Jornal Correio Braziliense

Diversão e Arte

Diretor israelense Amos Gitai traz a Brasília filme que analisa a questão do Holocausto

"Algumas vezes o excesso de referência à crise no Oriente Médio me dá a ideia de que essa temática seja a única do planeta. Quando sinto o peso da carga, tendo a explorar outros assuntos. Escapei da dominação do mote em filmes como Alila (2003)", explica o diretor judeu Amos Gitai, ao falar de Mais tarde, você vai entender... Integrado ao Festival Varilux de Cinema Francês, o longa-metragem propicia um aperitivo na continuidade da boa relação mantida com o Brasil, uma vez que, em 2010, uma retrospectiva com os filmes dele selará o reencontro com o país, antes visitado em 2004. "É uma experiência enriquecedora passar pelo Brasil. Estou ansioso por esse momento", comenta. Inédito no circuito comercial, Mais tarde, você vai entender..., que será apresentado nesta quinta (10/12) na Academia de Tênis (às 21h40), foi feito pelo diretor na França e segue a linha de fitas em que o israelense explora identidade e origens, como feito ao longo da carreira em O jardim petrificado (1993), Golem, o espírito do exílio (1991) e Aproximação (2007). O julgamento do oficial Klaus Barbie - visto por Gitai como "uma máquina nazista de matar e a encarnação do mau" - serve como centelha decisiva para o filme. A partir de imagens de testemunha verídica do tribunal, em 1987 (quando Barbie foi condenado), o diretor revela fissuras para o relacionamento entre Rivka (Jeanne Moreau) e Victor (Hippolyte Giradot), mãe e filho, na trama. "Me interessei pela memória de uma geração. Abordo a temática da transformação, mas sem ser explícito. Busquei revelar a maneira como uma mãe pode assumir, para o filho, um erro cometido, de forma velada. Com isso, ela o encoraja a buscar os fatos do passado, por si próprio", adianta o cineasta. Matéria-prima para o filme, a memória também deu forma para O dia do perdão - Kippur (2000) e Kedma (2002). Introspectivos, tanto o primeiro, baseado na experiência de Gitai numa equipe de salvamento aéreo (num helicóptero que foi atingido por sírios), quanto Kedma, centrado na fundação de Israel (e que registra o ódio entre judeus e árabes), trazem o apelo histórico. "Quando miro o passado, não incorro em nostalgia. Minha esperança é a de alertar para erros que podem não ser repetidos no futuro. O passado serve como massa para molde do futuro. Minhas memórias povoam Free zone (2005) e A terra prometida (2004), mas como forma de trazer pontos de interrogação. Quero que todos sigam adiante, longe de uma ótica sentimentalista", define o ex-morador de Haifa, nascido em 1950, dois anos após o estabelecimento de Israel. Tendo a política como "um dos parâmetros para definir uma nação", Amos Gitai - que, desde 1986, se radicou na França (por problemas ligados à censura) - sublinha a noção ideal para um país: "Havendo liberdade, há espaço para que as pessoas criem, num Estado comprometido com os cidadãos. Nessas condições, a riqueza humana desponta. Num país repressivo tudo toma uma ordem inversa." Citando circunstâncias de filmagens feitas por Luis Buñuel - que, quando afastado de casa, - revelou uma visão muito afiada" -, Gitai vê o feito do clássico diretor espanhol como "uma inspiração no filme que fiz na França". Do luto à luta Com extensa obra ligada à cultura hebraica, Amos Gitai, que foi quatro vezes candidato à Palma de Ouro em Cannes, não encara o cinema limitado ao showbiz. "Gosto dele como uma forma de reflexão", diz. "Não fui formado, inicialmente, para ser um cineasta, mas sim um arquiteto (com curso no Instituto de Tecnologia israelense), tal qual meu pai. Fui, porém, recrutado para a guerra do Yom Kipur. Com ferimentos, paguei o preço pelo conflito. Isso me deixou marcado e resultou no meu trabalho no cinema. Fiquei vulnerável, no sentido de como Alfred Hitchcock já confessou ter se sentido. Faço, portanto, um cinema ligado a rastros das pessoas, que brota do passado", explica. Se, há uma década, com Kadosh - Laços sagrados, o diretor injetou projeção para o cinema israelense, hoje em dia ele comemora o alcance de produções conterrâneas, como Bubble, A banda e Lemon Tree. "No começo, a reação dos espectadores a filmes fortes e dotados de crítica não foi das mais fáceis. Depois de Kadosh, pouco a pouco, houve o clamor por um cinema nessa linha, num tipo de homenagem a Israel. Isso repercutiu no aumento de títulos com essas características", comenta. Ciente da necessidade da oferta de "referência e reparação" ao povo judeu, o realizador, para além da produção de muitos documentários, trouxe para as telas filmes como o curta que integrou a coletânea de 11 de setembro e longas organizados na chamada Trilogia da Diáspora. Politizado, Gitai, por exemplo, percorreu Israel por três meses para compor A arena do assassinato (1996) que repercute o luto com o assassinato do primeiro-ministro Yitzhak Rabin. Com o conteúdo ampliado, que alcança as feridas do Holocausto, Mais tarde, você vai entender tem plataforma de distribuição assegurada em países tão distintos quanto Japão e Índia. "Espero que as pessoas estejam abertas ao meu novo filme. Gostaria que os países se apropriassem dos questionamentos levantados, na esfera de suas próprias culturas", opina. O diretor que, em 2003, esteve em Brasília (por ocasião do 5º FicBrasília), ainda encantado pela lembrança do povo brasileiro, arrisca a opinar até sobre política nacional. "Não sei de detalhes, mas vejo o presidente Lula como alguém interessado em promover a equidade e também mais sensível, em termos de preservação ambiental. Nesse ponto , ele se apresenta como uma liderança", conclui. Mais tarde, você vai entender... Cine Academia (Academia de Tênis José Farani, SCES, Tr. 4; 3316-6373). Hoje, às 21h40, sessão do longa-metragem dirigido por Amos Gitai, pelo Festival Varilux de Cinema Francês. Não recomendado para menores de 14 anos. Colaboraram Pedro Brandt e Tiago Faria

» Filmografia de Amos Gitai

Mais tarde, você vai entender... (2009) (Longa-metragem) A guerra dos filhos da luz contra os filhos das trevas (2009) (Longa-metragem) Aproximação (2007) (Longa-metragem) Cada um com seu cinema (2007) (Longa-metragem), (continuação de Le Dibbouk de Haifa) Free zone (2005) (Longa-metragem) Bem-vindo a São Paulo (2004) (Longa-metragem), (continuação de Modernity) Alila (2003) (Longa-metragem) 11 de Setembro (2002) (Longa-metragem) Kedma (2002) (Longa-metragem) O Dia do Perdão (Kipur) (2000) Kadosh -- Laços Sagrados (1999)