Antes mesmo da construção de Brasília, era possível se deparar por aqui com as folias de reis. Em Planaltina, por exemplo, há o centenário Unidos da Fé. Pela proximidade com Minas e Goiás, as manifestações brasilienses incorporaram elementos desses estados e, hoje, existem cerca de 15 grupos, a exemplo da folia de reis Minas Brasília, cuja maioria dos integrantes veio de uma tradicional folia de Patos de Minas, que fincou as raízes no Gama. A partir de amanhã, parte representativa se apresenta no 10; Encontro de Folias de Reis, que celebra uma das mais autênticas festas da cultura popular e religiosa do país. "O encontro é o primeiro grande acontecimento da agenda dos 50 anos da capital e, por isso, essa programação é especial. No fim do ano, faremos outro, onde lançaremos um kit folião com DVD comemorativo dos nossos 10 anos, livros e CD com cantos das folias", adianta o organizador Volmi Batista.
Organizador da folia de reis Minas Brasília, Carlos Orestes, 45 anos, trouxe para cá um pouco da fé e da tradição transmitidas por seus antepassados. "Nossa família ainda mantém um grupo lá em Patos, que tem mais de 100 anos. Quanto viemos para cá, trouxemos essas características. Além da fé, da tradição, de toda a encenação da visita dos reis magos, arrecadamos donativos para instituições de caridade de todo o DF", revela ele, que conta com a participação da mulher e das duas filhas na folia brasiliense.
Um dos grupos mais antigos do Distrito Federal é o terno Folia Estrela Guia, comandado por seu Jaci Fonseca, 70 anos. Desde criança, ele participa dessas manifestações culturais e religiosas. Quando se mudou de Curvelo (MG) para Brasília há quatro décadas, decidiu criar uma folia por aqui. Além das tradicionais encenações no período natalino, o terno Folia Estrela Guia tem como principal objetivo cumprir votos. "Várias pessoas entram em contato com a gente para poder pagar uma promessa, ou visitar um parente doente. Isso é muito comum. E o pessoal recebe muito bem a gente. Tem boa comida, é receptivo e tem muita fé. É marcante para quem faz e quem recebe", revela.
No último domingo, o terno de seu Jaci cumpriu um desses votos. Pelo terceiro ano consecutivo, foi até a casa de Dona Carolina Pereira, 70 anos, uma devota fervorosa de São Sebastião. Como promessa ao santo, ela sempre agenda uma visita dos foliões e, em todas as ocasiões, emociona-se. "Sou do interior de Goiás, e desde menina eu via essas folias. Meu pai e meus irmãos participavam. É a coisa mais linda do mundo você receber essas santidades na sua casa. Faço o que posso para recebê-los com festa."
Grupos com RG
Um dos aspectos mais interessantes das folias é a diversidade. A possibilidade de improvisação individual permite a recriação constante do ritual e, quando essas criações singulares são aceitas pelo coletivo, passam a ser incorporadas ao repertório das comunidades. Cada folia tem suas peculiaridades de acordo com a região, os ensinamentos que são passados de pai para filho, ou mesmo da forma de entendimento do mestre, capitão ou embaixador, a pessoa que lidera a folia.
"A folia de Goiás é diferente da de Minas, da de São Paulo ou da Região Sul, por exemplo. E dentro de um mesmo estado, há distinções. O centro-oeste goiano tem muita influência europeia, e você percebe pelos instrumentos utilizados como a sanfona. Já no norte de Goiás, a cultura africana se faz mais presente. E por isso temos mais instrumentos de percussão, as danças mais comuns são os lundus, curraleiras. Isso é bem interessante", comenta Volmi Batista.
As folias têm ressurgido com força em todo o Brasil, apesar de nunca deixaram de existir. "Esse projeto quer dar apoio, e revelar, especialmente, para os grandes centros urbanos, um pouco dessa arte, que é bem forte no interior e nos seios das comunidades rurais. A cultura popular tem tido mais visibilidade, as pessoas têm tido mais oportunidade de se conhecer", destaca Volmi.
Devoção
A fé é o mote principal que conduz todos os participantes dessas manifestações. Seu Adalberto Corrêa, outro folião septuagenário, se intitula um verdadeiro cristão e tem na folia uma das maneiras de mostrar sua devoção. "A fé do povo é impressionante. É uma coisa de emocionar e, quando alcançam uma graça, isso só tende a aumentar. Tenho provas constantes disso. Sempre tive a religiosidade muito presente. Com a folia, a gente dissemina um pouco isso", acredita.
Organizador da Folia do Baltazar desde 1970, cuja maioria dos integrantes reside no Guará, ele luta para angariar novos adeptos, já que muitos dos fundadores do grupo já morreram. "Aqui em Brasília é mais difícil manter a tradição. Os meus netos não estão muito interessados ainda, então estou fazendo um trabalho para incentivar mais gente a entrar. A folia tem que ser renovada. Luto por isso porque está no meu sangue, nas minhas raízes. Ela não pode morrer."
Onde encontrar
Os interessados em participar da Folia do Baltazar podem entrar em contato com seu Adalberto pelo telefone 8467-1506. Informações sobre a Folia de Reis Minas Brasília: 9273-5003 (Carlos Orestes); sobre o Terno Folia Estrela Guia: 9905-7311 (Jaci).
; Para saber mais
De casa em casa
"Ô de casa, nobre gente, escutai o que vos direis, na porta do oriente. É chegada dos três reis." Uma mistura de tradição, cultura, folclore e, sobretudo, fé. Há dois séculos, padres jesuítas portugueses trouxeram para o Brasil a folia de reis, uma manifestação que até hoje se faz presente, especialmente nos estados de Minas Gerais, Bahia, Espírito Santo, Goiás, Rio de Janeiro, São Paulo e Distrito Federal.
As folias de reis ocorrem durante o período natalino, que vai de 25 de dezembro a 6 de janeiro, data em que é celebrado o Dia de Reis, mas isso não impede de serem realizadas ao longo do ano, apesar de não terem o mesmo enfoque, que é encenar a passagem bíblica em que o menino Jesus é visitado pelos três reis magos, Belchior (Melchior), Baltazar e Gaspar.
Nessa época do ano, os grupos fazem o famoso giro, ou seja, saem de casa em casa tocando, cantando e dançando músicas alegres em louvor aos santos reis. Conhecidos como terno de reis ou reisado, os ensinamentos são passados de geração em geração e ocorrem principalmente no interior do país.
# Quem é quem nas folias de reis
- Mestre, embaixador ou capitão: Cabe a ele organizar e manter a coesão do grupo, além de ser a voz que inicia as cantorias. É o posto mais alto da hierarquia dentro da companhia e conhecedor dos fundamentos da folia, responsável pela transmissão dos saberes referentes à origem do grupo.
- Contramestre: Também conhecido por contraguia. O contramestre responde o canto do mestre. Ele geralmente acaba sucedendo o mestre depois que este deixa a função.
- Músicos, cantadores ou foliões são divididos por vozes, como quinta, contratala, tala, requinta. Especialistas em seus instrumentos procuram o aperfeiçoamento constante. Em coro, fazem as vozes da cantoria, compondo a toada característica da companhia. Em algumas regiões brasileiras, é comum, nas folias, a presença de pessoas caracterizadas de reis magos como personagens do grupo.
- Bandeireiro ou bandeireira: figura que, à frente da companhia, conduz o símbolo que legitima o grupo, a bandeira. Sua função é cuidar da bandeira.
- Palhaços: São os personagens mais curiosos das folias de reis. Os palhaços, vestidos a caráter e cobertos por máscaras, representam os soldados do rei Herodes, em Jerusalém, e na Folia têm a função de animar a festa e espantar os maus espíritos.
- Festeiro: é a pessoa que se oferece e é escolhida para preparar a festa da chegada da bandeira.
# Principais instrumentos
Viola, violão, sanfona, rabeca, reco-reco, caixa de folia (percussão), cavaquinho, rapapau (reco-reco mais rústico) e pandeiro
# Curiosidades e superstições:
- Alguns foliões acreditam que o giro de uma companhia de reis não pode fazer cruzamento de rota com a de outra: passar por uma caminho já trilhado daria azar.
- Nas andanças pelos locais programados, algumas folias não passam por debaixo de varal de roupa: também traria má sorte.
- Um integrante de um grupo de folia não costuma fazer parte de outro.
- Em Portugal, muita gente denominava as folias de reis como "festas barulhentas", pelo fato de as pessoas saírem às ruas cantando e dançando para celebrar a visita dos reis magos.
PROGRAMAÇÃO do 10; ENCONTRO DE FOLIA DE REIS DO DF
SEXTA-FEIRA ; DIA 29
12h ;Show de Aparício Ribeiro e músicos foliões (palco alternativo)
14h ; Oficinas: danças (catira, lundu e curraleira); construção de instrumentos de folia; brinquedos, brincadeiras e jogos roceiros.
18h ; Galpão: Jantar dos foliões, seguido do canto de agradecimento (Bendito de Mesa)
19h ; Representação da chegada dos três reis magos, encontro das bandeiras e apresentação de folias e danças populares
21h30 ; Show de Zé Mulato e Cassiano, com lançamento do disco triplo Fidelidade a Brasília
23h ; Show de Saulo Laranjeira (MG)
SÁBADO ; DIA 30
9h ; Roda de prosa: Políticas públicas para as folias de reis e manifestações agregadas
9h ; Oficinas: danças (catira, lundu e curraleira); construção de instrumentos de folia; brinquedos, brincadeiras e jogos roceiros
9h ; Praça do Coreto: apresentações livres de folias e danças
12h ; Show: Kleuton e Karen e músicos foliões (palco alternativo)
14h ; Oficinas
14h ; Palco: apresentação de folias e danças populares
19h ; Canto de agradecimento (Bendito de Mesa)
19h30 ; Palco: apresentação de folias e danças populares
22h ; Show de Vanderley e Valtecy
22h40 ; Show de Lourenço e Lourival (SP)
23h30 ; Show de Goiano e Paraense (SP)
DOMINGO ; DIA 31
9h ; Missa sertaneja: coral da Pastoral dos Foliões de Formosa (GO)
10h ; Oficinas: danças (catira, lundu e curraleira); construção de instrumentos de folia; brinquedos, brincadeiras e jogos roceiros
10h ; Apresentação de folias e danças populares
12h ; Show de Macedo e Mariano e músicos foliões
14h ; Apresentação de folias e danças populares
18h ; Shows de Galvan e Galvãozinho (GO) e Renato Teixeira (SP)