Jornal Correio Braziliense

Diversão e Arte

As meninas do movimento buscam novos caminhos, com arte e atitude, na luta por justiça social nas cidades do DF

A luta das mulheres do hip-hop não se limita às batalhas entre DJs e grupos de break. Guerreiras no trabalho e na vida, elas usam como combustível os preconceitos que se acumulam por serem mulheres (em geral, de origem negra) e oriundas de regiões periféricas de grandes cidades brasileiras para alimentarem o combate contra injustiças sociais. A situação dentro do movimento já foi pior, mas os anos denunciando o machismo arrefeceram o embate entre os gêneros e melhoraram a situação feminina. ;As mulheres apresentam propostas progressistas no que diz respeito à produção no hip-hop. Elas não se limitam ao formato dos quatro elementos (rap, break, grafite e discotecagem). Enquanto os homens ainda reproduzem o formato antigo, elas procuram reciclá-lo com experiências de economia solidária em organizações de feiras e festivais, coisas que o rock já faz muito bem e há muito tempo;, explica Jaqueline Fernandes, do coletivo de artistas Griô Produções.

Mesmo assim, ainda faltam espaço e oportunidade. ;Se está difícil para os homens, imagina para a gente;, anunciam em uníssono em encontro promovido pelo Correio, onde representantes dos quatro movimentos do hip-hop falaram sobre as dificuldades de se lançarem fora da capital. A MC Vera Verônica, que também atua como produtora, demonstra engajamento em causas sociais nas composições que faz e também na vida privada. Ela e a mãe administram um projeto social de adoção de crianças sem família em Valparaíso. Atualmente são cuidadas cerca de 35. A MC, que completou mestrado em educação, leciona em escolas e faculdades do Distrito Federal elementos de história negra.

Ela ainda encontra tempo para dar aulas gratuitas no Centro de Atendimento Juvenil Especializado (Caje). ;Quando eu comecei não tinha essa de divulgar músicas pela internet. Se a gente queria fazer divulgação fora daqui tinha de pegar o ônibus dos R$ 80 e ir para São Paulo de mochila nas costas, se hospedar na casa de alguém e conversar com os produtores de lá. Era muito difícil, porque tinha muito preconceito contra a mulher;, relembra Verônica, 13 anos de carreira. A maior parte das inúmeras apresentações que ela faz fora da cidade é ligada aos fóruns dos movimentos feministas do hip-hop.

As garotas do BsbGirls são remanescentes de grupos de break mistos que se enfrentavam e participavam de disputa de dança mensalmente no Conic. O grupo existe há 6 anos e é o primeiro formado apenas por mulheres da cidade. A maratona de ensaios rendeu qualidade técnica suficiente para duas classificações para o Batle of The Year, principal competição de nível mundial da dança de rua. Este ano a final foi em agosto na cidade de Brunsvique, na Alemanha. Mas, as garotas foram desclassificadas logo na primeira competição naquele país. ;Nós concorremos logo de cara com a dupla japonesa Narumi e Shie Chan. Elas são as melhores do mundo;, ressente-se Loweasy.

Veterana das picapes de hip-hop no Distrito Federal, a DJ Dona já passou por situações insólitas. Única mulher do Centro-Oeste selecionada para o Red Bull Music Academy Brasil 2002, ela quase foi desclassificada por omitir a falta de intimidade com a língua inglesa. Afastada do ofício por causa do nascimento do filho Davi de 3 anos, a DJ foi pega de surpresa pela evolução do mercado. Isto porque, hoje em dia, para quem pretende continuar a executar performances em vinil é necessário a compra do caríssimo Serato. Nele, um sulco no disco especial do equipamento permite a reprodução de músicas em mp3. ;Não é que seja uma exigência, mas todo mundo está usando, porque é mais barato do que importar os discos;, calcula Dona.

No exterior
Outra figurinha carimbada do hip hop da cidade, a DJ Japa Girl já viveu momentos de celebridade em apresentações no estado do Tocantins, interior de Minas Gerais e São Paulo. Japa comprou o Serato em prestações e encontrou uma maneira inusitada de alcançar projeção fora daqui atuando como apresentadora do programa Fun Music and Video, da televisão pela internet Yes TV, exibido às sextas-feiras às 18h30 e 19h30. ;Lá no Japão, o meu irmão e a minha cunhada podem me assistir. O programa só tem três meses; espero que com o tempo se torne mais popular;, responde a DJ.

Já as grafiteiras Lola e Nat, admitem que é mais difícil sair da cidade para participar de pinturas fora daqui. Os poucos convites que são feitos, muitas vezes precisam ser recusados porque o evento não oferece patrocínio para o transporte e alimentação. ;Mas, no grafite não tem problema. Se uma não pode ir, oferece para a companheira;, afirma a grafiteira Nat. Participantes dos crews (grupo de meninas grafiteiras) Spray Rosa Ataque (SPA) e Toque Feminino Crew (TFC), as garotas se reúnem para pintar murais feitos só por mulheres.

A brasiliense com melhor saída no mercado nacional é a MC Flora Matos. A filha do cantor Renato Matos começou compondo rimas no início da adolescência em Brasília. Até deixar a capital para morar em São Paulo, o maior feito de Flora havia sido se apresentar ao lado de Marcelo D2 no Porão do Rock em 2004. As letras mais recentes da MC não fazem apenas denúncia social. Um dos temas recorrentes é a intimidade doméstica contemplando a visão tanto de homens quanto de mulheres. Mas também há temas coloridos como namoros e relacionamentos ou a curtição entre amigos. A cantora e letrista foi a única mulher selecionada para participar da campanha de uma fabricante multinacional de tênis com o tema arte urbana no Brasil.