Talvez nem nos melhores sonhos alguém consiga imaginar como foi aquela festa. Era o sábado 9 de novembro de 1889, e o Rio de Janeiro, então capital do Brasil, parou. As lojas do Centro foram fechadas mais cedo e as barbearias estavam cheias. As mulheres aguardavam os cabeleireiros e maquiadores em casa. O imperador Dom Pedro II e a imperatriz Tereza Cristina mal sabiam que se preparavam para o último banquete. Uma festa que seria memorável não só pelas 12 mil garrafas de vinho, licores e cervejas, 200 caixas do mais autêntico champanhe francês, 500 pratos de doces, mil peças de caças e milhares de sorvetes servidos. O jantar acabou sendo o último do qual Pedro II participou e reuniu toda a elite da monarquia brasileira.
O baile na Ilha Fiscal homenageava o Almirante Cochrane, do Chile, que estava de passagem pelo país. Para muitos, foi um ato político para demonstrar o poder do governo frente aos constantes ataques republicanos. A festa teria custado 250 réis aos cofres públicos, o que hoje em dia corresponderia a alguns milhões de reais. Toda a decoração foi feita em verde, amarelo, azul e vermelho, lembrando as cores das bandeiras de Brasil e Chile. Milhares de velas e lanternas iluminavam o local. Pouco antes das 20h, o porto estava lotado. Não se sabe ao certo quantas pessoas foram convidadas, mas a impressão era que todos os 500 mil moradores da capital estavam ali. Barcos e lanchas carregados de lanternas cruzavam de um lado para o outro na Baía de Guanabara. A comitiva imperial desembarcou na ilha por volta das 22h.
No lugar, 150 copeiros trabalhavam sem parar. Quarenta e oito cozinheiros se dedicaram durante três dias seguidos para preparar o banquete. Segundo os jornais da época, enormes toldos abrigavam várias mesas de buffet e, no lado oeste, havia enormes mesas para a ceia enfeitadas com coroas de flores artificiais. O serviço foi feito pela empresa Casa Pascoal. Toda a porcelana usada foi produzida especialmente para a ocasião. Existia um buffet separado para as senhoras e outro exclusivo para a família imperial.
Segundo Deise Novakoski e Renato Freire relatam no livro Enogastronomia: a arte de harmonizar cardápios e vinhos (Editora Senac São Paulo), apenas os convidados mais importantes tiveram acesso ao jantar. Os outros degustaram o luxuoso coquetel. Nas mesas de servir das autoridades, peças inteiras de caça e peixe eram exibidas. Em um canto, enormes castelos com um metro de altura feitos de açúcar e com torres que guardavam delicadíssimos bombons.
Influência europeia
A gastronomia da época trazia uma grande influência europeia. O cardápio estava escrito em francês e a forma de servir também seguia as regras oficiais da França. ;Uma das coisas que estava acontecendo na época era o protocolo dos serviços da mesa. Em Portugal, ele ainda era novo. Na França, porém, já havia o costume de o garçom levar o prato à mesa;, conta Verônica Ginani, professora de gastronomia do Centro de Excelência em Turismo da Universidade de Brasília (UnB).
Exuberância e gastronomia eram quase sinônimos no século 19. No jantar, foram servidos 32 pratos e 28 tipos de bebida. ;A realidade daquele tempo era o exagero. As festas da corte costumavam ter de 30 a 40 variedades de pratos. Era uma bagunça culinária. Você ficava na mesa por horas e horas, com muita comida ao redor. Costume bem diferente da nossa lógica minimalista de hoje;, explica a professora.
O coquetel tinha sanduíches com foie gras e sorvete de frutas, a grande novidade da época. O anfitrião da festa foi o presidente do Conselho de Ministros, Visconde de Ouro Preto, que propôs um brinde depois que o champanhe foi servido. ;Viva o Chile; foram as últimas palavras do discurso. Depois, o jantar foi servido. Entre os pratos, badejo e bijupirá com purê, perdiz com licor e língua de boi. Jacutingas (ave da Mata Atlântica muito usada na culinária da época), pombo selvagem e peru recheado com castanhas e presunto também foram oferecidos.
[SAIBAMAIS]
As técnicas eram francesas, mas alguns ingredientes, brasileiríssimos. ;O regionalismo na gastronomia não era uma coisa implícita. No caso das aves ; apesar de o faisão ser uma comida francesa típica ;, usavam-se animais locais, muito por conta da própria preferência do imperador;, afirma Verônica.
Dom Pedro II não tinha um hábito alimentar muito sofisticado. Ele preferia os pratos mais simples. Uma das histórias mais conhecidas sobre ele é que o monarca gostava muito de escaldado, uma receita que leva farinha com água. Ele era um homem discreto. Ao final de 58 anos de reinado, sua figura estava desgastada, assim como sua relação com a elite. ;Ele era visto de forma muito afável pela grande massa da população. Não era um imperador odiado, apenas não era muito questionado. Mas foi um grande investidor em tecnologia e trouxe muitas transformações para o Brasil;, relata Deusdedith Alves Rocha Júnior, professor e coordenador de história do Centro Universitário de Brasília (Uniceub).
Os doces do último banquete também foram feitos para agradar ao monarca. Eram europeus com toques brasileiros. Foram servidas frutas e castanhas açucaradas, bombons, manjares, creme de chocolate e frutas cobertas com fondant. ;A sobremesa era uma parte muito valorizada da refeição. O sorvete era novidade, um luxo. E quase todas as receitas tinham frutas tropicais;, comenta Verônica.
Tudo feito com luxo, requinte e exagero. Segundo os relatos da época, muitos convidados perderam objetos de valor por causa da bebedeira. A comitiva imperial ficou no local até as 3h. Os convidados madrugaram. Às 5h, os barcos iluminados ainda passeavam pela baía carioca.