O jeito calmo e pausado de falar revela a sua mineiridade. Mesmo sendo um poeta de primeira grandeza, Wilson Pereira, 60 anos, gosta das "coisas" simples, como os espaços verdes de Brasília. Já publicou 10 livros (quatro de poemas, um de contos e cinco infantis) e se confessa um saudosista: "Tenho uma alma muito antiga". Mesmo com esse jeito pacato, não poupa críticas à Academia Brasileira de Letras, que considera uma "coisa" fria. "A academia é uma adoração do próprio umbigo", ataca. Bom de prosa, conta ao Correio como se encantou com a poesia e cobra mais espaço para a literatura na mídia.
Para que serve a poesia?
A poesia, antes de tudo, serve para emocionar as pessoas, fazê-las refletirem um pouco sobre si mesmas, sobre a vida de uma maneira mais descontraída do que a filosofia, do que a literatura de autoconhecimento. A poesia é a tentativa de representar em palavras aquilo que temos de mais sensível e intenso. Uma vez disseram que os poetas são as antenas da humanidade. Acho que o poeta capta as coisas de uma forma diferente e as joga no cotidiano das pessoas para que elas possam saborear. As palavras têm sabor também. (risos)
Como ela o encontrou ou como você a encontrou?
Foi na minha adolescência. Eu morava no interior de Minas e gostava de ouvir um programa de rádio à noite que apresentava uma série de poemas de um poeta chamado JG de Araújo Jorge. Gostava bastante. Naquela época, não tínhamos acesso a livros, não havia biblioteca pública e havia poucos escritores acessíveis no Brasil, como Monteiro Lobato. Tínhamos pouco contato com a literatura na escola. Aos 15 anos, um irmão me deu uma coleção de livros, uma coleção chamada Conheça o seu idioma, que tinha gramática e também interpretação de textos, crônicas, contos e poemas. Fui lendo aqueles poemas, me entusiasmando com aquilo, e, um certo dia, o professor de língua portuguesa - eu já estava no científico, hoje ensino médio - pediu uma redação e eu a fiz em forma de verso. O professor Altamir Pereira da Fonseca gostou muito do que escrevi, ele é um entusiasta da literatura, e resolveu me emprestar livros de Carlos Drummond de Andrade, Cecília Meireles, Cassiano Ricardo%u2026 Depois, comprava um livrinho aqui, outro ali com as parcas economias que conseguia. Continuei escrevendo poemas até que em 1970, datilografei uns 30 poemas e mandei para o concurso da UBE (União Brasileira de Escritores) e recebi uma menção especial do concurso. Tinha 22 anos. Em 1974, publiquei meu primeiro livro, Escavações no tempo.
"O que eu tenho de Minas em mim/ é esse sonho de subir montanhas/ e garimpar estrelas." Como foi para você largar as montanhas de Minas e encarar o concreto frio de Brasília?
Me causou um forte impacto. Eu vivi a minha infância, até os 11 anos, na fazenda, apesar de próxima da cidade. Ia de bicicleta estudar na cidade. Eu tive muito contato com a natureza quando criança e conservei em mim esse gosto pelo rural, pela natureza, como tomar um banho de córrego. Minas tem aquela coisa da simplicidade%u2026 Quando vim para Brasília, em 1976, senti o baque desse frio concreto. Mas, ao mesmo tempo, Brasília tem a maravilha dos espaços verdes. Acho que a gente sente menos saudade de Minas por isso.
Brasília te inspira?
Inspira. Mas não tenho muitos poemas sobre Brasília, especialmente. Continuo buscando minha inspiração em Minas.
O livro Pedra de Minas - Poemas gerais mostra um poeta maduro que brinca com as palavras como um malabarista. Você se sente reconhecido como escritor?
Às vezes, percebo que tenho umas conquistas importantes. Recentemente, saiu uma entrevista minha num jornal americano destinado ao público brasileiro naquele país. Faço parte das duas antologias poéticas mais importantes do país nos últimos 20 anos. Uma foi editada pela poetisa Olga Savari e a outra pelo escritor Assis Brasil. Também tenho poemas meus estudados em 17 livros didáticos. No ano passado recebi um convite da Bienal do Livro de São Paulo para mostrar meu trabalho. Mas acho tudo isso um reconhecimento relativo. Não sou nenhuma estrela do mundo literário. Tenho muito a conquistar.
Você acha que academias de letras são os sarcófagos da literatura?
Talvez não seja um sarcófago, mas uma coisa fria. Não um espaço para tratar de literatura, mas uma coisa social de congraçamento entre os acadêmicos, os pretensos imortais, do que propriamente uma entidade que promove um incentivo à leitura entre os jovens, não contribui para a formação de professores, não tem um trabalho muito ligado às universidades. Esses escritores poderiam estar mais presentes nas faculdades. A academia é essa coisa de adoração do próprio umbigo, ou do umbigo de quem está na frente (risos). Pelo menos agora, estão entrando mulheres, quebra um pouco a monotonia de olhar umbigos masculinos (mais risos).
Por que a poesia está ficando longe do cotidiano das pessoas?
Uma das coisas quem têm contribuído para isso é a falta de espaço na mídia de um modo geral. O governo federal está investindo em bibliotecas escolares para reduzir esse distanciamento.
Mas você não acha que isso é pouco?
É pouco. Precisamos de mais iniciativas. A televisão, por exemplo, dificilmente trata da poesia.
O que fazer para mudar isso? Percebo em seus versos uma ancestral saudade mineira, quase drummondiana. Uma saudade de séculos...
Tenho uma alma antiga. Acho que se existir reencarnação, em outras vidas já fui português, já estive em Lisboa... Tenho uma ligação muito forte com a ancestralidade. Tenho um poema inédito em que escrevo que tenho uma saudade imensa de coisas impossíveis... Sinto saudade até do meu avô que não conheci, que morreu antes de eu nascer. Então, tem essa ligação com o passado histórico de Minas, com as cidades de Ouro Preto, Mariana, Diamantina... É uma forma de me projetar no passado.
Seu amigo e conterrâneo Jorge Ferreira (dono do Feitiço Mineiro) gosta de "melhorar" os seus versos nas rodas de vinho e de chope da cidade. Você acha que a poesia é mutante ou já nasce como um produto acabado?
Nada é definitivamente acabado. Principalmente, a literatura. Quando reedito um livro, às vezes dou uma mexida aqui, uma pincelada ali. Agora, há poemas que são definitivos. O Jorge, às vezes, muda uma palavra aqui ou acolá para acompanhar o ritmo dele (risos). Como diz o personagem de Neruda no filme O carteiro e o poeta: poesia não é de quem escreve, é de quem necessita dela.
Você pretende criar um curso para escrever poesia. Como seria? Há uma receita, uma fórmula?
Fiz até uma experiência desse projeto em Coromandel (MG) e o resultado foi muito bom. A pessoa quando quer tocar piano ou violão procura um professor ou uma escola de música. O poeta também precisa de uma porta de entrada. Meu curso pressupõe que o jovem ou a criança tenha acesso às ferramentas da poesia, como as figuras de linguagem - especialmente a metáfora -, o ritmo, a aliteração, a melodia dos versos%u2026
Vento moleque é um livro dedicado ao público infantil. Como é essa experiência?
É uma experiência fantástica. Encontro no público infantil uma receptividade muito grande. A criança é muito autêntica. Se ela não gosta, ela fala na hora. É um leitor criterioso.
POEMAS
Espelhinho
Outro dia
revolvendo antigos guardados
dei com um espelhinho de bolso:
olhei-o
e vi, face a face,
o sorriso embalsamado
de um moço
Fazenda Miragem
Nos intervalos
dos grilos e dos galos
aqui se pode ouvir
o sono macio dos pássaros
e o luar caindo dos galhos