Quando Peanut Butter Wolf, diretor do Stones Throw (selo de hip-hop de Los Angeles), ouviu as gravações caseiras de Andrew Cohen, levou um grande susto. Pensou que eram remixes de um soul desconhecido, inédito e obscuro de 30, 40 anos atrás. Cohen, produtor musical, cresceu nas ruas de Ann Arbor (terra que deu ao mundo os Stooges), onde nasceu, e Detroit, e eventualmente se aventurava no soul: gravava instrumentos e mixava vozes por conta própria, por diversão.
Morando em Los Angeles e trabalhando com a alcunha DJ Haircut, o cantor teve a ideia que mudaria radicalmente - e rapidamente - sua vida musical: tornou a brincadeira num projeto pessoal e entregou algumas criações suas a Butter Wolf, sob o nome de Mayer Hawthorne. A música do alter ego de Cohen impressionou o produtor, que o contratou para gravar o álbum A strange arrangement, lançado no início de setembro, nos Estados Unidos.
Em entrevista ao Real Detroit Weekly, Cohen contou que aprendeu a tocar contrabaixo com o pai e foi "forçado" pela mãe a fazer lições de piano: "Na época, eu odiava e parei. Mas agora fico superfeliz que ela tenha feito aquilo". Os pais também ouviam com frequência discos da Motown (gravadora ícone do R e soul sediada em Detroit). "Meu pai era dono de uma loja de autopeças. Eu ia com ele para o trabalho nos fins de semana e me lembro que ouvíamos muita coisa antiga. Eu constantemente perguntava, 'quem é esse?', 'quem é aquele?', 'que música é essa?', e ele me contava tudo", completou. Time out for Smokey Robinson and the Miracles, clássico da Motown, é um dos discos prediletos de Cohen.
Influenciado por Al Green, Curtis Mayfield, Smokey Robinson, entre outros grandes nomes do soul clássico, Hawthorne vem recebendo elogios de diversos veículos. O Washington Post gostou do que ouviu e disse que o primeiro trabalho de Cohen como cantor é surpreendente: "Se ele ainda não achou o próprio nicho, ao menos decola rumo a um futuro promissor". A página virtual da Billboard chegou a profetizar que o contagiante single Just ain't gonna work out "deixaria as mulheres histéricas". Maybe so, maybe no, remake da canção do quase anônimo grupo The New Holidays, também tem chamado a atenção.
Apesar das já citadas inspirações, Hawthorne confidenciou ao Real Detroit Weekly outros gostos musicais: "O álbum é bem Motown e doo-wop, mas um dos meus discos favoritos de todos os tempos é Siamese dream, do Smashing Pumpkins. Escuto muito reggae e hip-hop. E era metaleiro também. Ouvia Helmet e Rancid. Todas essas influências aparecem no meu álbum - provavelmente de maneira inconsciente".
Hawthorne vai na onda do neo-soul, ainda pouco conhecido no Brasil e cujas origens remontam ao fim dos anos 1990. É um estilo que presta tributo às origens da soul music e flerta com o rhythm and blues. Alicia Keys, D%u2019Angelo, Jill Scott e Macy Gray são exemplos mais conhecidos - e mais radiofônicos - do gênero. Amy Winehouse, apesar do rótulo de cantora pop, também explicita características do novo soul. Na mesma linha de Hawthorne, Eli "Paperboy" Reed e Sharon Jones & The Dap-Kings são representantes desta nova onda.
Na conversa com o Detroit Weekly, Hawthorne foi perguntado como descobriu que poderia cantar tão bem. Respondeu com certa modéstia: "Eu estava apenas brincando. Não sei ainda se descobri a minha voz". Sinal de que se pode esperar muito mais nos próximos anos deste ex-DJ de aparência nerd e voz contundente.
MAYER HAWTHORNE
Conheça o cantor em www.myspace.com/mayerhawthorneMayer Hawthorne lançou A strange arrangement pelo selo Stones Throw (www.stonesthrow.com).