Diversão e Arte

Grandes intérpretes da cidade afastam-se dos palcos profissionais e tocam a vida em atividades paralelas

Quem perde é o teatro do DF

Ricardo Daehn
postado em 24/12/2009 09:00
Teve um tempo em que os nomes desses intérpretes estavam nos créditos dos bons espetáculos do DF. Dora Wainer, Dina Brandão, Iara Pietricovsky, João Paulo Oliveira e Luís Guilherme encabeçaram montagens marcadas pela qualidade técnica e artística. Motivados por motivos variados, sobretudo a falta de investimento governamental no teatro do DF, eles caminharam para atividades paralelas, algumas ligadas à arte, outras sem ligações afins. "Sou movida a arte,a cultura e a política", assume, com o "sotaque brasiliense", a paulistana Iara Pietricovsky. Se não há certeza de que a origem judaica lhe confira a assumida qualidade errante, Pietricovsky não deixa dúvidas quanto ao ativismo político: ela integrou a 5ª Conferência sobre Mudança de Clima (em Copenhague). Saída de cena, há cinco anos, Iara teve que optar pela tese de mestrado e deixar de lado uma montagem da Companhia dos Sonhos (de Hugo Rodas). Passado o tempo, a leitura e as ideias que fervilham em História de mulheres (da espanhola Rosa Montero) despertam o interesse dela por um retorno aos palcos. Vale lembrar que o relativo recolhimento de Iara veio na esteira dos sucessos de Rosanegra, uma saga sertaneja e Arlequim, servidor de dois patrões, ambas montagens de Rodas. Antropóloga, com especialização em ciências políticas, a atriz com ascendência polonesa chega aos 55 anos "super na ativa". O movimento pela ética na política, a campanha contra a fome liderada por Betinho e a formulação da anistia para exilados foram temas de mobilização para a ONG Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc), que ela coordena há nove anos. O controle social sobre as políticas públicas, na perspectiva do orçamento, um dos objetivos do Inesc, traz recompensas como o recente prêmio de melhor tecnologia social, por causa de trabalho com adolescentes da escola pública de setores periféricos à capital. "Estimulamos a conscientização, daí nossa organização fazer parte da trajetória da construção da cidadania no Brasil", resume. Estimulados por Sylvia Orthof, quando (em 1960), aos 6 anos, Iara chegou a Brasília, os passos da atriz desembocaram em nova compreensão de mundo. "O teatro não saiu: foi ele que me propiciou dar um salto para outras dimensões. Sem passar pelo palco, jamais teria a sensibilidade de notar a importância de como uma expressão artística sai da racionalidade cartesiana e amplia o alcance de mobilização por outros canais", sentencia. Para além do teatro ligado a populações indígenas e meio ambiente, Iara, no passado, brilhou nos palcos em duas versões para O exercício (Dimer Monteiro e B. de Paiva), eternizou a Gata de Os Saltimbancos e integrou o elenco de Os pequenos burgueses, A caça aos ratos e Hamleto (ambos por Antônio Abujamra). Atuante na Articulação Latino-Americana Cultura e Política, "que dissemina os direitos humanos e revitaliza identidades culturais", o lado militante não deixa de transparecer no exame da carreira abraçada pela menina que encarou o teatro aos 13 anos, com aulas de Laís Aderne. Entusiasmada, ao lembrar das participações em A serpente e A vida é sonho, Iara Pietricovsky é enfática: "Não vou largar o teatro nunca. Tô fazendo teatro até no parlamento do Mercosul (risos). Foi o palco que me ajudou a saber me colocar e a convencer o público". Redator completo Há dois anos sem encarar a plateia, o alagoano João Paulo Oliveira, que se diz um ator bissétimo - mais do que bissexto, não segreda que internamente, não parou com a pulsão artística. "Me sinto num daqueles intervalos. A arte é uma atividade intermitente: nunca pensei em abandoná-la", comenta o publicitário e ator que chegou em Brasília, aos 7 anos, em 1973. Diretor de criação de agências, há 25 anos, ele não deixa de unir tarefas com apelos gráfico e audiovisual à criatividade. "O traço de ator entra no cotidiano com os textos. No cinema e no teatro, sempre tenho a postura de partícipe. Isso colabora e incrementa a função de diretor de criação", explica. Foi nos anos de 1980, que, com uma irmã bailarina, João Paulo se aventurou na dança ao tomar parte em grupos como Asas e Eixos e EnDança, além de ter buscado aprimoramento com Yara de Cunto, Norma Lília e Gisèle Santoro. "Tive o privilégio de trabalhar com grupos fortes que permanecem na minha vida", conta. Se deixou a dança em fins dos 1980, a consciência corporal permaneceu junto a outras qualidades de investidas naquilo que define como teatro colaborativo. "Minha escola foi dentro dos grupos conduzidos por pessoas como Fernando Villar (do grupo Vidas Erradas), Ricardo Torres, Alexandre Ribondi e Hugo Rodas (com e a Companhia dos Sonhos). Nos espetáculos, a gente se misturava no palco e cada um aprendia fazendo. A criação coletiva era marca forte", relembra. Aos 44 anos, João Paulo estima em 50 as participações em obras de encenação para adultos, operetas, espetáculos de dança, teatro infantil e balés. No cinema, esteve nos primeiros filmes do José Eduardo Belmonte, como Três e Subterrâneos, além de figurar em Sinistro (de René Sampaio), "espécie de clássico instantâneo do cinema brasileiro". Ao assumir uma atividade com fonte de renda mais certa, João Paulo, que casou aos 21 anos, percebe ter tornado um redator mais completo, pelo currículo artístico. "Encarar a montagem de uma peça é uma pedreira: representa um terceiro turno, tem que se ter muita paixão", avalia ele, que vê a filha Nina Oliveira na adrenalina, aos 22 anos, com o curso de cênicas da UnB. Ator de Ventiras e merdades (de Fernando Villar), apresentada por apenas três dias no Teatro Nacional, em 2005, à época, João Paulo encarou o papel de Fofo Leo, um apresentador de tevê machão, que fingia ser gay, numa participação da peça de quase três horas de duração. A experiência de meses de ensaio, para uma breve temporada, exemplifica o esforço constante de "religar a chave de ator": "Cada montagem é como um curso de extensão. Imagina alguém fazer umas 50 pós-graduações sempre voltadas para o estímulo da reação em cena", conta. Entre tanta dedicação, o ator aponta orgulho, como o de ter integrado Arlequim, servidor de dois patrões. "Foi uma caixinha de música: tudo funcionou tão bem como um relógio e com uma nata de atores e amigos", conclui. Suspiro no cinema Quem viu Dina Brandão no palco não esquece. Mesmo longe das montagens profissionais desde 1996, quando fez O resto é silêncio, de Túllio Guimarães, ela causa burburinho. Em 2007, ganhou os holofotes quando recebeu uma menção honrosa no Festival de Miami pelo curta-metragem Dona Custódia, de Adriana de Andrade. O prêmio foi criado especialmente pelo júri para premiar a intérprete. "Tinha medo de levar para o cinema uma caricatura. Fiz uma oficina com Walter Lima Jr. e ele dizia que, no cinema, o menos é mais. Segui essa premissa e o resultado foi forte. Tenho muito que agradecer a Adriana de Andrade que me botou na fita", conta. Apesar da projeção no cinema, Dina Brandão sonha em voltar aos palcos e dividir o cotidiano de funcionária pública com os rituais de atriz. "É um desejo ardente. Quando vejo espetáculos que me tocam, dá uma vontade enorme de estar no palco, de sentir aquele frio na barriga antes de entrar em cena. Eu sinto cheiro de palco", destaca Dina, que nunca passou pela cabeça desistir de ser artista. A atriz lembra que foram muitos os motivos que a tiraram de cena. A falta de convites interessantes, a produção que não dava conta de erguer a montagem, os textos em que ela não se arrebatava pelas personagens e a consciência que não dava para viver de teatro no DF, pela falta de política publica. "Fui me afastando do meio e ninguém me chamava mais. Não me interessava fazer qualquer trabalho. Tinha que estar apaixonada", destaca. Dina Brandão faz teatro desde 1974. Começou com Humberto Pedrancini e, depois de fazer bastante teatro amador, passou por uma dúzia de peças profissionais. Trabalhou com nomes que ajudaram a construir o teatro no DF, como Chico Sant%u2019Anna, Dimer Monteiro e Gê Martu. Viajou, com montagens, pela América Latina. Hoje, observa, atenta, a atual produção da cidade. "Antes, era um teatro de ralação, de amor ao teatro. A gente realizava um espetáculo por acreditar no teatro. Agora, não sei dizer se as condições de trabalho melhoraram, mas só tem teatro se tiver uma produção profissional", compara.

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