Diversão e Arte

Diretores de teatro falam sobre a difícil arte de preparar as crianças para o ofício de ator em peças e filmes

Ricardo Daehn
postado em 03/01/2010 07:00
Logo depois que o carnaval de 2010 passar, uma adolescente de periferia terá vivido, em frente às câmeras de cinema, o seu grande amor. Adaptação de uma crônica publicada pelo Correio e que mantém compromisso com um fato ocorrido há mais de seis anos, o curta Bruna (de Adriana de Andrade e Caetano Curi) ainda não tem definidas as locações, incertas entre Paranoá, São Sebastião e Santo Antônio do Descoberto. Ao lado dessa dúvida, outra - a de quem viverá os protagonistas - tem dado "trabalho firme" para a realizadora, num bom exemplo da relativa incipiência do mercado audiovisual. "Existe alguma dificuldade por não haver ainda tanta tradição de escolas de teatro infantil em Brasília. Temos alguns bons grupos e cursos, como o do Mapa'Ti e Néia & Nando, mas a ideia é garimpar em oficinas de escolas da Ceilândia, de Taguatinga e do Paranoá", conta. Ao lado da lacuna local para composição de elencos idosos, tanto a procura quanto a formação de atores jovens - em especial, crianças - caracterizam empecilho. "Algumas agências mandam pequenos atores mais acostumados à publicidade. Mas, nesses 'modelinhos', há os que tenham veia de atuação", conta Adriana de Andrade. Com a demanda ampliada (numa escala de mercado nacional), iniciativas têm incrementado possibilidades para as produções completarem, ou aprimorarem, a escalação de atores. "A preparação de elenco é algo em ascensão. A quantidade de elementos é tamanha numa produção que é necessário ter o subsídio de outros profissionais que ajudem a realização a se completar", opina a atriz Catarina Accioly, diretora do curta A obscena senhora D (com a jovem Amanda Dias, da companhia teatral Néia & Nando) e preparadora de elenco para os filmes As Carvalhadas de Pirenópolis, A lente e a janela e O bem vigiado, todos com participação de Jéssica Ludmyla, uma revelação (aos 10 anos) que, hoje em dia, realiza os estudos com Luciana Martuchelli. Kaic Chagas: atração do elenco mirim de Bela, a feia"O desejo de realizar é o primeiro norte para se chegar ao tripé de requisitos que definem o perfil do ator infantil: ele deve ser concentrado, disponível e saber jogar com as próprias qualidades lúdicas. Nesse jogo, pesa o talento da criança de imaginar e de se colocar numa realidade fantasiosa, o que vem, justamente, a ser o processo de interpretação", explica a diretora. Não subestimar a inteligência da criança também tem se mostrado meta fundamental na experiência em set, recorrente desde 2004, quando, tendo testado 50 crianças da cidade, Catarina Accioly não encontrou talentos já formatados. Com caminhos distintos, que exigem preparação física e emocional, a diretora já traça breves referências: "É importante o empenho da criança e a consciência de que ela está fazendo um trabalho e não uma brincadeira. A garotada exibicionista, normalmente, não funciona. É difícil a chegada à verossimilhança, com essa turma, por causa da referência dela estar mais próxima à linguagem de tevê". Novos desafios Com 25 anos dedicados às artes cênicas, o diretor Luiz Mário Vicente já acumula experiências no set de seis filmes, desde a preparação do elenco para um episódio da série Cidade dos homens, há seis anos. "Individualmente, muitas vezes, o ator tem preparo para o trabalho. Mesmo assim, há a possibilidade de organizar as linguagens de interpretação do elenco numa unidade. É aí que aparece a figura, relativamente nova, do preparador", comenta. A prática como arte-educador é uma das qualidades que facilita uma "transição suave" na "caminhada conjunta" feita ao lado dos intérpretes. Um exemplo de oportunidades proporcionadas pelas ações nos bastidores esteve no longa Querô, que resultou no projeto Oficinas Querô - Empreendedorismo e Cidadania através do Cinema, desenvolvido com jovens da Baixada Santista, desde o filme de Carlos Cortez. Gerado a partir das aulas de preparação de elenco, para jovens entre 12 e 16 anos, o projeto desencadeou novas perspectivas para quase 10 dos 40 jovens selecionados entre 1.200 testados para atuarem no filme. "Podemos até não alterar processos e histórias de vida dos atores, mas há o encaminhamento para a profissão, que veio de uma necessidade deles, num processo continuado", conta Luiz Mário. Também treinador do menino João Pedro Carvalho (de O menino da porteira), Luiz imprimiu, tanto em Querô quanto na revisão do clássico sertanejo de 1977, o mesmo método. "Proporciono um espaço para a troca positiva de aprendizado, a partir de jogos e de disciplina. É uma condução natural. Se notar sacrifício demasiado e sofrimento, prefiro mudar o ator", explica. Ciente da velocidade exigida pela tevê, a preparadora infantil da Rede Record, Vera Freitas, encara o ofício, regular há sete anos, como um tempo de estudo e ensaio para o elenco mirim de Bela, a feia, que traz nomes como Kaic Chagas. "Dou espaço para a improvisação e depois vem a memorização. Simulamos e exploramos marcas possíveis para as cenas, mas quem define é o diretor", conta a carioca, que é atriz há 22 anos e, há quatro, integra o quadro da Record. Pela experiência, ela destaca que "voz, intenção e ritmo" são apoios dados aos pequenos, quando eles têm um bom ator para contracenar. Responsável por núcleos infantis de novelas como Os mutantes, Caminhos do coração e Prova de amor, Vera explica, no método dela, que gosta da leitura prévia do texto. "Há coaches que não vão por esse caminho, mas acho interessante que os atores tenham a curiosidade em torno das personagens. Com os mais novinhos, a gente faz uma leitura em grupo", diz. Tendo aperfeiçoado talentos como Pedro Malta, Cássio Ramos (de Senhora do destino, atração da Rede Globo, na qual Vera ainda interferiu em Sítio do Picapau Amarelo) e Júlia Maggessi (de Laços de família), a preparadora crê que criança não seja ator, ainda. "Você nunca pode tirar a espontaneidade da criança. O texto tem que ser algo natural, e não decoreba. Se muito repetida, a cena perde o brilho", comenta. Trecho de entrevista com a preparadora de elenco Silvana Matteussi, que lidou com o elenco infantil do longa-metragem Lula, o filho do Brasil Ouça áudio sobre o trabalho com crianças de Catarina Accioly, atriz e preparadora de elenco

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