Jornal Correio Braziliense

Diversão e Arte

Poemas dos poetas Carla Andrade, Paulo Ohana, Bruno Soares, Gabriela Ziegler e Raimundo Nonato

1 %u2013 Carla Andrade Como hipnotizar anzóis no tempo Enfeitice peões de mulheres fantasiadas de nós em chuvas musicadas ao avesso. Trance o destino bem acima da última curva do vento. Liberte o tropel de tangos das vertigens adormecidas em sonetos. E por último faça um agrado, como um sopro divino, aos ogros verdes da saudade. Se tudo resultar em nada, descanse os olhos nas estrelas aliviadas de brilho sem respostas. Saltimbancos A vida é só um picadeiro de circo Quando notamos... Foram-se as lâminas certeiras dos atiradores ciganos restaram véus de purpurinas. Apenas as lembranças rodopiam. Ecoam em algum lugar aqui dentro como cambalhotas sapecas. Artesanato de perguntas A colonização dos maribondos nos meus pensamentos começou em sânscrito. Um mantra de curiosidade de luz arregalava meus olhos répteis de criança. Às vezes, levava uma ferroada da ignorância. Mas passava logo, com sopro em margaridas. A infância cuidou da urbanização das idéias. Conjunções interrogativas fizeram Prédios no horizonte, mas os adultos não entendiam a essência das janelas. Depois, a rebeldia dos porquês escravizados O desejo devorava séculos sem respostas de pés religiosos atolados. A independência da colônia veio depois de um jejum de palavras. Não quis mais saber mais o porquê do universo e da minha travessia cambaleante. Como um coral no fundo do mar deixei que peixes me acolhessem e e segui o movimento das algas. 2 %u2013 Paulo Ohana o Ovo quando eu estiver nu e me vestir quando estiver vestido e me despir quando a luz clarear o breu cobrir quando a porta fechar a janela abrir quando eu entrar, sair, voar, cair quando a porta bater quando eu trancar, destrancar quando eu dormir quando eu acordar quando eu parir quando eu quebrar a casca do Ovo o Universo vai sumir e nascer de novo Submundo Quem passa por debaixo da escada come a poeira dos sapatos alheios mas dá risada dos homens que sobem (e não sabem) No final, todo mundo acaba debaixo da terra Jogo da memória Despeço-me Adeus às cores que os dias me trouxeram Cores que permearam o quarto, a sala a casa piso cobre pimenta sangue sol laranja céu olhos castanhas azul Despeço-me Fechar a porta é pisar outro tempo teletransporte? de elevador ou de escada? Vou-me embora sentindo %u2013 ainda %u2013 o cheiro das cores que jamais embarcarão no tubo de imagens da TV Cores que jamais pintarei nas brancas páginas de um livro 3 %u2013 Bruno Soares Cinemática (Os Incompreendidos) Anoitece E a noite tece A noite sem galos A noite tece o tecido Das cadeiras de cinema As mãos enamoradas Testam os tecidos das cadeiras e namoradas A sessão acaba e o dia amanhece Nas luzes da sala Depois o filme se projeta Nas nossas bocas Nas nossas próprias salas Menarca Qué apanhá, moleque?! O sangue desce do nariz... A menarca da primeira briga Começo de Romance Tristeza, Senhor Senhor, Tristeza -Prazer -Igualmente E o Prazer abre alas para a dor Saudade é quando tem alguém Que parece que não aparece nunca 4 %u2013 Raimundo Nonato Poema manifesto do hip hop ragga rock ska skate grafiti cimema chorinho arte urbana bagana almanaque manaque conhaque conic coca cocô com crack sakura cura ressaca go saaka! makosssaa! menina da criolina aperta a cintura fina que da cultura sound systen de brasília eu sinto fome se for pra falar nome então tome sindicato sem nome dabomb santa planta confronto mutirão ninão chokolaty jamaika barata e pezão não tem contra indicação efeito colateral que cola cola aqui na lateral do coração aqui nonato que tem ouro no dente falando diretamente da capital minha patente é capitão a quinta infantaria morre por mim todo dia por favor me trate bem que de você ninguém judia as margens do lago já estão todas tomadas e os nossos homens avançam pela esplanada por favor mantenham a calma e o foco nas atenções quero ver coragem agora nos corações em pouco tempo tomaremos o poder o que tá bom vai melhorar o que não tá vai se perder a temperatura é estável e tudo vai correr bem o que ontem foi pará lá amanhã será belém "em pouco tempo não serás mas quem tú és" e todos nós cartolaremos a teus pés desde que eu te vi não me sai do pensamento brasília minha paixão é de isopor mas meu amor é de cimento ass. capitão nonato dente de ouro (natinho) (parceria musical com "BATIDÃO SONORO S.A" TUDO TEM CASAL UM CORCEL DOIS PRO GINÃO E UMA KOMBI PRO FUBÁ COMO VAI NO FRIO EU SINTO CALOR E NO SOL EU ARREPIO TUDO TEM CASAL BOQUETE COM BOCA AÇUCAR COM SAL MANGUEIRA DE JARDIM COM COBRA CORAL MENINO COM MENINA JOVELINA E JUVENAL TUDO TEM CASAL CHAVEIRO COM CHAVE CHUVEIRO COM CHUVA GRANA COM DINHEIRO MADEIRA COM MADEIREIRO TUDO TEM CASAL O QUE SERÁ COM SERIA O QUE SEREI COM SEREIA CASTELO COM AREIA JOÃO COM MARIA MERCADO E MERCEARIA ENTÃO TUDO TEM CASAL UMA UVA MOLHADINHA COM UM VINHO TIPO SECO UM BAMBA COM CONGA UM CURTA COM UM LONGA CLORO COM ÁGUA VESTIDO COM ANÁGUA UM DUB COM RAGGA (O D.J "A" E O HADDA) LIMPEZA COM ZELO PERNA COM TORNOZELO CAMÊLO COM CAMILA CHÁ COM CAMOMILA BARRO COM ARGILA DESACATO COM JAMILA 5 %u2013 Gabriela Ziegler Retrato Sou feita de palavras. Expresso-me, Impresso-me, Equilibro-me nas entrelinhas. O meu sonho, Compus com recalques encontrados no caminho. Sonhadora eu sou. E vou. Eu vôo! Vôo sem rumo e lucidamente louco a céu aberto... Canção Adolescente Eu quero saber o singelo sigilo do mundo Sentir esse sentido Somar som à sensação (Assomo o assombro) Esse sagrado segredo Agrado degredo Viagens virgens E erros eróticos (Ex)óticos -Caleidoscópio "E quando ele se deu conta, era um amado." (Clarice Lispector) Sentimento, Sensação Sentir-se com asas Todo insano instante De sutil insensatez Em que te vejo... Tenho tato Tenho tido Tanto tato Tenho, fato Todo tato Tênue, Translúcido E transparente Entre estrelas... "Amo-te"-sussuro sincero e sentimental. Somos cúmplices do mesmo ensimesmamento cósmico. Brasília I. Tranquilidade brasiliense. O céu está de um azul impassível. Não há nuvens. Há uma encruzilhada de galhos. Os frutos são verdes. Os periquitos são verdes. Os cantos são verdes. Os passarinhos não têm princípios nem começo. A liberdade é atemporal. O resto de sol se lembrou duma parte da árvore. Hoje é dia de meia-árvore. E os sons vão pouco a pouco sumindo ...E tudo se dilui. II. Comoção solar. Meu coração rosa-alaranjou-se. Lembro de uma peça de Chopin. As árvores ouvem e sorriem. Brasília -Desaniversário Minha vida agora: Absorver manhãs empassaradas Por todos os poros ...Até que chegue a lua cheia. De manhã Pássaros De noite Lua Pulula Pulsa Pula Placidez Plenitude Poesia Momento presente flutua Através de galhos