Diversão e Arte

Rogério Resende constrói museu de pianos para percorrer a periferia do DF

Nahima Maciel
postado em 23/12/2009 08:30
Falar em obsessões pode levar a uma conversa interminável se o tema for a mecânica de um piano. Reservado, Rogério Resende fica calado se questionado sobre a maior loucura já feita para adquirir um instrumento cobiçado. Ri de canto quando alguém sugere que ele fica ansioso. É a filha Veridiana quem responde: "Ansioso? Ele fica louco." Resende já percorreu os quase três mil quilômetros que separam Brasília e Montevidéu (Uruguai) só para buscar uma pianola da qual ouvira falar em segredo. Ao longo das últimas duas décadas, construiu uma minifábrica de pianos, um espaço de 300m² perto do Catetinho, onde reforma e reconstrói os instrumentos. Num enorme galpão, guarda os 52 pianos que serão utilizados no projeto mais ambicioso desde que começou a carreira de afinador nos anos 1970. O sonho de Resende cabe em uma carreta de caminhão com 16 metros de comprimento estacionada no jardim do terreno, que abriga a fábrica e a casa. A estrutura está quase pronta para receber os 14 pianos do Museu Itinerante Casa do Piano, cujo lançamento está marcado para abril de 2010. É quando Resende quer colocar na rua o caminhão projetado por ele mesmo para levar à periferia de Brasília as mágicas que o instrumento pode fazer. E elas são muitas na visão desse músico autoditada que não lê partituras e aprendeu, por conta própria, a afinar pianos enquanto tocava em bares e restaurantes. "O projeto é contar a história do piano e sua fabricação no mundo por meio dos originais e das réplicas que fabricamos, a fim de que a população jovem possa se interessar e descobrir uma profissão diferente", conta. "A esperança é formar profissionais da área, porque estão em extinção. E o Entorno é nossa prioridade, porque é onde está a população que tem pouco acesso aos bens culturais." Metódico e organizado, o afinador tirou do próprio bolso os mais de R$ 800 mil investidos na ideia nos últimos 10 anos. Boa parte foi usada na compra de instrumentos. Quanto mais raro e inusitado, mais adequado ao museu. Entre os 14 exemplares do acervo destinado ao caminhão, estão uma pianola mecânica, um instrumento com casa de cachorro e um piano duplo construído a partir de uma fotografia. O objetivo didático guia o afinador. A intenção é estacionar o museu em uma cidade, escola ou instituição por uma semana. Organizados em grupos, os visitantes terão direito a dedilhar os instrumentos antes de passar por uma oficina básica de afinação. Resende também projetou a carreta de maneira a transformá-la em palco para, ao fim de cada sessão, realizar recitais com músicos locais e convidados. O museu nunca recebeu ajuda financeira externa, mas agora Resende resolveu inscrever o projeto no Fundo da Arte e da Cultura (FAC). Colocar o caminhão na rua depende da compra da cabine para puxar a carreta. "A família toda se sacrifica, já deixamos de comprar muita coisa e o projeto tem que ser autossuficiente. Vamos vender a proposta para quem quiser, mas também vamos doá-la", explica. Museu de novidades As curiosidades de alguns dos instrumentos preparados para integrar o acervo itinerante O piano duplo Pouquíssimos exemplares desse instrumento foram construídos no fim do século 19 pela fabricante francesa Pleyel. Com 3,23 metros de comprimento, a peça consiste em dois pianos de cauda abrigados na mesma caixa. O custo excessivo e o tamanho inviabilizaram a fabricação em série do instrumento, mas Rogério Resende não resistiu quando descobriu a existência desse tipo de mecânica. O afinador desmontou dois pianos de meia cauda da marca Essenfelder e fabricou dezenas de peças por conta própria para construir a réplica. "Levamos três anos para fazer%u201D, revela. %u201CFoi o que levou mais tempo." Casa de cachorro Pianos também eram móveis e o fabricante suíço Schmidt-Flohr atentou para o fato ao lançar um instrumento com casa de cachorro. "Esse modelo me chamou a atenção por causa do formato. A caixa de um piano, normalmente, é retangular. Mas aquele tem um formato quase de lira, de violino", diz Resende. Originalmente fabricado em 1831, o instrumento que o afinador apresenta no museu é uma réplica e tem apenas 73 teclas, 15 a menos que os pianos normais. Antes de inaugurar o projeto, Resende planeja ainda fazer réplicas de dois outros exemplares de formatos curiosos e com apenas 54 teclas. Sem o pianista Equipadas com um dispositivo mecânico e um rolo de notações, as pianolas são capazes de executar uma música sem a presença de um pianista. Por meio de pedais ou acionados eletricamente, esses instrumentos foram patenteados no fim do século 19 por um engenheiro norte-americano. Poucos foram fabricados, mas Resende conseguiu encontrar dois exemplares que reformou para incluir no acervo do museu. Um deles, de marca Rosenkrantz e fabricado em 1895, precisa de uma pessoa pedalando para ser acionado. Resende também recuperou rolos de partituras. Alguns desses instrumentos eram concebidos para reproduzir, inclusive, a maneira de tocar de determinados pianistas.

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