Jornal Correio Braziliense

Diversão e Arte

Com o fim da mostra de 16mm, festival cai na onda do formato que facilita a experimentação

Mas na verdade uma história só faz uma jornada ao centro do Brasil" />Nem todas as tradições são preservadas a ferro e fogo no Festival de Brasília. Prova disso é que a maior novidade da 42ª edição do evento enterra um antigo hábito: a mostra de filmes em 16mm, reduto de jovens diretores, cede lugar ao formato digital. Uma mudança inevitável, provocada pelo predomínio do novo modelo. "Foi providencial. O 16mm, definitivamente, em termos universais, morreu. Acabou. Nem projetores são fabricados mais", explica Fernando Adolfo, coordenador-geral do festival. Segundo ele, o digital facilita a produção de filmes experimentais, matéria-prima da mostra. "São filmes que saem de escolas de cinema, exercícios de linguagem", define. A exibição em digital pode baratear os custos de produção. Mas provoca uma dor de cabeça para a organização do festival. Com a grande quantidade de curtas inscritos, a seleção fica mais penosa. Ano passado, o regulamento da mostra já permitia a inclusão de vídeos. Mas, com a mudança de nome e a exclusão definitiva do 16mm, o apelo só fez aumentar. "Ainda temos que encontrar mecanismos de filtragem dos filmes. Se eu recebesse 500 inscrições, precisaria de uma comissão trabalhando por dois meses para escolher os concorrentes. Seria impossível", observa. Este ano, 290 produções em digitais chegaram à Secretaria de Cultura. [SAIBAMAIS]Para limitar o número de candidatos, a organização reduziu a duração máxima dos filmes (de 40 minutos para 20) e recusou produções em DVD ou outro formato que não o beta analógico. "A seleção durou cinco dias e cinco noites. Imagine se tivéssemos que ver DVDs?", explica Adolfo. Sobreviveram à peneira 18 curtas, que serão exibidos na sexta, no sábado e no domingo. Além dos selecionados, as produções brasilienses excluídas na disputa entram na programação Mostra Brasília digital, marcada para hoje e amanhã. Todas as sessões em digital são realizadas às 15h na Sala Martins Pena do Teatro Nacional, com entrada franca, seguidas de debates. Estreante na função de diretor, Francisco Craesmeyer está na briga pelo Candango com Mas na verdade, uma história só, uma das oito produções brasilienses selecionadas. O curta de 12 minutos de duração foi esboçado como projeto de conclusão do curso de Cinema da Universidade de Brasília (UnB), mas virou arte final quando, já fora da faculdade, o cineasta recebeu verba do Fundo de Apoio à Cultura (FAC). Com experiência como técnico de som, ele adotou o formato para arriscar-se numa nova experiência. "Me incomodava a ideia de sair da universidade sem ter dirigido um filme", admite. Aos vencedores no formato, a organização destina prêmios num total de R$ 65 mil. Os curtas brasilienses ainda disputam R$ 5 mil do Troféu Câmara Legislativa. "Ser selecionado é, por si só, algo importante. O festival ainda tem um nome nacional. É uma grife. Desconheço um festival em que um vídeo nesses moldes pode concorrer a prêmios altos em dinheiro", afirma Francisco, que vê com naturalidade o avanço do digital na mostra. "O 16mm, como formato de exibição, já tinha praticamente acabado", reconhece. Apesar das dificuldades, Francisco optou pela ficção: a trama narra a viagem de um casal a um Centro-Oeste misterioso. Depois de quatro passagens pela Mostra Brasília, Jimi Figueiredo teve dois curtas selecionados na edição deste ano para concorrer a prêmios. Verdadeiro ou falso entrou na competição de 35mm. Já Quase de verdade explora o formato digital. Ainda que aceite a extinção da mostra de 16mm como algo inevitável, o diretor entende que a ruptura tem um quê melancólico. "A perda maior é em relação à condição quase que artesanal do cinema. Você não pode mais montar o filme como montava antigamente. Toda uma magia se perde totalmente. O digital é ótimo, mas pode banalizar as coisas", observa. Ainda que tenha concebido Quase de verdade em vídeo, Jimi acredita que o curta tem vocação para mais: já sonha com uma cópia em 35mm. Nicho da ousadia Com o fim da disputa de filmes em 16mm, o Festival de Brasília coloca ponto final numa história que começou em 1966, na segunda edição do evento, e foi interrompida diversas vezes no decorrer dos anos. De 1980 a 1984, por exemplo, não chegou a ser realizada. Ainda assim, cumpriu importante papel para revelar projetos experimentais de novatos talentosos como Rogério Sganzerla (em 1967), Suzana Amaral (em 1979) e Anna Muylaert (em 1985), que retorna ao festival este ano com É proibido fumar. Num dos momentos memoráveis da mostra, Vladimir Carvalho venceu o Candango em 1990 por Conterrâneos velhos de guerra. MOSTRA BRASÍLIA DIGITAL Hoje e amanhã, às 15h, na Sala Martins Pena do Teatro Nacional Claudio Santoro. Entrada franca. MOSTRA COMPETITIVA DIGITAL Sexta, sábado e domingo, às 15h, na Sala Martins Pena do Teatro Nacional Claudo Santoro. Entrada franca. Na disputa Atrações de hoje, na Sala Martins Pena Casulo, de Rafael Morbeck, 16min8 Xamã-gaia, o caminho da sacerdotisa, de Rogerio Quintão, 16min Você não!, de Lívia Fernandez e Patrícia Dantas, 11min Dada, de Allex Medrado, 8min53 El cine no muerto, de André Miranda, 10min Entrada franca, de Yana Carla Monteiro Lopes e Camila Nogueira Alves, 8min Sobre a pele, de Márcio Mota, 16min57 Cantando a poesia, de André Catuaba, 8min11