1 %u2013 Carla Andrade
Como hipnotizar anzóis no tempo
Enfeitice
peões de mulheres
fantasiadas de nós
em chuvas
musicadas ao avesso.
Trance
o destino
bem acima
da última curva
do vento.
Liberte
o tropel de
tangos
das vertigens
adormecidas
em sonetos.
E por último
faça um agrado,
como um sopro divino,
aos ogros verdes
da saudade.
Se tudo
resultar em nada,
descanse os olhos
nas estrelas
aliviadas de brilho
sem respostas.
Saltimbancos
A vida é só um picadeiro de circo
Quando notamos...
Foram-se as lâminas certeiras
dos atiradores ciganos
restaram véus de purpurinas.
Apenas as lembranças rodopiam.
Ecoam em algum lugar aqui dentro
como cambalhotas sapecas.
Artesanato de perguntas
A colonização dos maribondos
nos meus pensamentos
começou em sânscrito.
Um mantra de curiosidade de luz
arregalava meus olhos répteis de criança.
Às vezes, levava uma ferroada da ignorância.
Mas passava logo, com sopro em margaridas.
A infância cuidou da urbanização das idéias.
Conjunções interrogativas fizeram
Prédios no horizonte,
mas os adultos não entendiam
a essência das janelas.
Depois, a rebeldia dos porquês escravizados
O desejo devorava séculos sem respostas
de pés religiosos atolados.
A independência da colônia veio depois de um jejum de palavras.
Não quis mais saber mais o porquê do universo
e da minha travessia cambaleante.
Como um coral no fundo do mar
deixei que peixes me acolhessem e
e segui o movimento das algas.
2 %u2013 Paulo Ohana
o Ovo
quando eu estiver nu
e me vestir
quando estiver vestido
e me despir
quando a luz clarear
o breu cobrir
quando a porta fechar
a janela abrir
quando eu entrar, sair, voar, cair
quando a porta bater
quando eu trancar, destrancar
quando eu dormir
quando eu acordar
quando eu parir
quando eu quebrar a casca do Ovo
o Universo vai sumir
e nascer de novo
Submundo
Quem passa por debaixo da escada
come a poeira dos sapatos alheios
mas dá risada dos homens que sobem
(e não sabem)
No final, todo mundo acaba
debaixo da terra
Jogo da memória
Despeço-me
Adeus às cores
que os dias me trouxeram
Cores que permearam
o quarto, a sala
a casa
piso cobre pimenta
sangue sol laranja céu
olhos castanhas
azul
Despeço-me
Fechar a porta
é pisar outro tempo
teletransporte?
de elevador ou de escada?
Vou-me embora
sentindo %u2013 ainda %u2013 o cheiro
das cores que jamais embarcarão
no tubo de imagens da TV
Cores que jamais pintarei
nas brancas páginas de um livro
3 %u2013 Bruno Soares
Cinemática (Os Incompreendidos)
Anoitece
E a noite tece
A noite sem galos
A noite tece o tecido
Das cadeiras de cinema
As mãos enamoradas
Testam os tecidos das cadeiras e namoradas
A sessão acaba e o dia amanhece
Nas luzes da sala
Depois o filme se projeta
Nas nossas bocas
Nas nossas próprias salas
Menarca
Qué apanhá, moleque?!
O sangue desce do nariz...
A menarca da primeira briga
Começo de Romance
Tristeza, Senhor
Senhor, Tristeza
-Prazer
-Igualmente
E o Prazer abre alas para a dor
Saudade é quando tem alguém
Que parece que não aparece nunca
4 %u2013 Raimundo Nonato
Poema manifesto
do hip hop ragga rock ska skate
grafiti cimema chorinho
arte urbana bagana
almanaque manaque conhaque
conic coca cocô com crack
sakura cura ressaca
go saaka!
makosssaa!
menina da criolina
aperta a cintura fina
que da cultura sound systen
de brasília eu sinto fome
se for pra falar nome então tome
sindicato sem nome dabomb
santa planta confronto mutirão
ninão chokolaty jamaika
barata e pezão
não tem contra indicação
efeito colateral que cola
cola aqui na lateral do coração
aqui nonato
que tem ouro no dente
falando diretamente
da capital
minha patente
é capitão
a quinta infantaria
morre por mim todo dia
por favor me trate bem
que de você ninguém judia
as margens do lago
já estão todas tomadas
e os nossos homens
avançam pela esplanada
por favor mantenham a calma
e o foco nas atenções
quero ver coragem agora
nos corações
em pouco tempo
tomaremos o poder
o que tá bom vai melhorar
o que não tá vai se perder
a temperatura é estável
e tudo vai correr bem
o que ontem foi pará lá
amanhã será belém
"em pouco tempo
não serás mas quem tú és"
e todos nós cartolaremos
a teus pés
desde que eu te vi
não me sai do pensamento
brasília minha paixão é de isopor
mas meu amor é de cimento
ass. capitão nonato dente de ouro (natinho)
(parceria musical com "BATIDÃO SONORO S.A"
TUDO TEM CASAL
UM CORCEL DOIS PRO GINÃO
E UMA KOMBI PRO FUBÁ
COMO VAI NO FRIO
EU SINTO CALOR
E NO SOL EU ARREPIO
TUDO TEM CASAL
BOQUETE COM BOCA
AÇUCAR COM SAL
MANGUEIRA DE JARDIM
COM COBRA CORAL
MENINO COM MENINA
JOVELINA E JUVENAL
TUDO TEM CASAL
CHAVEIRO COM CHAVE
CHUVEIRO COM CHUVA
GRANA COM DINHEIRO
MADEIRA COM MADEIREIRO
TUDO TEM CASAL
O QUE SERÁ COM SERIA
O QUE SEREI COM SEREIA
CASTELO COM AREIA
JOÃO COM MARIA
MERCADO E MERCEARIA
ENTÃO
TUDO TEM CASAL
UMA UVA MOLHADINHA
COM UM VINHO TIPO SECO
UM BAMBA COM CONGA
UM CURTA COM UM LONGA
CLORO COM ÁGUA
VESTIDO COM ANÁGUA
UM DUB COM RAGGA
(O D.J "A" E O HADDA)
LIMPEZA COM ZELO
PERNA COM TORNOZELO
CAMÊLO COM CAMILA
CHÁ COM CAMOMILA
BARRO COM ARGILA
DESACATO COM JAMILA
5 %u2013 Gabriela Ziegler
Retrato
Sou feita de
palavras.
Expresso-me,
Impresso-me,
Equilibro-me
nas entrelinhas.
O meu sonho,
Compus com
recalques
encontrados
no caminho.
Sonhadora
eu sou.
E vou.
Eu vôo!
Vôo sem rumo
e lucidamente louco
a céu aberto...
Canção Adolescente
Eu quero saber
o singelo sigilo do mundo
Sentir esse sentido
Somar som à sensação
(Assomo o assombro)
Esse sagrado segredo
Agrado degredo
Viagens virgens
E erros eróticos
(Ex)óticos
-Caleidoscópio
"E quando ele se deu conta, era um amado." (Clarice Lispector)
Sentimento,
Sensação
Sentir-se com asas
Todo insano instante
De sutil insensatez
Em que te vejo...
Tenho tato
Tenho tido
Tanto tato
Tenho, fato
Todo tato
Tênue,
Translúcido
E transparente
Entre estrelas...
"Amo-te"-sussuro sincero e sentimental.
Somos cúmplices do mesmo ensimesmamento cósmico.
Brasília
I.
Tranquilidade brasiliense.
O céu está de um azul impassível.
Não há nuvens.
Há uma encruzilhada de galhos.
Os frutos são verdes.
Os periquitos são verdes.
Os cantos são verdes.
Os passarinhos não têm princípios
nem começo.
A liberdade é atemporal.
O resto de sol se lembrou duma
parte da árvore.
Hoje é dia de meia-árvore.
E os sons vão pouco a pouco sumindo
...E tudo se dilui.
II.
Comoção solar.
Meu coração
rosa-alaranjou-se.
Lembro de uma peça
de Chopin.
As árvores ouvem
e sorriem.
Brasília -Desaniversário
Minha vida agora:
Absorver manhãs empassaradas
Por todos os poros
...Até que chegue a lua cheia.
De manhã
Pássaros
De noite
Lua
Pulula
Pulsa
Pula
Placidez
Plenitude
Poesia
Momento presente flutua
Através de galhos