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Diversão e Arte

Livro traz músicas de Chico Buarque com detalhes do cenário musical brasileiro

Atire o primeiro vinil, ou CD, quem não tem pelo menos uma música de Chico Buarque no currículo de sua vida. Pois quem não tem bom sujeito não é. Acaba de ser lançado o livro Histórias de canções - Chico Buarque, de Wagner Homem, o primeiro de uma coleção que a editora portuguesa Leya preparou para o mercado brasileiro. A intimidade fraterna com Chico, ao longo de 20 anos, credencia Wagner Homem a relatar "segredos" da vida, da poesia e da música desse carioca que ajudou a consolidar a Música Popular Brasileira com letras maiúsculas. Além disso, Wagner é responsável pelo site oficial do cantor. O que o motivou ainda mais a produzir o livro.

Ouça trecho de "Apesar de você"


Eram tantas as curiosidades, perguntas, dúvidas dos fãs e lendas que lotavam a caixa do site oficial de Chico, que Wagner decidiu compilar algumas delas em livro. São 356 páginas que narram cronologicamente (de 1964 a 2008) as relações com figuras da história musical do país e a trajetória musical, sempre contextualizada, desse mito de "olhos cor de ardósia", como consta na sua ficha policial nos tempos da ditadura.

O pontapé inicial dessa grande partida foi a canção Tem mais samba ("Tem mais samba no encontro que na espera/tem mais samba a maldade que a ferida/ tem mais samba no porto que na vela/tem mais samba o perdão que a despedida;"). Chico a compôs sob encomenda para o musical Balanço de Orfeu, de Luiz Vergueiro, em 1964. Ano da queda do presidente João Goulart, deposto pelos generais, brigadeiros e almirantes de uma época obscura e conturbada de nossa história.

A televisão ainda engatinhava, mas tinha uma audiência crescente. Chegara a vez dos festivais. Geraldo Vandré, o maestro Erlon Chaves, jovens como Baden Powell e Edu Lobo estavam na crista da onda. A voz de Chico se transformou em bolacha de vinil em 1965, com o compacto lançado pela RGE, em que a "música de trabalho" era Sonho de um carnaval. Mas o sucesso estava no lado B: Pedro pedreiro ("Pedro pedreiro penseiro esperando o trem/ Manhã, parece, carece de esperar também/Para o bem de quem tem bem/De quem não tem vintém;") ; a gravadora autorizou a prensagem de apenas 500 cópias do compacto.

No livro, Chico revela que Pedro Pedreiro registrou no cenário musical a sua verdadeira marca, "que já não era mais imitação de Bossa Nova. Daí, realmente, as coisas começaram a acontecer" - declaração dada ao também amigo Almir Chediak, organizador do Songbook Chico Buarque.

Trecho do livro

(...) Chico acabara de mostrar a nova composição (Apesar de você, gravada em 1970) para Vinicius, e, prevendo atritos com a censura, resolveu consultar o amigo Manuel Barenbein. O experiente produtor ponderou que só haveria problemas se os censores percebessem segundas intenções. E, de fato, num primeiro momento, não houve. Para surpresa geral, a letra foi liberada. Gravada, chegou a vender mais de 100 mil compactos em uma semana.

Tudo ia bem, até que uma notinha publicada num jornal do Rio de Janeiro insinuou que o ;você; era na verdade o presidente Médici. Chico, já preparado, disse cinicamente que se tratava de uma mulher mandona. Não colou. A polícia recolheu as cópias das lojas, invadiu a fábrica para destruir o estoque, proibiu a execução nas rádios e, de quebra, puniu o censor que deixara escapar tamanho desrespeito. Felizmente não conseguiu desaparecer com a matriz, que seria aproveitada em seu disco de 1978. (;)

Um drible nos censores da ditadura

Formado em administração de empresas pela Fundação Getulio Vargas (SP), mas atuante na área de tecnologia da informação, o paulista de Catanduva Wagner Homem conta que virou fã de Chico ao ouvir exatamente Pedro Pedreiro em 1965. Mas foi em 1998, 10 anos depois de conhecer o artista, que surgiu a ideia de criar o site oficial, aprovado e com todas as letras revisadas pelo próprio compositor. O livro traz ainda uma cronologia da vida do artista e um índice com todas as canções escritas (com parcerias ou não) por Chico.

Segundo Wagner, o Chico compositor e o Chico escritor de livros se equivalem: "Sou suspeito para falar, mas o livro Leite derramado é uma obra irretocável". Indagado se o amigo deixou de compor, Wagner explica que Chico tem alternado um livro com um disco - e todas as atribulações comerciais embutidas nessas produções. "Ele continua compondo e é provável que no próximo ano volte com um novo CD", prevê.