Seul - As intermináveis horas de voo, os efeitos do fuso horário, o atraso no check-in do hotel ou mesmo o peculiar tempero da cozinha coreana. Nada disso foi páreo para derrubar os músicos da Orquestra Sinfônica do Teatro Nacional Claudio Santoro durante os dois concertos realizados na última semana em Seul, na Coreia do Sul, durante o 3º Festival Mundial de Teatros Nacionais. Uma prova de que a música, quando tocada com alma, talento e dedicação, consegue se superar e surpreender.
"Eu particularmente estava com muita vontade de tocar. Além da emoção, tem essa questão de se apresentar do outro lado do mundo, em um país diferente. Música é alma, emoção e supera tudo. É uma experiência única", declarou logo após a primeira apresentação o trompetista Moisés Alves.
O regente da sinfônica, o norte-americano Ira Levin, completou: "Acho que essa coisa da viagem, fuso, chega na hora de apresentar não influencia muito. A vontade de tocar é muito grande, ainda mais em um evento importante como esse. O músico passa por cima de tudo".
A dedicação foi recompensada. A reação do público impressionou até os mais experientes da orquestra. Os coreanos compareceram em bom número nos dois dias de apresentação, quase lotando o Teatro Nacional da Coreia cuja capacidade é de 1.500 lugares (o preço dos ingressos variou de US$ 40 a até US$ 150).
Gente de todas as idades - inclusive muitas crianças que levaram a sua almofada a tiracolo para poder conferir melhor a performance dos músicos - assistiu compenetrada aos concertos. A concentração da plateia é tão impressionante que não se escutava um barulho sequer durante as duas horas de concerto. Tanta disciplina às vezes pode parecer frieza, mas é só impressão. "A Coreia tem uma grande tradição em música clássica. E isso se reflete no comportamento da plateia. Quem vai a esses concertos realmente gosta, presta atenção, fica atento. É um público preparado e que tem conhecimento", justifica o maestro Ira Levin.
Surpresa
A satisfação do público após as apresentações era visível. Bastou a sinfônica encerrar a última música para que a plateia coreana aplaudisse de pé. No primeiro concerto, os presentes foram brindados com dois bis de Batuque, do compositor brasileiro filho de espanhóis Lorenzo Fernandez. Já na noite seguinte, a festa foi ainda maior: três voltas sendo dois Batuques e um Prelúdio das Bachianas n.º 4. "Nesses anos todos em que estou na orquestra, não me lembro de ter sido tão aplaudido. Foi emocionante", afirmou o violoncelista Jabez Oliveira.
Já o trompista Fernando Morais diz que é raro acontecer o que houve na Coreia: a orquestra ser "arrastada" do palco, ou seja, o maestro teve que retirar o spalla (primeiro violino) "à força" para que o público cessasse os aplausos. "Nunca acontece isso. É realmente muito raro. A orquestra tocou as músicas de bis e o público continuou aplaudindo, querendo mais. O maestro entrou e saiu mais algumas vezes, e finalmente pegou na mão do spalla e o carregou para fora do palco. Quando o spalla se retira, a orquestra sai automaticamente do palco. Na maioria das vezes, o público sempre para de aplaudir, e aí o spalla se levanta. Mas para a nossa surpresa, não foi o que houve", declarou.
O secretário de Cultura do Distrito Federal, Silvestre Gorgulho, também comentou a recepção dos coreanos e revelou que foi um orgulho para o Brasil e para a Brasília terem sido representados pela sinfônica durante um evento cultural tão relevante. "A Coreia é um país tão distante, tão diferente da gente. A cultura e a história deles têm dois mil anos. E você chega aqui e é aplaudido. É muito gratificante", analisou Gorgulho.