrumentos e a adotar uma atitude irônica em relação ao showbusiness. "No sul da Flórida, o surfe é uma parte muito importante da cultura. É algo tão exagerado que chega a soar ridículo. Especialmente se você for uma pessoa como nós, meio nerd e esquisita", observa Jean Paul Pitts, 23 anos, ao site About.com. Já as guitarras da surf music são tratadas com carinho pela banda, que não esconde a influência de Beach Boys e Pixies. "A música que você faz sempre será um reflexo daquilo que você ouve. Nós passamos a adolescência ouvindo bandas dos anos 1990", reconhece o vocalista, que cita Dinosaur Jr. como uma das principais referências do disco. Reproduzir as ondas de distorção do My Bloody Valentine também foi uma meta do grupo, que, depois de rejeitar estúdios de gravação, decidiu abandonar qualquer sinal de sofisticação e registrar o disco de estreia numa engenhoca de Pro Tools. O ótimo Astro coast, lançado pelo pequeno selo Kanine Records, foi quase totalmente gravado e mixado dentro de um apartamento estudantil. Enquanto muitos amigos ganhavam trocados tocando em bandas de metal - uma febre na Flórida, terra do Limp Bizkit -, Jean Paul optou por um caminho um pouco mais íngreme e melodioso. A ousadia foi recompensada: apesar de ter sido lançado por um selo pequeno, entrou na lista de apostas para 2010 do site Pitchfork, da revista Rolling Stone e do semanário inglês New Musical Express. O entusiasmo de uma banda iniciante, que não tem medo de ser engolida pela correnteza, conta a favor deles. Além da intimidade com os anos 1990, que encharca a maior parte dos riffs, a banda experimenta o sabor tropical do afro-rock (à Vampire Weekend, em Take it easy) e remete à psicodelia pop do The Shins. "Tenho sentimentos dúbios em relação a West Palm Beach. Há poucos jovens na cidade e quase nada de novo na música. Quem forma uma banda precisa criar uma cena própria", resume. Na Flórida, o mar pode até não estar para rock. Mas, com Astro coast, o Surfer Blood mostra habilidade na arte de surfar contra a maré. SURFER BLOOD Conheça a banda da Flórida em www.myspace.com/surferblood. A banda lançou o CD de estreia, Astro Coast, pela Kanine Records. ****