Jornal Correio Braziliense

Diversão e Arte

Compositores incentivam seguidores a criar coletivamente músicas pelo Twitter

Os diretores do Royal Opera House de Londres andavam preocupados com a imagem da instituição. O gosto inglês pelas tradições não evitou o afastamento do público para bem longe do luxuoso teatro fundado no início do século 19, dedicado a apresentações de ópera. Os ingleses o enxergam como símbolo de elitismo e ostentação. A solução encontrada para popularizar o templo da ópera foi apelar para 140 caracteres de computador. Criado como rede social há quatro anos, o Twitter virou caminho para dinamizar o espaço cultural. Desde agosto passado, um libreto é escrito com a ajuda dos usuários do microblog, que hoje movimenta 11 milhões de internautas. A tarefa não é fácil. Por enquanto, os compositores virtuais criaram o bizarro caso de Hans, homem aprisionado numa torre por grupo de pássaros furiosos, com o assassinato de um dos companheiros. A única esperança do personagem é a ajuda da Mulher Sem Nome, que trabalha para libertá-lo em um laboratório distante. A subversão do enredo de contos de fada em uma ópera moderna despertou a curiosidade do público, dividiu a opinião da crítica especializada e causou rebuliço na imprensa do Reino Unido. Porém, muitos apostam que a história terminará como começou: sem pé, nem cabeça. Adeptos da ONG Música para Baixar, o líder do grupo cênico musical O Teatro Mágico, Fernando Anitelli, e o rapper brasiliense GOG pegaram a dianteira da nova moda e também encabeçaram composições via web. Em O que se perde enquanto os olhos piscam, do Teatro Mágico, objetos esquecidos, como toalhas de acampamento e batom de cacau, são numerados até que sejam encontrados novamente. A canção evolui para problemas sociais e a eterna falta de memória coletiva dos brasileiros quando o assunto é corrupção política. A música devidamente gravada já está disponível para downloads gratuitos no site da gravadora Trama. Sabendo do sucesso da empreitada feita pelo amigo, o rapper GOG enviou um tweet aos seguidores dele com o desafio: criar o tema "música e liberdade" em apenas 24 horas. O resultado já foi registrado em estúdio com participações de Ellen Oléria, Marcelo Mira e outros, mas ainda está sem previsão de lançamento na rede. Existe a possibilidade também de a música ser transformada em um videoclipe. "A indústria fonográfica sempre vendeu a ideia de que quem compõe músicas é um ser iluminado. Queríamos provar que não é bem assim, qualquer um pode compor", defende o rapper. Reza o velho ditado que duas cabeças pensam melhor do que uma. Será que o mesmo se aplica às composições feitas pela união de esforços no Twitter? "Existem muitas canções lindas com letras incoerentes. Açaí, do Djavan, por exemplo diz 'açaí guardiã, zum de besouro, ímã, branca é a tez da manhã'. Mas, eu achei que a nossa está seguindo um sentido porque elegíamos uma frase por semana e as seguintes eram baseadas na última criada", acredita Alexandre Carlo, líder da banda de reggae Natiruts. Há alguns meses, uma promoção foi lançada no site oficial da banda brasiliense para compor o "primeiro reggae feito pelo Twitter no Brasi"%u201D e rendeu até agora uma música com 12 frases. Em vez de lançar um tema, o reggaeiro, que seleciona pessoalmente os melhores versos, optou por escrever a primeira frase: "Troque o medo em seu peito por amor." Atualmente, é decidido qual será o refrão. O nó da criação Acostumado a começar as composições pela melodia, o vocalista e arranjador Alexandre Carlo se diz desafiado pela inversão da ordem em seu processo de criação. Antes de lançar a promoção, porém, a banda buscou orientação jurídica e se baseou no 5º e no 6º artigos da Lei nº 9.610/98 de Direitos Autorais para compor o regulamento da promoção. Pelos termos, os participantes devem abdicar de eventuais ganhos financeiros, que serão revertidos para instituições de caridade indicadas pelos twitteiros compositores. O presidente do Clube dos Compositores do Brasil, Percy Castanho Júnior, também advogado, faz algumas ressalvas sobre a questão autoral: "Nesse caso, me parece se tratar de uma composição coletiva. É bom para os compositores desde que sejam respeitados os direitos deles". "Para abdicar dos ganhos eventuais, é preciso que o autor assine um termo concedendo os direitos. Na internet, é comum um campo em que o usuário aceita ou não os termos legais. No caso dessa promoção, não fica claro que o participante abriu mão dos seus direitos", explica Castanho. Em processo Letra do primeiro reggae em fase de criação pelo Twitter por fãs do Natiruts "Troque o medo em seu peito por amor /Descarregue o peso do que já passou. Esse vazio que ainda permanece /É espaço para o que chega, preenche e aquece/Sentimento nobre que vem do coração /reascende a essência da alma e semeia sorrisos que afastam a solidão/ A vida às vezes tem altos e baixos como uma maré/ Mas sempre nos ensina a nunca se entregar e seguir com fé/ Sem medo de errar, dou a volta nesse mundo/ Vou atrás do que acredito, sonho alto, canto junto/ Preservando a natureza e praticando o bem/ Dou valor ao que se fez e não ao que se tem/ Na cabeça levo o reggae e amor no coração/transformando toda inveja só em boa vibração/ Vou mudando, evoluindo, vou chorando vou sorrindo/ Se sofri já não importa, minha coragem me conforta/ Agradeço a Deus por me fazer enxergar / Que se hoje eu perdi, amanhã vou ganhar/ Na bagagem eu carrego toda a minha experiência /Não importa onde eu esteja, nunca esqueço a minha essência"