Musa misteriosa, Victoria Legrand é daquelas que evitam dar muitas pistas sobre a própria arte. Mas, quando o assunto é cinema, não faz segredo: a vocalista do duo Beach House ama incondicionalmente os filmes de David Lynch. Que os fãs da moça, por isso, corram à locadora de DVDs. As imagens oníricas de longas-metragens como Cidade dos sonhos (2001) e Eraserhead (1979) talvez guardem a chave para os enigmas dessa banda de Baltimore, uma das maiores apostas do rock norte-americano para 2010. Na companhia do guitarrista Alex Scully, Victoria escreve canções pop que, lynchianas por excelência, podem ser interpretadas da forma como o ouvinte preferir - ora como sonhos delicados, ora como pesadelos doloridos.
As semelhanças não param aí: como nas experiências de um iniciante Lynch, os primeiros discos do Beach House eram joias caseiras - radicalmente simples. Nos elogiados Beach House, de 2006, e Devotion, de 2008, a dupla escondia delicadas canções de amor sob neblina de sussurros e distorção. Faixas como Gila e Apple orchard acertaram o coração mole da blogosfera, mas ficaram nisso: desde 2004, Victoria e Alex são adorados por um pequenino séquito que inclui celebridades como Julian Casablancas (Strokes) e o MGMT.
Aconchegado no selo independente Carpark Records, o Beach House parecia fadado a seduzir críticos e desaparecer subitamente. Mas, para a surpresa de quem os acompanha, eles resolveram reescrever o próprio destino: Teen dream, o terceiro álbum da dupla, tem potencial para arrancá-los da margem do indie rock. Depois de uma turnê desgastante, o duo assinou contrato com o selo Sub Pop, de Seattle (lar do Shins e do Fleet Foxes), e passou por um banho de estilo. A mutação, que pode assustar os admiradores mais ferrenhos: longe do gueto do shoegazing, eles finalmente encaram o mundo pop.
Não é qualquer aventura: em Teen dream, o grupo dá polimento a uma sonoridade antes pontiaguda, rústica. Mas não se perde no caminho. A poesia de Victoria segue melancólica, de impossível tradução. E as camadas de guitarras e teclados ainda criam uma densa massa sonora. O que muda é o tom da narrativa, mais primaveril. "Somos as mesmas pessoas, mas esste disco alterou nossas direções", admitiu Victoria, no site da Sub Pop. Desta vez, talvez ela tenha roubado alguma inspiração da trilha agridoce de Os guarda-chuvas do amor (1964), a obra-prima do tio, o maestro francês Michel Legrand.
Decididos a abandonar as obrigações do cotidiano, Victoria e Alex (que são apenas amigos) se isolaram numa antiga igreja de Nova York para escrever o disco, produzido por Chris Coady (TV on The Radio, Grizzly Bear, Yeah Yeah Yeahs). Encontraram um tipo incomum de iluminação. "Existe um nível físico de intimidade em Teen dream. Musicalmente, é um deslocamento novo para a banda. Esste disco toca as pessoas. No peito%u201D, afirmou Victoria.
As intenções, desta vez, são cristalinas. O "sonho adolescente" que dá título ao disco é uma referência, segundo Alex, ao período da vida em que as sensações afloram intensamente. Faixas como Zebra e Silver soul estão carregadas de angústia teen, como num encontro improvável entre Lynch e Gus Van Sant (o diretor de Elefante e Paranoid Park). Como a protagonista de Império dos sonhos, interpretada por Laura Dern, Victoria Legrand atravessou territórios assombrados. Acabou recompensada pela ousadia. "Quando você é criança, quer ser um astronauta. Quando fica um pouco mais velho, descobre que está perdido no espaço", resumiu a vocalista. "Estou começando a me entender aos 28 anos", afirmou. A idade adulta tem desses enigmas.