Jornal Correio Braziliense

Diversão e Arte

Performance concebida durante isolamento em uma casa de praia apresenta lenda de menina que some no mar

Para alguns, Crendices morreu enroscada numa rede de pesca. Há quem acredite que ela tenha virado uma sereia. Outros relatam a visão de seu fantasma, vagando à noite pela praia à procura de seu noivo. Aliás, sobre Crendices, esta é uma das únicas certezas: desapareceu à espera do amado. A história da moça bem que poderia ser uma lenda do folclore brasileiro, mas surgiu a partir da criação do espetáculo teatral Cacuete ; A incrível performance de Crendices, que estreia hoje, no Teatro Helena Barcelos (na Universidade de Brasília).

Reunidos durante 21 dias em uma casa de praia na Vila do Jatobá, município de Barra dos Coqueiros, Sergipe, o grupo Tripulação de Cabine concebeu toda a montagem. A experiência faz parte do conceito de residência teatral. ;Sei que, nas artes visuais, se isolar do mundo para criar é algo frequente. Mas nas artes cênicas isso não é muito comum, ainda mais em grupo;, comenta a diretora Maicyra Leão, que prepara sua pesquisa de mestrado sobre metodologias de composição coletiva. Nascida em Aracaju, a diretora, de 27 anos, viveu uma década em Brasília, onde se formou em artes cênicas pela UnB. Há nove meses de volta à sua cidade natal, ela leciona na universidade federal do estado.

O clima de clausura, longe da civilização e muito perto do mar, conta Maicyra, ajudou a dar a tônica da montagem. Os quatro atores do elenco ; o aracajuense Gustavo Floriano, a paulistana Íris Fiorelli, a brasiliense Kamala Ramers e o uruguaio Colores ; não se conheciam. ;Investigamos formas de convivência;, explica a diretora. Como num Big Brother sem câmeras, eles tiveram de inventar dinâmicas para conviver harmoniosamente, dividindo o tempo entre as tarefas domésticas e a criação do espetáculo.

Ao longo dos 21 dias na casa de praia (que se encerraram no começo desta semana), o grupo recebeu visitas de pessoas envolvidas na montagem, como, por exemplo, os responsáveis pela videoarte, sonoplastia, figurino e até um psicólogo. Parte do desenvolvimento da obra envolveu a pesquisa sobre cacoetes, superstições e ditos populares. Daí surgiu a lenda de Crendices. ;Não nos preocupamos em mapear todos cacoetes. O resultado seria muito vago, né? Pois cada região tem os seus. Mas trabalhamos muito com os cacoetes corporais;, diz Maicyra. O corpo é parte importante do espetáculo, já que Cacuete (a grafia diferente é proposital) é, mais do que uma peça ;tradicional;, uma performance que se apropria de diferentes aspectos das artes cênicas.

A história, aliás, é mais sugerida do que narrada de maneira convencional. Maicyra reconhece que a performance não é uma linguagem de fácil absorção. ;Existe uma resistência por parte do público, sim. É uma linguagem pouco difundida. Mas o próprio formato da performance é de resistência, de andar no contrafluxo, contra a correnteza;, avalia.

A realização de Cacuete foi possível graças ao prêmio Myrian Muniz de teatro e ao Fundo de Apoio à Cultura (FAC). Em Brasília, o espetáculo terá 10 apresentações. O itinerário fora da cidade ainda não foi definido. ;Provavelmente, também nos apresentaremos em Aracaju;, adianta a diretora.

CACUETE ; A INCRÍVEL PERFORMANCE DE CRENDICES
De hoje a 2 de fevereiro, às 20h, no Teatro Helena Barcelos (UnB). Bate-papo com a equipe após o espetáculo. Entrada franca. De 4 a 7 de fevereiro, às 20h, a performance será encenada na Confins Artísticos (711 Norte), com ingressos a R$ 15. Não recomendado para menores de 14 anos.