Quando esteve na Amazônia, em 1928, o escritor belga Henri Michaux nada conseguiu perceber. Circulou pelo rio, mas não viu a floresta. Achou que, para tal, precisaria sobrevoar a região. A invisbilidade da paisagem também tocou Euclides da Cunha e o pintor Rugendas, em épocas bem diferentes. Mas qual não foi a surpresa do pesquisador Samuel Titan Jr. e do escritor amazonense Milton Hatoum - que conheciam bem os textos de Cunha, Rugendas e Michaux - ao se deparar com as centenas de fotografias realizadas no Norte, em 1939, pelo francês Marcel Gautherot e arquivadas no Instituto Moreira Salles.
Na época, aos 29 anos, o jovem fotógrafo fez mais de 400 imagens que vasculham da paisagem amazônica aos hábitos e modos de vida caboclo. Dessas, Hatoum e Titan selecionaram 70 para montar
Marcel Gautherot - Norte. "Ele não teve medo de entrar naquele mundo. A Amazônia, pela sua grandiosidade, inibe o viajante forasteiro. Gautherot percebeu que devia entrar naquele mundo sem medo, mas com paciência", conta Hatoum, autor, em parceria com Titan, do ensaio que abre o livro. A formação em arquitetura guiava o olhar do fotógrafo. "O olhar dele é regido por um rigor visual geométrico impressionante, tudo é muito bem enquadrado, há linhas muito claras de demarcação diagonais e horizontais que definem o campo das fotos", repara Hatoum, que comentou algumas imagens do livro para o
Correio Braziliense.
Quem foi Marcel Gautherot
Jubiabá, o romance de Jorge Amado, foi o responsável por impulsionar a vinda de Marcel Gautherot ao Brasil. Jovem arquiteto e então responsável pelo serviço de catalogação de imagens no Museu do Homem, em Paris, o fotógrafo francês desembarcou em Recife em 1939 para uma viagem pelo Brasil. Naquela ocasião, fez as imagens da Amazônia e entendeu que nunca mais deixaria o país. Só voltou a morar na França para fazer o serviço militar. No Rio de Janeiro, trabalhou como fotógrafo para o então Sphan e foi fotojornalista da revista O cruzeiro. Nos anos 1960, foi convidado por Oscar Niemeyer para registrar o nascimento de Brasília. Mais tarde, se tornaria fotógrafo privilegiado das obras do arquiteto modernista. Gautherot morreu no Rio, em 1996.
Quem é Milton Hatoum
Nascido em Manaus em 1952, Hatoum estudou arquitetura, mas foi com a literatura que ficou conhecido. O Norte é cenário, tema e motivação nos quatro romances publicados pelo escritor. Com Relato de um certo Oriente, Dois irmãos e Cinzas do norte, Hatoum ganhou o prêmio Jabuti de melhor romance. Em Dois irmãos, a saga de uma família de imigrantes libaneses instalados em Manaus e as relações familiares conduzem a narrativa. Cinzas do norte, romance de 2005, também venceu o prêmio Portugal Telecom.
MARCEL GAUTHEROT - NORTE
Organização de Milton Hatoum e Samuel Titan Jr. IMS, 144 páginas. R$ 56