Jornal Correio Braziliense

Diversão e Arte

Profissionais de outras áreas mudam de ramo e colhem frutos na área gourmet

Ter coragem de deixar tudo para trás e seguir um novo caminho não é fácil. Poucos conseguem correr certos riscos e tomar a decisão de mudar a direção e os planos para o futuro. Alguns, no entanto, conseguem não só dar esse importante passo como ter êxito na nova empreitada.

No mundo gourmet, muitos profissionais deixaram carreiras tradicionais para se aventurar na vida de chef. Três profissionais de sucesso no mundo da gastronomia contaram ao Correio como venceram o medo do desconhecido e partiram em busca dos prazeres da mesa.

O chef italiano Sandro Melaranci, por exemplo, deixou a carreira de maquiador de cinema para trás quando, ao entrar no restaurante que costumava frequentar, soube que ele estava à venda. Ousadia maior foi a do espanhol José Manuel Ortega Gil-Fournier, que largou a muito bem-sucedida carreira no mundo financeiro ; chegou a ser presidente do Banco Santander ; para ter a própria vinícola. Já Anna Kaebisch decidiu largar a segurança de trabalhar na empresa dos pais para das asas à criatividade e inventar receitas com chocolate. Conheça a seguir a história desses três empreendedores movidos pela paixão.

; Culinária e sétima arte

Uma série de acontecimentos levou o chef Sandro Melaranci, responsável pelo restaurante da Belini Pães & Gastronomia, ao seu destino. Em 1967, aos 18 anos, ele largou a faculdade de administração em Roma para se aventurar na Inglaterra, onde começou a trabalhar como maquiador em produções cinematográficas. Melaranci seguia os passos da irmã, Lolli, já bem-sucedida nessa profissão. De volta à Itália, ele continuou a trabalhar na área. ;Era uma época gloriosa do cinema italiano. E a minha casa virou ponto de encontro de intelectuais, artistas e fotógrafos;, recorda.

Em uma dessas festas, seu irmão Toni fez uma proposta. ;Ele me perguntou, de brincadeira: ;Vamos abrir um restaurante?;, mas não levei muito a sério;, conta. Uma semana depois, Melaranci foi comprar vinho na casa que costumava frequentar e quase não acreditou quando o dono lhe perguntou se ele não queria comprar o lugar. ;Logo eu, que era maquiador! Mas ele disse que queria vender para uma pessoa de confiança e que dividiria o valor em muitas vezes sem juros. Parece até que ele adivinhou, pois, logo depois, eu e meu irmão fechamos o negócio;, diz.

Meses depois, era inaugurado o Manuia, em Trastevere, bairro da capital italiana. Os irmãos sócios bolaram o cardápio e contrataram um chef e um ajudante. ;Foi uma loucura que fez sucesso. Pensamos em tudo, da decoração ao atendimento. E o fato de termos clientes famosos ajudou;, diz, referindo-se a nomes como Marcello Mastroianni, Claudia Cardinale, Valentino, Federico Fellini, Robert De Niro, Liza Minnelli e Dustin Hoffman. ;Fiz um almoço para a equipe de Fellini uma vez. Ele me chamou e me pediu desculpas porque não comia enquanto estava trabalhando, e que queria só uma parmegiana.;

Nos anos 1980, os irmãos começaram a levar músicos brasileiros para se apresentarem no bar que abriram ao lado do restaurante, depois de uma breve viagem que Melaranci fez ao país. Lá, tocaram Djavan, Gilberto Gil e João Gilberto, entre outros. Foram 19 anos de sucesso até a dupla resolver fechar o Manuia e buscar outros caminhos. O chef se casou com uma diplomata brasileira e os dois vieram para Brasília. ;Como todo italiano, gosto de uma boa massa, mas também aprecio as coisas simples. Gosto de receber as pessoas, e isso eu consigo fazer aqui;, explica.

; Das finanças ao vinho

José Manuel Ortega Gil-Fournier sempre quis ter a própria empresa. Mesmo quando era presidente do Santander, um dos maiores bancos da Espanha, e era especialista em transações financeiras. ;Eu me lembrava do tempo que trabalhava na fábrica de máquinas do meu avô, quando era criança, e da vida no campo que a gente tinha;, conta. Quando ele chegou ao topo da carreira, a vontade ficou ainda mais forte. Na mesma época, ele começou a se interessar por vinhos e a estudar o assunto. Passou a visitar vinícolas, a comprar garrafas diretamente com o produtor e a colecionar rótulos raros, como forma de investimento.

Em 2000, ele deu o primeiro passo rumo ao sonho de ter a própria marca da bebida: comprou uma propriedade em Mendoza, na Argentina, para iniciar o negócio com a ajuda da família. ;Foi difícil começar do zero, e é claro que dava um pouco de medo. Mas resolvemos encarar. Aprendi muito e continuo aprendendo, nove anos depois. Sempre um passo de cada vez e sempre para frente;, explica José Manuel, que visitou Brasília recentemente para fazer um jantar harmonizado no restaurante Le Plateau d/;Argent.

A empresa O. Fournier cresceu rápido. Depois de se especializar na clássica uva argentina malbec, José Manuel comprou terras no Chile e na Espanha e passou a ter em sua carta de vinhos as uvas shiraz, tempranillo e cabernet sauvignon blanc. ;O vinho é a minha vida, é o que me faz feliz. Acabou influenciando até minha esposa;, confessa o empresário. Impulsionada pela atitude do marido de deixar tudo para atrás e começar de novo, Nadia também resolveu mudar. Largou a profissão de farmacêutica para estudar gastronomia. Hoje, ela comanda o restaurante Urban, que fica dentro da vinícola de Mendoza.

; Amor pelo chocolate

Desde pequena, Anna Kaebisch tinha uma certeza: amava chocolates. Na adolescência, inventava receitas em casa, fazia bombons para as amigas e ovos de Páscoa para a família. Tudo a partir de informações que obtinha nas revistas especializadas. ;Foi minha mãe quem me passou esse gosto pelos doces. Ela me passava as receitas da família alemã, e foi o carinho que ela tinha pela culinária que despertou em mim essa paixão;, afirma a hoje dona da Kaebisch Schokoladen, casa especializada no doce .

Quando terminou o ensino médio, Ana foi trabalhar em uma conhecida rede de lojas de doces que os pais tinham em Brasília. Passou pelo balcão de atendimento, pelo caixa e depois ficou responsável pela parte administrativa. A vontade de colocar a mão na massa, mais especificamente nos doces, crescia. Buscou se especializar e leu muitos sobre a arte de fazer chocolates. ;Eu sempre escutei que a gente é feliz quando trabalha com aquilo que gosta. Há uns quatro anos, comecei a me dedicar mais. Fiz cursos em São Paulo e na Bélgica e, em julho de 2007, tomei a decisão começar o meu negócio;, conta.

Dois anos depois de mudar de rumo, ela tem duas lojas, uma na Asa Norte e outra no Sudoeste. ;Até hoje, fico com frio na barriga. Foi difícil abrir mão de uma coisa estável para começar algo novo, em um mercado que quase ninguém conhecia em Brasília;, diz a chef. Ela mesma prepara os chocolates que vende. Os produtos têm um toque gourmet, sendo feitos com alto teor de cacau, sem conservantes e com ingredientes diferenciados, como manjericão, cravo, canela, gianduia e champanhe. ;Quando eu entro na cozinha, tenho meu momento de criar e brincar com o sabor e a textura do chocolate. E não me arrependo do que fiz até agora. Estou muito feliz;, revela.


; Confira a receita do chef Sandro Melaranci do Belini Il Ristorante

Risoto de cordeiro
Ingredientes:
400 g arroz arborio carnaroli
100 g manteiga
100 g grana padano
2 colheres a sopa de azeite extravirgem oliva
meia taça de vinagre de vinho
1 raminho de alecrim
meio litro de vinho tinto do marinado e meio litro de caldo vegetal
200 g carneiro cozido desfiado
meia cebola
sal e pimenta do reino preta

Ingredientes da marinada do cordeiro:
200 g de cordeiro (tipo pernil)
2 garrafa de bom vinho tinto
1 cebola
1 cenoura em pedaços
2 folhas de alho poró
1 raminho de tominho
1 raminho de alecrim
2 folhas de louro
2 folhas de salsão
pitada de sal e pimenta do reino.

Preparo da marinada do cordeiro:
Em uma caçarola, refogar em poco azeite cebola, alho e alecrim e o carneiro em todos os lados;
Acrescentar o vinagre e deixar evaporar. colocar um pouco se sal e pimenta;
Deixar resfriar e colocar tudo para marinar por 24 horas na geladeira, misturando todos os outros ingredientes da marinada;
No dia seguinte, colocar no forno e cozinhar por aproximadamente 45 minutos;
Retirar a carne do osso e desfiar em pedacinhos;
O caldo deve ser passado em uma peneira e reservado para o risoto.
Obs: se preferir não usar forno, pode cozinhar no fogão.

Modo de preparo do risoto:
Refogar a cebola no azeite ate dourar;
Acresentar o arroz e refogar bem;
Colocar três quartos do caldo da marinada e deixar evaporar, mexendo sem parar;
Acresentar o cordeiro desfiado fino;
Continuar adicionando o caldo, mexendo sempre na medida de o risoto não secar, por cerca de 13 minutos ou mais;
Se precisar mais caldo, use o vegetal, ate o risoto ficar pronto;
Antes de servir, é importante controlar a densidade do risoto para que não fique muito líquido nem muito seco;
Finalizar a cremosidade com ajuda do caldo e do grana padano;
Acrescentar manteiga e servir.